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Ciro Gomes (PDT), candidato derrotado à presidência considerando os votos no Brasil. Caso a votação fosse apenas no Ceará, ele teria terminado o primeiro turno na liderança.  | NELSON ALMEIDA/AFP
Ciro Gomes (PDT), candidato derrotado à presidência considerando os votos no Brasil. Caso a votação fosse apenas no Ceará, ele teria terminado o primeiro turno na liderança. | Foto: NELSON ALMEIDA/AFP

“O Ceará é um estado politizado”, disse Ciro Gomes (PDT), logo após a divulgação do resultado do primeiro turno das eleições presidenciais de 2018. Sorrindo, afastou-se da horda de jornalistas para, segundo ele mesmo, ir comemorar a vitória do irmão Cid Gomes (PDT), senador proporcionalmente mais votado do Brasil nas eleições do último domingo (7). 

O próprio Ciro teria ficado em primeiro lugar na disputa pelo Planalto, caso fossem considerados somente os votos dos cearenses. Tanto apoio popular foi construído ao longo da carreira política dos Ferreira Gomes.

Enquanto, no país, Ciro ficou em terceiro lugar entre os presidenciáveis, com 12,47% dos votos válidos, no Ceará quase 41% dos eleitores o escolheram. Fernando Haddad (PT), que ficou em segundo naquele estado, teve pouco mais de 33% dos votos.

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Ex-prefeito de Fortaleza, ex-governador, ex-deputado estadual e ex-deputado federal pelo Ceará, o presidenciável derrotado agradeceu àqueles que confiaram nele para ser o próximo presidente da República. “[Estou] especialmente agradecido pelo Ceará, que é um estado que me conhece de perto, sabe dos meus defeitos, das minhas humanidades e me deu uma vitória absolutamente extraordinária”.

Cid, por sua vez, teve mais de 41% dos votos válidos na disputa ao Senado. Assim como o irmão mais velho, Cid também foi deputado estadual e governador do Ceará, além de ter sido prefeito de Sobral, cidade de onde vêm os Ferreira Gomes e que, atualmente, tem à frente da Prefeitura outro irmão dos dois, o também pedetista Ivo Gomes. O legado deixado por Cid e Ciro parece ter aprovação contundente da maioria dos cearenses.

Dinastia ou oligarquia?

Quando comentou a politização dos cearenses, Ciro não estava fazendo média. Jawdat Abu-El-Haj, cientista político e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica: de fato, aquele é um estado politicamente engajado. Um dos traços que demonstram isso é o fato de a oposição ser sempre atuante. Fortaleza, por exemplo, tem uma tendência a não se submeter a quem governa o estado: 

“O Ceará tem a marcar de ter oposição forte. O governante cearense sabe disso. Aqui não é um lugar em que o comando político é incontestável e isso deixa quem comanda mais alerta. O governante fica mais preocupado em mostrar serviço.”

Há quem diga que os Ferreira Gomes já são uma oligarquia política estadual. O professor discorda e diz que diz que há outras famílias cearenses que se encaixam melhor nesse papel:

“A oligarquia tem raízes sociais, apoio de grupos sólidos e classes sociais específicas. O apoio para os Ferreira Gomes é mais político, na verdade. Não é um grupo coeso, com um projeto de poder de longa duração. O empresariado cearense, por exemplo, votou no [Jair] Bolsonaro (PSL) [no primeiro turno de 2018]. Então eles não chegam a ser uma oligarquia no sentido de controlar o estado.” Ele

Educação

Para Jawdat Abu-El-Haj, o grande apoio dado aos irmãos no âmbito estadual não é exatamente uma novidade. 

“O Ciro sempre foi bem votado aqui. Ele, de fato, é bom de voto. É uma pessoa bastante envolvente no discurso, que mobiliza, atrai a imprensa e a opinião pública. Quando foi eleito deputado federal ele também foi o mais votado do Brasil.” 

Quando assumiu o governo estadual em 1991, Ciro substituiu Tasso Jereissati (PSDB) e deu prosseguimento à política de equilíbrio fiscal de seu antecessor, mas com uma pegada mais voltada ao social. “O Ciro iniciou uma guinada para a área social, principalmente a educação. Com ele houve, de fato, um avanço na qualidade da educação pública cearense.”

Essa atenção à educação foi continuada nos governos seguintes. Cid também ampliou os programas de fortalecimento educacional durante seu mandato, de 2007 a 2015. Os resultados são visíveis e foram o grande mote da campanha de Ciro em 2018. 

De acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2015, 77 das 100 melhores escolas brasileiras nos anos iniciais da educação básica estão no Ceará. Esse número se refere aos primeiros anos do ensino fundamental, do 1º ao 5º ano. Quando são considerados os anos finais do ensino fundamental - do 6º ao 9º ano -, são 35 escolas cearenses entre as 100 melhores do país. É o estado com o maior número de escolas entre as 100 primeiras do índice.

Cid Gomes, à esquerda: irmão de Ciro foi ministro da Educação no governo Dilma, em 2015. FABIO POZZEBOM /  / ABr

O governo de Cid Gomes implementou, em 2007, o Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic). O objetivo inicial era alfabetizar todos os alunos até o segundo ano do ensino fundamental. Para isso, segundo o site da Secretaria de Educação do Ceará (Seduc), o estado promove ações de formação continuada para os professores, fornecimento de livros e material didático e apoio à gestão municipal. 

Como resposta, os municípios precisam valorizar a docência com planos de cargos e salários, escolher diretores com base em critérios técnicos e redimensionar recursos financeiros. Também se comprometem com a “implantação de sistemas municipais de avaliação de aprendizagem de crianças, ampliação do acesso à educação infantil, e adoção de políticas locais para incentivar a leitura e a escrita”.

