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Fotomontagem com a estátua da Justiça  na frente do STF: ministros do Supremo vêm tomando decisões completamente opostas  em questão de poucos anos. | Nelson Jr./STF
Fotomontagem com a estátua da Justiça na frente do STF: ministros do Supremo vêm tomando decisões completamente opostas em questão de poucos anos.| Foto: Nelson Jr./STF

O julgamento desta quarta-feira (4) do habeas corpus do ex-presidente Lula (PT) ameaça levar o Supremo Tribunal Federal (STF) a rever o próprio entendimento de que condenados em segunda instância judicial já podem ser presos. Se fizer isso, será a quinta vez que o STF analisará esse assunto desde a redemocratização; e a quarta mudança de entendimento da Corte sobre um mesmo tema desde então.

O vaivém de decisões do Supremo, porém, não é exclusividade desse caso. Ocorreu em várias ocasiões nos últimos tempos – especialmente em julgamentos que envolvem a participação de políticos em crimes de corrupção.

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A instabilidade do STF, nessas situações, revela uma forte divisão dentro do próprio tribunal. De um lado, ministros “garantistas”, que procuram interpretar a Constituição de modo mais favorável ao acusado. Do outro, os “ativistas anticorrupção”, que buscam preencher as lacunas legais com entendimentos mais duros em relação aos réus.

As constantes mudanças de posição do STF, que não se resumem a casos de corrupção, revelam ainda como o Supremo cede a pressões políticas. E elas têm como efeito a criação de insegurança jurídica – justamente o contrário do que o tribunal deveria fazer.

No entanto, há ainda casos em que a mudança de entendimento ocorreu num espaço de tempo bem maior, o que pode refletir uma modificação da visão da própria sociedade sobre determinados assuntos.

Veja oito casos em que o STF mudou de posição – num deles, de um dia para o outro:

1) Prisão em 2.ª instância? Pode. Não pode. Peraí, agora pode de novo. Eu disse que pode. Mas enfim, estou em dúvida: pode ou não pode?

Desde que o país ganhou a atual Constituição, em 1988, a primeira vez em que o Supremo julgou qual deve ser o momento em que a pena criminal pode ser executada foi em 1991. Na ocasião, o STF decidiu que a prisão poderia ser decretada sem o trânsito em julgado – ou seja, sem que todos os recursos judiciais estivessem esgotados. Na prática, após 1991, já havia prisões após condenações em primeira ou segunda instância.

O assunto voltou a ser analisado em 2009, no julgamento de um habeas corpus específico. Os ministros da Corte mudaram a jurisprudência. Entenderam que a pena só poderia começar a ser cumprida com o trânsito em julgado. Na prática, isso significava prisão apenas para condenados em terceira ou quarta instância judicial: respectivamente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF (neste caso, quando há algum questionamento de inconstitucionalidade no processo).

O tema retornou novamente ao plenário do STF em fevereiro de 2016, na análise de outro habeas corpus específico – no caso, de um condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que é uma corte de segunda instância. E o Supremo, sete anos depois, mudou de entendimento, autorizando o início da execução da pena com condenação por juízo de segundo grau.

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A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o PEN (partido que hoje se chama Patriota) então ingressaram com duas ações diretas de inconstitucionalidade questionando a decisão e pedindo uma liminar para suspender seus efeitos. Meses depois, em outubro de 2016, o plenário do STF se reuniu e decidiu manter as prisões em segunda instância. E negou as liminares.

Como o mérito do caso não foi analisado, tudo pode mudar novamente. E há pressão para que o assunto seja recolocado em pauta. O ministro Gilmar Mendes disse explicitamente, na segunda-feira (2), que o caso de Lula permitirá reavaliar todas as prisões em segunda instância. Pelo menos dois outros ministros – Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello – deram sinais de que querem discutir os dois assuntos (Lula e prisões em segunda instância) ao mesmo tempo.

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2) Dois pesos e duas medidas: o afastamento de Eduardo Cunha e Aécio Neves

Dois figurões da política nacional – o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG) – sentiram o peso da caneta dos ministros do STF de modo muito diferente, num caso muito semelhante, num intervalo de apenas um ano.

