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 | Brunno Covello/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Brunno Covello/Arquivo Gazeta do Povo

Nas eleições de 2016, a vendedora Franciny Bittencourt, 26 anos, concorreu pela primeira vez a uma vaga à Câmara de Vereadores de Joinville, cidade mais populosa de Santa Catarina. Já na largada, a vontade de se envolver com atividades políticas onde mora foi frustrada. Sem apoio da estrutura partidária durante a campanha e incentivo para que realmente buscasse uma vitória nas urnas, ela conta que se viu desprestigiada por ser mulher, jovem e estreante na corrida eleitoral.

“Não tive nenhuma ajuda do partido para arcar com as despesas, com gasolina para conseguir percorrer mais localidades para divulgar o meu nome. Recebi ajuda com santinho e material de campanha igual para todos os candidatos. Mas não tive apoio do partido nem no meu bairro. Pela decepção com o partido e a política, não tenho mais vontade de me candidatar. É uma pena que as pessoas que querem fazer diferente não tenham poder para isso”, relata a vendedora à Gazeta do Povo.

Ela disputou pelo PSD e recebeu 248 votos. Assim como Franciny, inúmeras outras mulheres já sentiram na pele as resistências no ambiente político predominantemente dominado pela figura masculina. Mas ainda que os partidos não ofereçam apoio e suporte igualitário entre candidatos homens e mulheres, são obrigados a cumprir a Lei de Cotas, que determina o ajuste da quantidade de candidaturas femininas e masculinas aos percentuais de no mínimo 30% e no máximo 70%.

Por conta da legislação, quando o período eleitoral se aproxima, é comum presenciar o esforço de lideranças partidárias na investida de campanhas para atrair mulheres dispostas a se candidatar. O Partido Novo, por exemplo, fez recentemente um apelo público nas redes sociais para chamar mulheres a se candidatarem nas eleições ao mesmo tempo em que avisa que se a legenda não atingir o percentual previsto em lei, a sigla ficará fora da disputa.

O presidente do partido Novo no Paraná, Ubiratan Guimarães, diz que “independentemente da questão das cotas, é de fundamental importância o engajamento e a participação das mulheres na política”. Ele explica que as interessadas participarão de um concurso a ser aplicado pela legenda.

Uma pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, organização social sem fins lucrativos voltada à comunicação e aos direitos das mulheres, em 2014, revelou que partidos convidam mulheres com um ou dois meses de antecedência das campanhas políticas, mostrando o baixo interesse em formar disputantes com chance real de vitória. Presidente do PT nacional, a senadora Gleisi Hoffmann afirma que essa prática demonstra a falta de preocupação dos partidos com as questões de gênero. “Elas servem apenas para cumprir tabela. Muitas, inclusive, nem são candidatas para valer, o que nós chamamos de ‘laranjas’”, critica.

Nas eleições de 2016, em todo país, 14.417 mulheres registradas como candidatas terminaram a eleição com votação zerada. O número elevado dessas ocorrências indica que há um movimento de candidaturas fictícias para que o partido lance nomes apenas para preencher a cota obrigatória de 30%, sem investir na campanha das mulheres, aponta o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para a presidente do Partido da Mulher Brasileira Suêd Haidar, uma forma de combater as chamadas candidatas “laranjas” é “não aceitar candidaturas sem campanha”. “Na política, as estruturas dos grandes grupos vai perpetuando famílias no poder e essas famílias conduzem a transição do poder no Brasil, que vai de pai para filho”, avalia.

Na leitura da senadora Marta Suplicy (PMDB), o ingresso das mulheres na política está crescendo mais rapidamente. Porém, ao mesmo tempo, a opção pela carreira política traz outra dificuldade para as mulheres. “Vir para o Legislativo, atuando em Brasília, por exemplo, sempre foi compreendido como a mulher que deixa a casa no seu Estado. Para as mulheres casadas, isso já foi bem mais difícil: significando deixar os filhos para outros cuidarem, deixar de estar com o marido”.

Ineficácia para eleger

Para a professora de Ciência Política da Universidade Estadual de Maringá, Carla Almeida, a Lei de Cotas provocou um aumento do número de candidaturas de mulheres, mas tem sido ineficaz para concretizar a eleição de mulheres. “A legislação foi aprimorada, veio acompanhada de punições mais explícitas aos partidos quanto a exigências de investimentos na formação política de mulheres por parte das agremiações partidárias. Esses elementos possibilitam a agente vislumbrar a partir de agora uma maior eficácia na legislação das cotas”, argumenta.

