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O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e o chanceler  brasileiro, Ernesto Araújo: primeiro resultado da aproximação entre os dois países é a pressão sobre Maduro. | Marcelo Camargo/Agência Brasil
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo: primeiro resultado da aproximação entre os dois países é a pressão sobre Maduro.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Enaltecidos pelo presidente Jair Bolsonaro, por aliados e pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, os Estados Unidos ganharam pela primeira vez um departamento próprio na estrutura do Itamaraty. Para o ministério, a medida encontra respaldo nas afinidades com o governo americano e na agenda positiva que pretende estabelecer com a maior economia do mundo. Mas críticos da atual gestão veem com preocupação o que consideram um alinhamento com Trump em uma conjuntura interna desfavorável ao presidente americano. Para eles, o Mercosul continua a ser o principal desafio para a pauta comercial brasileira. 

A nova estrutura do Itamaraty foi definida pelo Decreto 9.683, publicado em 9 de janeiro. A América do Sul, que tinha dois departamentos, passou a ter apenas um. Os antigos departamentos de Mercosul e Integração Regional, que cuidava da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), foram fundidos em um só. O Canadá saiu do departamento que dividia com os Estados Unidos e passou para o setor que trata do México, América do Sul e Caribe. Além dos Estados Unidos, o único país que ganhou um departamento próprio foi a China. 

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O chanceler Ernesto Araújo esteve nos Estados Unidos, onde se reuniu na terça-feira (5) com o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, e com o assessor de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton. A visita faz parte dos preparativos da viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos, que deve ocorrer em março. O ministro também discute saídas para a crise na Venezuela (leia mais abaixo) e cumpre ainda agenda com think tanks, autoridades e investidores americanos como parte do esforço de aproximação com os Estados Unidos que o Itamaraty está desenhando.

Pauta com EUA inclui comércio, investimentos e visto de turistas

De acordo com um diplomata de alto escalão ouvido reservadamente pela reportagem, a decisão pela criação de um departamento próprio para os Estados Unidos se explica pela riqueza de relações que os países já mantêm e pelo potencial que a nova gestão identifica. “Há um momento propício para dar um salto de qualidade nas relações entre Brasil e Estados Unidos”, disse à Gazeta do Povo. “A ideia é utilizar essas afinidades como alavanca para uma relação que vai muito além do governo, atendendo a interesses da sociedade, do setor privado e da academia”, afirma.

A prioridade da gestão será superar entraves ao incremento do comércio, oportunidades de negócios, convergência regulatória, investimentos, integração produtiva e intercâmbio na área tecnológica. Uma das primeiras medidas será retomar a negociação do ingresso do Brasil no programa Global Entry, que facilita a entrada de viajantes frequentes nos Estados Unidos. A medida é vista como benéfica para executivos de empresas. Argentina e Colômbia já fazem parte do programa. O ministério tem ainda como prioridade a intenção de isentar cidadãos americanos de visto para entrada no país, mas entraves burocráticos precisam ser vencidos.

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Base de Alcântara e desburocratização da circulação de produtos são prioridades

Outra prioridade, mais abrangente, é a assinatura do Acordo de Reconhecimento Mútuo (ARM) de Operadores Econômicos Autorizados (OEA) com os Estados Unidos. ARMs são acordos bilaterais entre as aduanas de países que tenham programas de OEA compatíveis, isto é, que cumpram critérios técnicos e de segurança reconhecidos pelos parceiros. 

Os acordos facilitam a entrada de mercadorias das empresas credenciadas nos países e reduzem custos de transação. O Brasil tem acordos firmados com Uruguai e Peru e mais quatro em negociação: com China, Estados Unidos, Argentina e Bolívia. Já os Estados Unidos têm 11 ARMs concluídos e seis em negociação. 

O interesse se explica porque o país é o segundo maior destino das exportações brasileiras e responde por 75% das compras de produtos industrializados do Brasil. As negociações do acordo avançaram durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), mas o Itamaraty avalia que os Estados Unidos pisaram no freio no último ano devido às incertezas políticas no Brasil.

Outra área que está madura, na avaliação do ministério, é o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), que protege tecnologias e patentes dos países signatários contra cópia ou uso não autorizado. O acordo é necessário para que a Base de Alcântara, no Maranhão, possa se transformar em um centro competitivo para o lançamento de foguetes de outros países e da iniciativa privada. Como os Estados Unidos têm forte presença no mercado tecnológico espacial, o AST é necessário para viabilizar esses lançamentos. A avaliação do Itamaraty é que o acordo pode ser fechado em seis meses.

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Cooperação militar vai entrar na agenda, além de pequenas e médias empresas

A cooperação entre Brasil e Estados Unidos é feita por mais de 30 mecanismos bilaterais estratégicos. O Itamaraty pretende reativar com prioridade alguns desses mecanismos para viabilizar a agenda econômica. Entre os primeiros a ganhar atenção, estão o Fórum de Altos Executivos, formado por 24 CEOs de ambos os países, e o Diálogo Estratégico de Energia, com foco no mercado de óleos e biocombustíveis e na instalação de pequenas e médias empresas americanas no mercado de fornecimento brasileiro. 