O Supremo determinou o afastamento de ambos de seus mandatos parlamentares por suspeita de participação no esquema de corrupção investigado pela Lava Jato: Cunha em 2016 e Aécio em 2017. Mas, no caso do peemedebista, os ministros entenderam que o afastamento tinha de ser imediato e não precisava do aval da Câmara para ser concretizado. No caso de Aécio, os ministros decidiram que o Senado teria de referendar o afastamento determinado pela Corte para começar a valer – o que, aliás, está previsto na Constituição.

O resultado: Cunha não voltou mais para a Câmara. Já Aécio acabou retornando ao Senado porque seus colegas não permitiram o afastamento determinado pelo STF.

Curiosamente, a decisão do Supremo que aliviou a situação do tucano não se referia a ele – mas sim a Cunha. Era uma resposta à ação de três partidos (PP, SD e PSC) que questionavam, baseado no caso do peemedebista, se a palavra final do afastamento de parlamentares era do Judiciário ou do Legislativo.

Quando julgou a ação, Cunha já havia sido cassado pela Câmara e não tinha mais como voltar ao Congresso. Mas Aécio acabou se beneficiando. O julgamento da ação dos três partidos, aliás, foi pautado por causa do tucano. O STF cedeu à pressão do Senado – que havia sido muito mais forte do que a da Câmara no caso de Cunha.

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3) Parlamentar condenado perde mandato automaticamente? Ou o Legislativo tem de referendar? Resposta: depende de quando o STF decide

Durante o julgamento do mensalão, em 2012, o Supremo firmou o entendimento de que parlamentares com condenação criminal em última instância perdiam o mandato automaticamente.

Isso mudou em 2013 no julgamento do senador Ivo Cassol (PP), de Rondônia. O Supremo condenou Cassol por fraude a licitações quando foi prefeito da cidade de Rolim de Moura (RO), entre 1998 e 2002. Mas decidiu deixar para o Legislativo a decisão sobre a perda do mandato parlamentar. Cassol entrou com recurso no STF. No fim do ano passado, conseguiu reduzir a pena, mas continuou condenado. E segue ocupando uma cadeira de senador até hoje.

Foi essa decisão que permitiu, por exemplo, que a Câmara convivesse com um deputado-presidiário no ano passado. Celso Jacob (PMDB-RJ) foi condenado pelo STF a prisão em regime semiaberto por falsificação de documento e dispensa de licitação. Como seus colegas não o cassaram, ele podia trabalhar na Câmara durante o dia e voltar para dormir na cadeia.

O entendimento que beneficiou Cassol e Jacob, porém, desagrada uma parte dos ministros do STF, que pretende mudá-lo. A 1.ª Turma do Supremo propôs uma alternativa: a perda de mandato automática ocorreria se a pena for de prisão em regime fechado; nos outros casos, caberia ao Senado ou à Câmara decidir.

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4) Rito das MPs: o inusitado caso em que o STF mudou de posição de um dia para o outro

Em 6 de março de 2012, o plenário do Supremo decidiu considerar inconstitucional a criação do Instituto Chico Mendes (que administra parques nacionais) por meio de uma medida provisória (MP) que não seguiu o rito previsto numa emenda da Constituição de 2001. Um dia depois, em 7 de março, o STF voltou atrás, anulou sua própria decisão do dia anterior e manteve a criação do instituto.

A mudança de entendimento tão rápida ocorreu porque o STF foi alertado (e pressionado pelo governo da então presidente Dilma Rousseff) de que 460 leis federais aprovadas nos 11 anos anteriores corriam risco de terem de ser anuladas porque também nasceram como MPs que não haviam seguido o rito constitucional. A oposição inclusive havia anunciado que iria ingressar com ações para anular a criação de todas as entidades estatais criadas por medidas provisórias nos governos do PT.

Sem nenhuma cerimônia, os ministros do Supremo então estabeleceram no novo julgamento que só as novas MPs deveriam seguir a tramitação prevista na Constituição havia 11 anos. A emenda constitucional determina que medidas provisórias têm de obrigatoriamente serem votadas por uma comissão especial mista formada por deputados federais e senadores, antes de ser submetida à votação pelos plenários da Câmara e do Senado. Era isso que não vinha sendo feito pelos parlamentares – embora eles mesmos tenham decidido em 2001 que deveriam seguir esse rito.