Em 2014, na disputa para a Presidência da República, foram três candidatas, contra duas em 2010. Dezenove mulheres se registraram para concorrer aos governos estaduais e do Distrito Federal, enquanto em 2010 foram 16. Para uma vaga no Senado Federal, mesmo com um terço (27) das cadeiras em disputa, 34 candidatas participaram, contra 29 na eleição anterior, quando estavam em jogo dois terços (54) das vagas no Senado, que tem 81 parlamentares.

Os maiores aumentos se deram para as candidaturas aos cargos proporcionais, especialmente para a Câmara dos Deputados. Nas eleições de 2014, o número de candidatas aptas que disputaram o cargo deu um salto bastante expressivo, chegando a 1.765, contra 935 em 2010.

Na eleição para as assembleias legislativas, o aumento na participação feminina foi de 70% (4.172 candidatas em 2014 e 2.447 no pleito anterior). E ao cargo de deputado distrital, concorreram 287 mulheres contra 205 em 2010, representando um acréscimo de 40%, segundo dados do TSE.

No entanto, a realidade das ocupações dos cargos eletivos está bem distante dos números de candidatas. Dos 513 deputados federais eleitos em 2014, somente 51 foram mulheres. Embora tenha significado um aumento de 13,33% na bancada feminina na Câmara, em relação às 45 mulheres eleitas em 2010 para o cargo, a presença feminina chega perto de representar apenas 10% do total de eleitos. Cinco mulheres foram eleitas senadoras, contra sete candidatas em 2010.

Para Marta, a lei de cotas para candidaturas visa romper barreiras. “Sabemos que 10% de representação, quando somos 52% da população, não é o resultado que almejávamos ao criar a primeira cota com foco nas legendas dos partidos, em meados dos anos 1990”, diz.

Para a professora Carla, o interesse por política deve ser socialmente construído. “É fundamental também construir as condições para que as mulheres passem a ver a política como um espaço que é possível de ser criado por elas. Além da cota, partidos devem investir recursos em propaganda e formação de mulheres”, afirma.

Cotas para o Parlamento dividem opiniões

A PEC 134/2015 estabelece que a cota mínima aumentará de forma gradativa: o percentual de 10% das cadeiras na primeira legislatura, 12% na segunda legislatura e 16% na terceira legislatura. Ela já passou pelo Senado e aguarda, desde o ano passado, votação pela Câmara em plenário.

Marta Suplicy vê na lei que reserva cadeiras para mulheres nos legislativos uma força que levará os partidos a fazerem mais investimentos em promoção de mulheres na política. “Serão de fato candidaturas mais competitivas. Os partidos vão buscar bons quadros entre mulheres”, diz.

O cientista político Carlos Eduardo Bellini Borenstein, da Arko Advice, de Brasília, afirma que o incentivo à participação das mulheres no processo político é mais importante do que a reserva de vagas para as mulheres no Legislativo. “Com o aumento da participação feminina na política, mais mulheres tendem a se eleger para cargos públicos, ganhando visibilidade. Com isso, naturalmente o interesse das mulheres pela política tende a crescer”, avalia.

André Strauss, da Executiva Nacional do partido Novo no Rio de Janeiro, discorda da visão da senadora. Para ele, a PEC 134/2015 “não busca melhorar o nível dos representantes políticos”. “Não é através de reservas de vagas no Legislativo para determinada parcela da população que irá melhorar o nível técnico, moral e ético dos nossos futuros representantes em 2018. Preferimos investir nossos esforços na conscientização da sociedade sobre a importância da participação efetiva na vida política.”

No entanto, não haverá tempo para aprovação da PEC 134/2015 para a eleição de 2018, diz Marta. “Se não levarmos a proposta adiante, só alcançaremos 30% de representação feminina na Câmara dos Deputados e no Senado daqui a 100 anos”.

Voto em lista

Outro caminho visto com bons olhos para aumentar a participação feminina na política é o defendido pela ex-ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luciana Lóssio, de que o sistema eleitoral de listas poderá ajudar a aumentar a participação feminina no Congresso Nacional. O sistema incrementou a participação das mulheres no Parlamento em países como Argentina e México.

Para Borenstein, o sistema de lista fechada tende a ser controlado por quem detém o controle da máquina partidária. “Claro que caso o partido seja controlado por uma liderança que incentive a participação das mulheres na política, as candidaturas femininas podem aumentar. Porém, isso pode ocorrer no sistema de lista aberta”, diz.

Fundo partidário

A harmonização das porcentagens do fundo partidário também é um meio que pode contribuir para a participação feminina. Segundo a ex-ministra do TSE, a lei falha ao prever 30% de candidaturas femininas e apenas 5% do fundo partidário destinados a elas. Uma ação direta de inconstitucionalidade que está sendo analisada no Supremo Tribunal Federal pede a revisão desses percentuais.

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