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| Foto: Nelson Jr./STF

Os rumos da Operação Lava Jato não devem mudar com a indicação de Raquel Dodge para chefiar a Procuradoria-Geral da República (PGR). Se for aprovada na sabatina do Senado, a escolhida pelo presidente Michel Temer para assumir o comando do Ministério Público Federal (MPF), a partir de setembro, deve seguir com os trabalhos do antecessor Rodrigo Janot. É o que pensam especialistas consultados pela Gazeta do Povo.

Raquel tem 30 anos de experiência no Ministério Público. É subprocuradora-geral da República e membro do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP). Ao indicar Raquel, reconhecida como uma rival de Janot dentro da corporação, Temer tenta fragilizar o poder do atual procurador-geral no fim de seu mandato, que se encerra em 17 de setembro. Mas todos concordam que ela tem uma carreira sólida no MPF, com destaque para a atuação de combate à corrupção, e, por isso, deve dar sequência às investigações da Lava Jato, sem prejudicar a operação.

Durante a campanha pela PGR, Raquel afirmou que pretendia ampliar o número de investigadores na Lava Jato e a estrutura disponibilizada para eles, caso fosse necessário.

O professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano, explica que Raquel estará sob “200 mil lentes” e que vai precisar tomar decisões “diplomáticas” para reduzir os ruídos por não pertencer ao grupo de Janot.

O que gera dúvida sobre eventual prejuízo da Lava Jato é o suposto apadrinhamento dela por membros do governo. Segundo o jornal O Globo, ela teve apoio de investigados na Lava Jato: o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Também era a preferida do ministro da Justiça, Torquato Jardim, e do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Para o professor da Unicamp, a forma como Raquel foi anunciada não foi adequada. Ele menciona o encontro de Temer com Gilmar Mendes na noite de terça-feira (27). Nos bastidores especula-se que a conversa serviu para que o magistrado do STF desse seu aval para escolha de Raquel.

“É muito complicado você aplaudir o que foi feito ontem. Isso trará muitas sobras sobre o começo do trabalho dela. Vai trazer a suspeita de ter sido indicada de maneira política [e não técnica]”, opinou Romano. O professor pondera que não necessariamente ela tem culpa desse apadrinhamento, mas que a circunstância a coloca numa posição de observação da opinião pública.

Encontro

Na quarta-feira (28), logo após ser anunciada, Raquel esteve com o presidente Temer. Depois, ela se encontrou com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para esclarecer os ritos da sabatina a qual será submetida na Casa. Para o professor da Unicamp, essa “ritualística” deveria ser evitada porque vivemos um momento delicado de crise e denúncias graves. “Ela pode visitar quem quiser após a posse, mas no calor da decisão é complicado.”

Raquel era a segunda colocada na lista tríplice que foi elaborada com base em eleição interna do Ministério Público Federal. O candidato mais votado entre os pares foi Nicolao Dino, que defendeu a cassação da chapa Dilma-Temer no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral e é mais alinhado a Janot. Mesmo antes da nomeação de Temer, já se sabia que Dino teria menos chances de ser o escolhido do presidente.

Para Rafael Cortez, consultor político da Tendências, o fato de o peemedebista não escolher o mais votado indica que a tensão entre Temer e o MP deve continuar.

David Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília (UnB), afirmou que Raquel não deve impedir o andamento das investigações, mas que será mais comedida. “Eu não vejo mudança, vejo menos estilo contundente como o de Janot, com menos manchete [nos jornais]”, opinou.

Impacto entre procuradores

O presidente da Associação Nacional de Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, admite que Dino teria mais respaldo da categoria, pois recebeu mais votos. “Em hora nenhuma nós falamos que a ordem era desimportante, se fosse desimportante eu entregava uma lista alfabética. Não é tanto faz. Existe uma preferência, tanto que apresentamos o ofício indicando o primeiro, o segundo e o terceiro colocado”, declarou Robalinho. “Mas cabe ao presidente escolher”, ponderou.

Embora tenha sido a segunda na lista, é inegável que ela alcançou uma votação expressiva. Raquel conquistou apenas 34 votos a menos que o primeiro colocado, Nicolao Dino, que obteve 621 votos. Os 587 votos que ela recebeu indicam, em certa medida, algum respaldo da categoria.

“Ela vai atuar com o mesmo rigor [que seu antecessor]. A colega tem histórico de liderança, tem qualificação técnica e obteve uma votação massiva na consulta da corporação”, declarou o procurador Bruno Calabrich, que já atuou na Lava Jato ao lado de Janot.

O apoio dos colegas é um ponto importante, pois pode interferir na forma como Raquel irá liderar ou não os trabalhos no MPF.

Cortez explicou que, como ela não foi primeira escolha de seus pares, isso pode gerar tensão na corporação porque ela já chegaria ao posto com um rótulo de ser a preferida do governo, em detrimento da escolha da classe. “Por ser a segunda colocada, ela pode ser considerada uma dissidente, uma representante de uma fratura da corporação, da oposição. A força do MPF está na sua corporação”, disse Romano.

Temer justificou sua escolha defendendo que foi responsável pela nomeação da primeira procuradora-geral da República. Ele tentou assim amenizar o desgaste de romper com a tradição de escolher o nome mais votado. Para Cortez, essa iniciativa não terá efeito prático. Isto porque o governo do peemedebista praticamente não inclui mulheres no seu quadro e isso não irá convencer a opinião pública de que tenha ocorrido uma mudança de postura. O índice de rejeição de Temer na população é maior na parcela feminina.

Polêmica sobre forças-tarefas

Em abril, Raquel apresentou um projeto de resolução no conselho da categoria que, se aprovado, limitaria a cessão de procuradores das unidades estaduais a operações em andamento.

Com o argumento de que era preciso preservar o funcionamento das unidades do MPF, ela propôs que cada unidade do Ministério Público só poderia ceder 10% dos membros. À ocasião, Janot criticou a iniciativa e declarou que a medida afetaria a Lava Jato. Antes que fosse aprovada, ficou definido que a proposta só afetaria as novas operações, o que preservaria a Lava Jato. A análise da norma não foi concluída pelos conselheiros do MPF.

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