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5) Infidelidade partidária: primeiro, o Supremo deu aval à “pulada de cerca”. Depois, voltou atrás

A questão da infidelidade partidária é um caso em que o STF mudou de entendimento num prazo mais longo. O primeiro julgamento sobre o assunto ocorreu em 1989. O segundo, em que houve mudança de posição, em 2007.

Na primeira vez, o Supremo analisou dois mandados de segurança. À época, os ministros entenderam que parlamentares que traíram seus partidos, mudando de sigla, não deveriam perder o mandato porque a Constituição de 1988 não estabelecia isso de modo explícito.

Em 2007, contudo, o STF entendeu que o mandato pertence ao partido e não ao político em si. E, desse modo, a mudança de legenda implicaria na perda do mandato.

Dos 11 ministros do Supremo, apenas um participou dos dois julgamentos: Celso de Mello – que foi voto vencido em 1989, mas conseguiu emplacar seu entendimento em 2007.

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6) Dois acidentes de trânsito com desfechos completamente opostos

Uma batida de trânsito entre um ônibus do transporte coletivo e um carro particular foi parar no STF, num julgamento de 2004. A empresa concessionária do serviço argumentava que tinha responsabilidade apenas sobre danos causados aos passageiros que transportava – e não em relação ao motorista do veículo atingido. O entendimento do STF foi de que o serviço que ela prestava era o de transportar os passageiros – e essa era sua responsabilidade prevista no contrato. Ou seja, não tinha nada a ver com pessoas que não era usuárias de ônibus.

A decisão implicou que, se alguma pessoa que não estivesse no ônibus viesse a sofrer algum dano causado por ele, teria de processar o Estado (e não a concessionária) para repará-lo.

Tudo mudou em 2009, num novo julgamento envolvendo outro acidente de trânsito – nesse caso, entre um ônibus do transporte coletivo e um ciclista, que morreu. Dessa vez, o plenário do Supremo entendeu que a Constituição prevê que a empresa concessionária do serviço público tem responsabilidade por danos causados a pessoas não usuárias do sistema.

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7) Crime de escravidão já foi da Justiça Estadual. Agora é da Federal

O Supremo analisou em 1979 o caso de um trabalhador que recebia de seu empregador uma remuneração abaixo do valor do salário mínimo – que, naquele caso, havia sido enquadrado como condição análoga à escravidão. A questão que chegou ao Supremo, contudo, não era do mérito em si do caso, mas da competência para julgá-lo: da Justiça Estadual ou Federal.

Até então, o STF vinha entendendo que casos como esse constituíam “crime contra a organização do trabalho” – tipificado no Código Penal e que tinham competência federal. Mas, naquele julgamento, o Supremo disse que casos particulares não poderiam ser enquadrados como “organização do trabalho”, categoria que só seria válida para instituições com responsabilidade de preservar, coletivamente, os direitos dos trabalhadores. O processo em questão acabou sendo remetido à Justiça Estadual.

Em 2006, o Supremo voltou a apreciar uma ação semelhante, de um grupo de trabalhadores submetidos a situação análoga à escravidão, que discutiam novamente a competência judicial desse tipo de crime. Dessa vez, contudo, os ministros entenderam que casos particulares de crimes contra trabalhadores são da Justiça Federal. O entendimento era de que a Constituição assegura a dignidade humana – e que, portanto, o caso é da esfera federal.

Durante o julgamento, ministros deixaram claro que a mudança de entendimento do STF significaria uma tomada de posição em relação ao combate do trabalho escravo no país – o que revela um ativismo judicial.

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8) Supremo já entendeu que ampla defesa valia só na primeira instância. Depois, mudou tudo

O Supremo entendeu, num julgamento de 1995, que uma instituição pública (o INSS, no caso em particular) poderia exigir o depósito do valor das multas que aplica para que a pessoa ou empresa multada pudesse recorrer à segunda instância judicial quando perde a causa na primeira.

A ação, protocolada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, argumentava que o depósito prévio feria o direito à ampla defesa. O STF decidiu na ocasião que o direito à defesa continuava assegurado, pois na primeira instância ele havia sido garantido plenamente.

Mas em 2009, os ministros do STF mudaram de posição num caso similar, em que uma empresa questionava a obrigação prévia de depositar multa do Ministério do Trabalho para poder recorrer à segunda instância. Desta vez, o entendimento passou a ser que o depósito era inconstitucional justamente por atrapalhar o direito de ampla defesa.

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