Na avaliação de Abu-El-Haj, a preocupação com um sistema educacional de qualidade pode ser fruto da formação que os irmãos tiveram ao longo da vida. “Os Ferreira Gomes começaram em Sobral. São de uma família do interior que enfatizou muito a educação de todos os filhos. Todos os irmãos do Ciro são profissionais liberais, advogados, engenheiros, médicos. A preocupação com a educação é a marca da família Ferreira Gomes. Isso vem da experiência da família. Educação é um valor muito importante para eles.”

Equilíbrio fiscal e continuidade de políticas públicas

Desde que Ciro Gomes esteve à frente do governo cearense passaram-se 24 anos. Mas algumas das iniciativas tomadas por ele naquela época seguem sendo mantidas e ampliadas por governantes que o sucederam. 

Essa, para o cientista político, é uma característica do Ceará: “O equilíbrio fiscal implementado pelo Tasso permaneceu em todos os governos. Apesar da mudança política, muitas vezes ideológica, isso se tornou a marca de todos os governos cearenses.” O mesmo acontece com outras políticas, como é o caso da educação.

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A continuidade rendeu a Ciro e Tasso um reconhecimento conjunto. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) concedeu a ambos, em 1993, o Prêmio Maurice Pate, pela eficácia no combate à mortalidade infantil durante seus governos. O programa Viva Criança foi iniciado na gestão de Tasso, em 1987, e teve prosseguimento quando Ciro assumiu o estado. 

“O Ceará tem uma certa continuidade da abordagem que foi estabelecida em 1986, da questão do equilíbrio fiscal. Sem isso não se faz política social séria. Isso marcou todos os governos desde então. E é importante porque no Brasil a gente tem a tendência de desfazer o que foi feito em governos anteriores”, diz Abu-El-Haj.

O controle fiscal cearense é um fato. Segundo o último relatório sobre a situação fiscal dos estados brasileiros, divulgado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) em abril de 2017, o Ceará é o estado com as contas mais equilibradas de todo o país. Também é o que mais faz investimentos. O relatório aponta que 11,1% da receita corrente líquida (RCL) cearense são investidos. 

Ciro GomesNELSON ALMEIDA/AFP

O próprio documento da Firjan afirma que “em um momento de forte retração da atividade, o baixo nível de Investimentos é um desafio para a recuperação da economia e consequentemente da própria arrecadação de tributos”. Ou seja, mais investimentos governamental são sinônimo de uma recuperação mais rápida da economia.

E os investimentos podem ser vistos na prática pelos cearenses. “Aqui, o governo do estado paga em dia o funcionalismo e tem dado aumento salarial todos os anos. Este ano deu 2%. Em plena crise, Fortaleza é um canteiro de obras públicas”, conta Abu-El-Haj. Embora reconheça que há alguns erros cometidos pela administração pública, na comparação com outros estados o Ceará sai ganhando.

Os erros

Se a candidatura de Ciro Gomes não conseguiu chegar ao segundo turno das eleições presidenciais, para Abu-El-Haj ainda assim seu terceiro lugar na disputa não pode ser visto como “pouco”. “Um candidato sem estrutura partidária grande conseguiu ser o terceiro colocado. Ele teve mais votos que o [Geraldo] Alckmin (PSDB). O erro do Ciro é que ele sempre esteve em partidos pequenos. Isso limita a capacidade política de crescer.”

Sobre seu mandato como governador, a crítica é mais voltada ao fim do governo. “Eu acho que foi um erro não ter terminado o mandato dele como governador.” Em setembro de 1994, Ciro deixou o governo estadual para assumir o Ministério da Fazenda, no fim do governo de Itamar Franco. Ele voltou à Esplanada dos Ministérios no primeiro governo do ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva (PT) como ministro da Integração Nacional. Ficou no cargo entre 2003 e 2006.

Apoio crítico

Naquela mesma entrevista após o final do primeiro turno das eleições para presidente, Ciro Gomes foi questionado sobre quem apoiaria no segundo turno. Sem citar o nome dos candidatos que ficaram em primeiro e segundo lugar, o pedetista disse apenas que “ele não, com certeza”. 

A frase faz alusão à campanha #elenão, liderada por mulheres contra a candidatura de Bolsonaro. Parte de seus eleitores e também dos apoiadores de Fernando Haddad esperava, então, que Ciro declarasse apoio ao petista e se aproximasse muito dele no restante da campanha ao Planalto. Não foi o que aconteceu.

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Poucos dias mais tarde, o PDT divulgou uma nota em que anunciava “apoio crítico à candidatura de Fernando Haddad para evitar a vitória das forças mais reacionárias e atrasadas do Brasil e a derrocada da democracia”. De Ciro, apenas silêncio. Notícias de bastidores davam conta de que ele havia saído do Brasil logo depois da primeira rodada das eleições.

Mas, desde a última quinta-feira (11), o cearense usou sua conta no Twitter para se posicionar de forma mais direta. Naquele dia, postou uma imagem sua em campanha com a frase “democracia sim”. A expressão foi usada por ele novamente no último sábado (13). Era parte da legenda “Bolsonaro é a promessa certa de uma crise”, publicada junto a um vídeo em que, em entrevista, Ciro diz que o candidato do PSL é “uma ameaça pelo extremismo. Ele é uma pessoa que não tem medida, que nunca administrou um boteco dos pequenos, para saber o constrangimento orçamentário. Como todo fascista, ele tem muita dificuldade de lidar com o antagonismo, com a crítica. Portanto, é a promessa certa de uma crise de rupturas. Sabe-se lá para que caminho vai”.

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