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Governador Luiz Fernando Pezão foi eleito governador com fama de simplicidade e perdeu poder durante o mandato, assolado pela crise econômica e pelos escândalos de corrupção. | Mauro Pimentel/AFP
Governador Luiz Fernando Pezão foi eleito governador com fama de simplicidade e perdeu poder durante o mandato, assolado pela crise econômica e pelos escândalos de corrupção.| Foto: Mauro Pimentel/AFP

“Deus me deu o pé grande para saber o passo que posso dar. Acho que já fui muito longe na política. Temos que dar chances aos novos.” Àquela altura, dias antes do pleito de 2010, o então vice-governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando de Souza, o “Pezão” (MDB), 63 anos, insistia que não seria candidato a governador. Quatro anos depois, o emedebista foi eleito com 55,8% dos votos válidos.

Pezão costumava dizer que se tornar governador seria um voo alto demais para quem saiu de Piraí, cidade do interior com 28 mil habitantes, onde foi prefeito duas vezes. Tratava-se de jogo de cena. O nome de Pezão já era discutido antes da reeleição de Sérgio Cabral (MDB).

O tamanho 48 de seus pés não é a justificativa. Mas há 32 anos ele calcula bem cada passo que dá na política. Defendendo o governo de Cabral, que renunciou com baixa popularidade, sua campanha o apresentou como um homem interiorano com poucos vínculos com políticos. A preferência por torresmo e cerveja no boteco indica a autenticidade de seu jeito explorado na campanha.

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Mas sua trajetória inclui também quatro partidos políticos, rompimentos e intensa preparação para a candidatura vencedora. A delação do economista Carlos Miranda, apontado como gerente da propina de Cabral, incluiu uma outra faceta do governador: destinatário de uma mesada de R$ 150 mil do esquema do antecessor.

No Palácio Guanabara, perdeu total controle do orçamento do estado por três anos com sucessivos bloqueios judiciais nas contas do governo para pagamento de salário de servidores atrasados. Há um ano, negociou com Brasília a aprovação do acordo de recuperação fiscal, que deu um alívio nas contas do estado, sob duras regras orçamentárias.

Com pouca manobra nas finanças para investimentos, Pezão também não é mais o responsável pela segurança pública do estado. Desde fevereiro o estado está sob intervenção federal no setor, sob comando do general Walter Braga Netto.

Desaprovação recorde

De acordo com a última pesquisa Datafolha, divulgada em agosto, apenas 3% dos fluminense aprovavam sua gestão. Três quartos (75%) a consideravam ruim ou péssima. Nos últimos meses, Pezão vinha dizendo que teria de procurar emprego após sair do governo. Deu entrada em sua aposentadoria e receberia algo em torno de R$ 5 mil. 

Em entrevista à Folha de S.Paulo, se queixou dos órgãos de controle. “Um dos males é que a gente criou um excesso de poder desses órgãos fiscalizadores, e são muitos hoje. Você tem que prestar conta a tantos órgãos que ficou inviabilizado você ser Executivo. Você pendura seu CPF para trabalhar, pô. TCU, TCE, CGU, MP Federal, MP estadual, TRE, TJ, não sei. Tem tanto órgão a que você é submetido que você fica mais tempo respondendo a ação”, disse ele, em agosto.

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Também lamentou a prisão de seu padrinho político Sérgio Cabral. “Para mim particularmente é muito sofrida. Sou amigo dele, dos filhos, da família. Sinto pela situação dele muito, sofro junto”, disse.

Trajetória política

Nascido em março de 1955 no município de Piraí, Luiz Fernando de Souza foi Luiz Fernando ou Luizinho por toda a infância. O apelido veio nas peladas nas quais encontrou espaço como goleiro. “Defendia muito com os pés”, conta.

Filho de um torneiro mecânico e uma dona de casa, teve vida de classe média baixa num bairro de funcionários da Light. As dificuldades não impediram os carnavais na casa da família em Muriqui, vila de Mangaratiba, na costa verde do Estado.

Pezão começou a se envolver com a política quando cursou economia na UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio). Mantinha uma coleção de edições do “Pasquim”. Com a reabertura política, no início da década de 1980, aderiu a um grupo formado pelo ex-deputado Nilo Teixeira Campos, cassado na ditadura militar, para derrotar duas lideranças políticas da cidade que se revezam no poder há 20 anos.

Candidato a vereador da oposição em 1982, pelo PMDB, sua campanha foi modesta. As viseiras produzidas para divulgar seu apelido eram feitas com chapas de raio-X. O pai, Darcy de Souza, 87, confeccionou um pé de madeira e o pregou na porta de um bar do bairro onde morava. Foi de casa em casa pedir voto para o filho.

“Consegui 715 votos. Anotei todos os nomes numa caderneta. Ele conseguiu um pouco mais de 1.000”, disse o torneiro mecânico. Eleito vereador, tentou sem sucesso a prefeitura em 1988 contra um dos antigos líderes locais, Aurelino Barbosa. 

