• Carregando...
 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG) teve uma epifania. Assim como visionários de poucas décadas atrás previam carros voadores já neste começo de século, o parlamentar decretou a morte do dinheiro em espécie e condensou seu desejo em forma de projeto de lei. O PL 48/2015 estabelece já em seu primeiro artigo o fim da produção e circulação destes pequenos e valiosos pedaços de papel (ou metal) com cores vibrantes e animais símbolos de nossa fauna.

Pagamentos, só por meio digital – cartões ou aplicativos, por exemplo. Faz sentido, do ponto de vista prático. “Mais comuns a cada dia, transações feitas digitalmente (seja em sites de banco, máquinas de cartão de débito/crédito, celulares) poderão, daqui a alguns anos, fazer com que cédulas de moedas caiam no esquecimento, sem falar que terroristas, sonegadores, lavadores de dinheiro, cartéis de drogas, assaltantes, corruptos estariam na mira fácil do controle financeiro”, justificou ele em seu texto.

Lopes segue: “como toda transação financeira poderá ser rastreada ficarão quase impossíveis as práticas destes crimes, pois toda transação seria oficializada através de transações bancárias e as despesas pessoais através do cartão de crédito ou débito. Para a compra ambulante, doações, compras de passagens e tudo mais, bastaria haver caixas eletrônicos, maquinas de cartões, telefones celulares e outros dispositivos que possam ser criados para realizar as operação de uma conta para outra”.

Seria um grande negócio para a burocracia também. “Diminuiríamos todos os controles de fiscalizações. Poderia os tributos federais, estaduais e municipais serem calculados através dessa movimentação. A sonegação iria ser eliminada e haveria uma possibilidade maior do controle fiscal, condição necessária para uma boa reforma fiscal e tributária”, definiu.

Claro, ele não está só. O fim do dinheiro impresso é alardeado como uma tendência mundial, com políticos e pensadores fazendo suas apostas. Mas, assim como se você olhar pela janela não vai ver carros voadores, o dinheiro de papel e metal está longe de morrer. Este defunto, aliás, está cada vez mais vivo.

Impressão de dinheiro segue em alta

Um estudo divulgado em novembro pelo Federal Reserve Bank de San Francisco, nos Estados Unidos, apontou que embora o mundo queira visualizar um futuro sem cash, a impressão de dinheiro, na verdade, segue em alta.

A instituição analisou dados dos bancos centrais de 42 economias, que juntas respondem por 75% do PIB mundial, e concluiu que a produção de dinheiro vivo nos últimos 10 anos cresceu em 41 delas (já fazendo uma relação proporcional com o PIB de cada nação). Na Coreia do Sul, um país altamente tecnológico, por exemplo, foram fabricados 180% mais notas e moedas do que em 2006. A exceção é a Suécia, onde políticas de estado reduziram em mais de 60% a fabricação de valores.

“Existem muitas razões diferentes pelas quais o público pode guardar dinheiro vivo. Ele é amplamente aceito, fácil de usar e não requer uma conta bancária ou celular. As pessoas possuem dinheiro como uma reserva de valor. Pode ser conveniente e reconfortante ter acesso imediato ao dinheiro, especialmente em caso de emergência ou em situações de turbulência política ou econômica”, explica o relatório. “Além disso, outros fatores afetam a demanda por dinheiro, incluindo desastres naturais e instabilidade política”, diz John Williams, CEO do Federal Reserve Bank.

O Brasil seguiu essa toada. Em 2006 havia quase R$ 86 bilhões em cédulas e moedas, em 2016 foi para pouco mais de R$ 232 bilhões. Claro, o PIB do país duplicou: de R$ 82 trilhões para mais de R$ 167 trilhões. Ainda assim, colocando em termos relativos, o país produziu 10% mais dinheiro em espécie neste período. Os dados são do Banco Central do Brasil, que admitiu, via assessoria de imprensa, não ter políticas de incentivo ao dinheiro virtual.

“Tem a questão do anonimato, de o dinheiro não ser rastreado com tanta facilidade. Mas outros fatores são mais importantes no uso do cash. A falta de infraestrutura bancária e acesso a banco e meios tecnológicos de pagamento são preponderantes nos países mais pobres. Isso fica evidente quando vemos que as transações com dinheiro em espécie são de menor valor”, explica o consultor e economista Aloísio Silveira.

A falta de infraestrutura bancária é uma questão especialmente sensível por aqui. Um levantamento do BC, divulgado em 2015, apontou que existem quase 2 mil municípios sem agência bancária no país. Em mais de 300 deles não havia nem sequer caixa eletrônico ou posto de atendimento.

A Região Nordeste é a pior neste quesito. E mais. Segundo o Banco Mundial, pelo menos 32% dos brasileiros não têm conta bancária e ficariam à margem dos pagamentos eletrônicos – que necessariamente exigiriam esse “armazenamento virtual” do dinheiro.

Volume de transações sem dinheiro também cresceu

Claro, é uma situação que vem mudando em nível nacional e mundial. Mas bem mais lentamente do que futuristas entusiasmados previam. Por aqui, tem crescido o volume de negociações sem dinheiro em espécie, especialmente o pagamento por smartphone. De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o volume de negociações por esse meio em 2016 foi de R$ 21,9 bilhões, ante R$ 11,2 bilhões no ano anterior.

O país, aliás, é tido como promissor para o campo de negociações sem cash, de acordo com o relatório anual World Payment Report (WPR). “A América Latina promete um crescimento rápido com médias altas de inovação tecnológica e os bancos tradicionais mudando de estratégia e investindo em tecnologias de aplicativos móveis, carteiras digitais e e-commerce. O Brasil continuará a ser o mercado dominante na região, apesar de as expectativas econômicas não serem tão promissoras, mesmo com a revisão para um PIB mais otimista [neste ano]. A média de crescimento mais elevada para o país em comparação com a região talvez se traduza em transações sem dinheiro vivo. Iniciativas regulatórias e do Banco Central para encorajar o dinheiro via mobile e carteiras digitais estão acelerando as transações sem cash no Brasil”, aponta o estudo.

Ainda segundo o WPR 2017, o volume de transações sem dinheiro teve o maior crescimento da última década, subindo 11,2% de 2014 a 2015, chegando a 433 bilhões de dólares. Isso foi puxado sobretudo pela Ásia, que cresceu 43,4% nesse período de tempo. O relatório mostra que a tendência ainda é alta: as transações sem dinheiro devem subir 10,9% entre 2015 e 2020, com as economias em desenvolvimento crescendo 19,6%.

Não há estrutura necessária

É um cenário promissor, mas ainda longe de decretar o fim do dinheiro de papel. O fato é que, na legislação brasileira, o fim do dinheiro ganhou seu primeiro revés. O PL 48/2015 foi rejeitado na Comissão de Defesa do Consumidor, a primeira a qual foi submetido.

Para justificar o “não”, o relator da matéria, deputado José Carlos de Araújo (PR-BA), apontou diversos pontos, entre eles o fato de que “o país não dispõe, atualmente, estrutura necessária para a implementação da proposta de extinção da circulação do dinheiro em espécie”.

Para ele, a melhor saída é manter as opções de pagamento físico e virtual. “A liberdade de decidir, no momento da transação, na jornada da compra, quanto a forma de pagamento que pretenda usar é direito inalienável do consumidor”, escreveu. O projeto continua em trâmite e deve seguir para novas comissões antes de uma eventual votação em plenário.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]