Terão prioridade também o Diálogo Estratégico Político-Militar, com maior envolvimento dos governos na orientação às empresas privadas de segurança e defesa, e o Acordo sobre Comércio e Cooperação Econômica (Atec, na sigla em inglês), instância prioritária para a busca de um acordo comercial e de investimentos. Os Estados Unidos são, de acordo com os últimos dados disponível do Banco Central, o país que detém a maior parcela de estoques de investimentos no Brasil. 

Diplomatas avaliam que o novo acordo comercial entre Estados Unidos, México e Canadá pode facilitar a negociação em questões que travavam as negociações com o Brasil. Um exemplo é o progressivo abandono da cláusula que permitia aos Estados acionar investidores perante órgãos internacionais de solução de controvérsias, o que o Brasil não aceitava. Para um diplomata crítico da atual gestão, porém, um acordo comercial com os Estados Unidos que derrube tarifas não deve sair enquanto os países membros do Mercosul não se coordenarem melhor nas negociações.

O Itamaraty avalia ainda criar um guarda-chuva, que seria coordenado pelo chanceler brasileiro e pelo secretário de Estado, para monitorar todas as iniciativas, acordos e projetos considerados prioritários e que mereçam ser levados à atenção de Bolsonaro. A ideia é melhorar a coordenação e a eficiência dos projetos considerados estratégicos pelo ministério.

Pressão sobre Maduro é primeiro resultado da parceria

A mudança estrutural no Itamaraty acompanha uma maior troca de informação política entre Brasil e Estados Unidos, que tem sido fundamental para criar condições para solucionar a crise venezuelana. A visita ao Brasil do assessor de segurança da Casa Branca, John Bolton, ainda no final do ano passado, e a vinda do secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, à posse do presidente Jair Bolsonaro auxiliaram na costura de um acordo que culminou no reconhecimento do presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Juan Guaidó, como presidente interino do país, em 23 de janeiro.

No início de janeiro, o Grupo de Lima, agremiação de 13 países latino-americanos e do Canadá que defende uma solução pacífica para a Venezuela, já havia decidido, por sugestão brasileira, não reconhecer a legitimidade da última eleição de Nicolás Maduro, em 2018. Na segunda-feira (4), no Canadá, em nova reunião do grupo, os países membros pediram que os militares venezuelanos também reconheçam Guaidó como presidente do país. Na esteira da reunião, 19 países europeus reconheceram Guaidó como presidente interino.

Três pontos, porém, permanecem obscuros. Um deles é a possível criação de um corredor para a chegada de ajuda humanitária à Venezuela, intenção que consta da declaração do Grupo de Lima. O Canadá anunciou um pacato de US$ 40 milhões, cerca de R$ 148 milhões, em ajuda humanitária para o país. Guaidó declarou ter um plano de entrada da ajuda pela Colômbia. Mas não há clareza sobre a rota ou sobre a reação das Forças Armadas venezuelanas.

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Outro ponto é que países europeus defendem um esforço de mediação como saída para a crise, o que é rejeitado por Brasil e Estados Unidos. Em mais de uma ocasião, o chanceler Ernesto Araújo se opôs à estratégia de mediação por considerá-la apenas um meio de a ditadura de Nicolás Maduro ganhar tempo e por não ver possibilidade de mediação quando uma das partes é completamente ilegítima. 

A posição se reflete em um dos pontos da última declaração do Grupo de Lima, que observa que “as iniciativas de diálogo proporcionadas por diversos atores internacionais foram manipuladas pelo regime de Maduro, que as transformou em manobras protelatórias para se perpetuar no poder e, portanto, consideram que toda iniciativa política ou diplomática que venha a ocorrer deve ter por objetivo apoiar o mapa do caminho constitucional apresentado pela Assembleia Nacional e pelo Presidente Encarregado, Juan Guaidó”.

Solução para a crise na Venezuela daria ‘alívio’ para Ernesto Araújo

Uma saída pacífica para crise no país vizinho será vista como uma vitória importante para Araújo. Críticos do chanceler costumam apontar que sua agenda é retórica e ideológica e que seus elogios passados ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foram excessivos. Também preocupa os críticos que os democratas tenham recuperado o comando da Câmara no país, prejudicando a situação de Trump, que pode virar alvo de um processo de impeachment. 

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Uma vitória para Araújo também seria um respiro nos círculos militares. O vice-presidente, general Hamilton Mourão, chegou a questionar, em entrevista à revista Época, se o ministro teria uma diretriz de política externa para o Brasil. O filósofo Olavo de Carvalho, quem primeiro ventilou o nome de Araújo para o Itamaraty nas redes sociais, intensificou suas críticas ao vice-presidente, acusando-o de conspirar contra o presidente Bolsonaro.

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