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A ascensão na política de Piraí ocorreu após abandonar o seu primeiro tutor. Depois de um racha entre as antigas lideranças locais, Pezão aderiu a Aurelino com a promessa de renovação. Foi eleito vereador em 1992, se tornou presidente da Câmara Municipal e quatro anos depois, chegou à prefeitura.

“Ele trabalha sua carreira política com muita intensidade e dedicação. Quis tomar rumo próprio. O futuro veio dizer que ele estava certo”, diz Nilo Teixeira Campos.

Aliado de Garotinho

Após passagens pelo PMDB e PSDB, Pezão passou a controlar o PDT em sua cidade. Já presidente da Câmara em 1994, coordenou a campanha do candidato de seu partido ao governo do Estado: Anthony Garotinho.

Piraí foi uma das poucas cidades em que o candidato tinha apoio das lideranças políticas no poder. Apesar da derrota para Marcelo Allencar, a dedicação de Pezão fortaleceu a amizade com Garotinho. Os dois venceriam quatro anos depois a disputa estadual contra César Maia.

Garotinho e a família passaram a frequentar sua casa em Piraí, onde Pezão e Rosinha cantavam MPB nas festas de aniversário. Quando se recuperava da cirurgia nas cordas vocais, em 2005, era Pezão quem atendia o telefone e passava as informações, escritas num papel.

Em 2002, os dois estavam no palanque que desabou na Cinelândia durante a campanha de Garotinho à Presidência. Seguindo o novo líder, Pezão já estava no PSB.

Após encerrar seu segundo mandato em Piraí, em 2004, Pezão passou a auxiliar Garotinho na secretaria de Governo, na gestão Rosinha (2003-2006). Ocupou o cargo de secretário por dois meses quando foi escolhido pelo ex-governador para ocupar a vice na chapa de Sérgio Cabral.

O anúncio oficial foi feito no dia do aniversário de Pezão, durante uma festa em Piraí, às vésperas do prazo para desincompatibilização. Apesar da resistência de Cabral, que queria um político de cidade com mais expressão, Pezão formou a chapa vencedora em 2006.

Já durante a transição de governo, Cabral passou a se distanciar de Garotinho. Com o rompimento definitivo no início da nova administração, Pezão ficou no meio. “Ele queria, 40 dias depois do governo [empossado], que eu assinasse uma carta para romper com o Sérgio. Ele falou: ‘Se você é meu amigo assina isso’. Eu não tinha motivo nenhum.”

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Garotinho costuma endereçar palavras pouco amistosas sobre o ex-aliado. Já o chamou de “traidor” e “mentiroso”. Procurado, não quis falar sobre o relacionamento com Pezão. “Não deixei de ser amigo dele. Falo com ele até hoje, mas menos. Mas como diz o [deputado] Paulo Melo, na carteira de débito e crédito dele, você só tem débito, não tem crédito. Eu só o ajudei”, diz o governador. 

Adversários na eleição de 2014, os dois trocaram acusações sobre supostos vínculos com milícias. Também apontaram mutuamente processos nos quais já foram condenados.

“São Pidão”

Os fins de anos na Prefeitura de Piraí não eram calmos sob a gestão Pezão. Ele embarcava para Brasília entre as semanas do Natal e Ano Novo para garantir os últimos empenhos do orçamento. Para isso exigia sempre adaptações de projetos para garantir a verba nos programas dos ministérios. “Ele me tirou de uma festa de fim de ano da prefeitura para finalizar um projeto. Natal e Ano Novo era um inferno”, diz Roberto Borges Silva, secretário de Obras nas gestões de Pezão em Piraí.

Pezão circulava por Brasília com uma mala de noz de macadâmia, iguaria típica de sua cidade. Ganhou o apelido de “são Pidão”. Num desses pedidos, Pezão conseguiu verbas para adquirir oito ambulâncias que lhe geraram um processo cada. Ele foi condenado no ano passado por fraudes na compra de um veículo, em primeira instância e está recorrendo. Responde a mais quatro processos e foi absolvido em outros três. O peemedebista nega irregularidades nas licitações.

Pezão assumiu o mesmo perfil “tocador de obras” no Estado ao comandar a execução do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) durante o governo Cabral.

Amizades

O então prefeito reservava finais de semana para conversar com empresários interessados em instalar fábricas na cidade. “Era quando tinha tempo livre”, conta Silva.

No jogo de sedução para atrair interessados, conquistou amizade e relacionamento próximo com muitos deles.

A lista inclui o nome de Cláudio Fernandes Vidal, dono da JRO Engenharia, também preso nesta quinta-feira. A empreiteira, que tem contratos com o Estado, transferiu sua sede para Piraí em 2005 após aproximação com Pezão. Os dois ficaram amigos e se encontravam frequentemente.

A empresa contratou há quatro anos o escritório de advocacia do filho de Pezão, Roberto Horta, para defendê-lo em ações trabalhistas. O governador nega conflito de interesses.

“Ele não defende contra o Estado. Nem me meto no escritório dele”, disse Pezão.

Espécie de eminência parda em Piraí, o ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira também tem o apreço de Pezão.

A cidade é um refúgio de Teixeira, onde já teve três fazendas e gosta de andar de chinelo pela rua. Em retribuição, costumava levar jogadores da seleção e até a taça da Copa do Mundo para os moradores tirarem fotos. “Minha amizade com o Ricardo é tomar um chope na rua em Piraí no bar do Baiano”, disse Pezão, que frequenta os churrascos de aniversário do cartola.

O relatório da CPI do Futebol de 2001, contudo, aponta indícios de relação mais próxima. Os deputados da comissão vincularam um depósito de R$ 86 mil para a prefeitura em setembro de 2000 com a campanha de reeleição do então prefeito, Pezão. O governador diz que a verba foi usada para viagem de atletas do município.

Pai do PAC

“Até quando eu estiver no governo, coloca uma coisa na sua cabeça. Tudo que trouxer para mim você já tem 50% de aprovação. Os outros 50% você convence 30% o ministro da área e 20% a Dilma.”

O recado do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva já em 2007 o aproximou da ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, designada para tratar diretamente com Pezão sobre investimentos no Rio.

Tal qual o período de prefeito, Pezão se empenhou para levar projetos prontos para a Dilma. Conquistava a então ministra com as maquetes eletrônicas produzidas por sua equipe.

Enquanto ela se tornou a “mãe do PAC”, nas palavras de Lula, Pezão virou o “pai” do programa. A amizade entre os dois transformou Pezão virou “Pezãozinho” para Dilma. Durante as ações de socorro no desastre da região Serrana, em 2011, se tornou o “Leão da Montanha” para a já presidente.

“Ela é ótimo papo. Tem uma cultura extraordinária. Gosta muito de música, livro, artes. É um papo extraordinário”, disse Pezão.

Campanha

Ao longo dos dois meses de campanha na TV em 2014, Pezão apareceu comendo pizza, churrasco e salgadinho com eleitores. Conversou com jovens, mães e idosos em banco de praças ou numa laje da favela. Cabral foi o único político a aparecer, apenas por alguns segundos.

O diagnóstico do marqueteiro Renato Pereira foi que as manifestações de junho miraram o ex-governador não por suas políticas de governo, mas pela falta de diálogo. Optou-se por aproveitar o jeito bonachão e simpático de Pezão, em vez de depoimentos de políticos.

Sua mãe, dona Ercy de Souza, com a fala mansa e firme, se tornou sua principal cabo eleitoral. No seu principal depoimento, orientava o filho a “ter sempre o pé no chão”. Pezão costumava finalizar seu programas de TV dizendo “ser desse jeito”. “Eu não mudo”. A simplicidade do candidato, contudo, teve de ser lapidada.

Pezão fez tratamento para clarear e corrigir dentes tortos. As camisas de manga curta com estampa xadrez foram substituídas pelas brancas aparecer melhor no vídeo.

O menino que “nasceu com cinco quilos e nunca emagreceu uma grama”, no relato de dona Ercy, frequentou o Salus Per Aqua Spa, em Paraíba do Sul (RJ) entre 2011 e 2012 e perdeu ali até 28 quilos. Engordou e perdeu peso de novo até chegar aos atuais 122 quilos -já teve 137.

Durante a sabatina do jornal “O Globo”, quando questionado sobre o que achava do salário de governador (R$ 20,6 mil), disse ser o suficiente. “Tendo dinheiro para ir no boteco, tomar minha cerveja com a minha esposa do lado está bom. Com esse salário posso ir a Tiradentes (MG), Mauá (RJ), Paraty (RJ) e estou muito satisfeito.”

Em 2012, Pezão foi mais longe. Passou as férias em Florença (Itália) com a esposa e voltou de classe executiva. Disse que a econômica é apertada para suas pernas -ele mede 1,90 metro.

O peemedebista fez cinco sessões com a consultora de imagem e jornalista Olga Curado, menos do que seus marqueteiros desejavam. Regulou o tom de voz e ritmo da fala para deixar mais claro o fim de suas frases.

“Foi muito pitaco. Fiz algumas coisas, mas é tudo muito chato”, diz ele.

Mas a marca de simplicidade raras vezes foi questionada, mesmo por adversário. O atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), por quase toda a campanha poupou a imagem de Pezão, apostando em classificá-lo como um “governador fraco”, manietado por Cabral e outras lideranças do PMDB.

O maior esforço da campanha peemedebista foi apresentá-lo como o real candidato. “O governador vai ser eu”, repetia Pezão para afastar a sombra de Cabral.

O ex-governador seguia presente no Palácio Guanabara. No gabinete de Pezão à época da eleição, Cabral está em cinco dos nove porta retratos. Mais do que Dilma (2) e a família (3).

Nilo Teixeira Campos, seu primeiro líder político, avalia que o governador reeleito não é um político fraco. E diz que, assim como em outros momentos, pode até mesmo abandonar Cabral caso seja colocado contra a parede.

“O objetivo principal dele é a sua carreira política. Como prefeito ele se preocupou com a carreira dele. Como vice-governador, serviu ao governo Cabral, mas trabalhou a carreira dele. O Pezão tem ambição política. Ele não exterioriza isso, se jactando, mas ele tem.”

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