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Aeroporto de Congonhas, em São Paulo: pacote de privatizações mistura empreendimentos lucrativos com estatais que dão prejuízo. | Yasuyoshi Chiba/AFP
Aeroporto de Congonhas, em São Paulo: pacote de privatizações mistura empreendimentos lucrativos com estatais que dão prejuízo.| Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP

O presidente Michel Temer quer passar para a frente um punhado de empresas estatais e concessões. E foi à China promover esse pacote, a partir desta terça-feira (29).

A dúvida é se haverá interessados – brasileiros e estrangeiros – dispostos a pagar bem por alguns dos ativos colocados à venda. Além do risco de não encontrar compradores para certos itens do pacote, o governo pode acabar fazendo maus negócios com outros, dada a pressa em levantar dinheiro para tapar buracos nas contas públicas.

Na terça-feira (22), veio o surpreendente anúncio da desestatização da Eletrobras. No dia seguinte, foi a vez do terceiro pacote de concessões e privatizações em apenas 15 meses de governo. A lista tem 57 projetos, entre aeroportos, rodovias, portos, hidrelétricas, linhas de transmissão, campos de petróleo e outros. O governo também quer privatizar a Casa da Moeda e a Lotex, que cuida de loterias instantâneas.

A questão é que há muita coisa problemática nessa prateleira. O próprio governo admite que precisa se livrar de empresas que dão prejuízo (em especial a Eletrobras e suas subsidiárias) para, assim, aliviar a carga do Tesouro Nacional. Difícil saber quanto os eventuais compradores vão aceitar pagar por companhias declaradamente capengas.

Por outro lado, o setor público vai se desfazer de “joias”, ativos reconhecidamente lucrativos. Caso do aeroporto de Congonhas, que ajudava a Infraero a cobrir suas perdas em outros terminais.

O discurso do governo tem inconsistências. Ao falar sobre a Casa da Moeda, responsável pela emissão do dinheiro e dos passaportes brasileiros, o secretário-geral da Presidência da República, Moreira Franco, disse o seguinte: “A saúde financeira da Casa da Moeda está extremamente debilitada pelo avanço da tecnologia”. Ele fazia referência ao uso cada vez menor de cédulas e moedas no dia a dia.

Dias depois, o presidente da Casa da Moeda fez declarações em sentido oposto. Disse ao “Valor Econômico” que a empresa registrou sucessivos superávits nos últimos anos e que realmente deve ter prejuízo neste ano, por efeito de medidas do próprio governo que reduziram as receitas da estatal (a Desvinculação das Receitas da União e mudanças na fiscalização de bebidas), mas que espera revertê-lo já em 2018.

O cenário de “bacia das almas” desenhado pelo próprio Planalto pode até ajudá-lo a justificar o feirão das estatais, mas ao mesmo tempo vai desafiar a meta de levantar no mínimo R$ 40 bilhões com o pacote anunciado na quarta (23).

“O problema é que essa privatização não visa propriamente melhorar a eficiência da economia. Visa fechar o orçamento do governo, que não consegue controlar seu déficit. E aí pode ser que ele venda de qualquer maneira, a qualquer preço, como alguém que tem uma dívida e precisa vender o carro ou o apartamento para levantar dinheiro”, diz Antonio Porto, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (EPGE/FGV).

Em um congresso no último sábado (26), o economista Eduardo Giannetti disse que os anúncios do governo foram feitos sem discussão ou debate, para desviar atenção e gerar um ânimo artificial no mercado financeiro. E com a visão de fazer caixa para cobrir déficits fiscais de gastos correntes.

“Não se vende a prata para a família jantar fora”, criticou Giannetti. “Anunciaram sem nem ter a condição de executar, sendo altamente improvável que se chegue a um meio-termo neste mandato-tampão”

O bom e o ruim da Eletrobras

O panorama para a privatização da Eletrobras é curioso. A perspectiva de liberação da venda de energia a preços de mercado nos próximos anos certamente atrai interessados. Mas os compradores não levarão junto parte importante da capacidade de geração de energia da estatal: a hidrelétrica de Itaipu e as usinas nucleares de Angra dos Reis não serão privatizadas, segundo o governo, e parlamentares de Minas Gerais e do Nordeste pressionam para que Furnas e Chesf também continuem sob comando estatal.

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Por outro lado, os sócios privados terão de carregar consigo distribuidoras deficitárias da Região Norte que o governo dificilmente conseguiria privatizar separadamente, por falta de interessados. Problema ainda maior é o “esqueleto” de no mínimo R$ 64 bilhões em contingências que não têm provisão – isto é, processos que a Eletrobras e suas subsidiárias podem perder e para os quais não há dinheiro algum reservado.

Regras claras para infraestrutura

Executar com sucesso o programa de privatizações e concessões “realmente não é tarefa simples”, diz o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria.

“As concessões vão depender de um desenho bem feito, com projetos bem estabelecidos e regulação transparente, que indique claramente aos investidores qual é o potencial de cada negócio e permita de fato uma melhora da infraestrutura e da produtividade do país”, diz.

São elementos que faltaram aos projetos de infraestrutura concedidos pelos governos anteriores.

“As concessões eventualmente limitavam as taxas de retorno, afugentando potenciais investidores, e por outro lado contavam com crédito subsidiado do BNDES. Ou seja, o governo tirava de um lado e dava de outro, de forma muito pouco transparente para a sociedade”, lembra Campos Neto.

Outra marca dos projetos concedidos nas gestões do PT foram as estimativas excessivamente otimistas de demanda. O exemplo mais recente é o do aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP). A concessionária decidiu devolver a concessão porque o movimento ficou muito abaixo do projetado, frustrando a previsão de receitas. No edital, o governo estimava um fluxo de 17,9 milhões de passageiros em 2016, mas somente 9,3 milhões de pessoas de fato passaram pelo terminal no ano. E a movimentação de cargas foi de apenas 40% da projetada.

O analista Nicolas Takeo, da Socopa Corretora, observa que o cenário externo é de liquidez elevada. Ou seja, os investidores estrangeiros estão com dinheiro de sobra para investir e, portanto, mais propensos ao risco. Porém, esperam não apenas uma modelagem mais adequada para os leilões, mas também a garantia de um marco regulatório estável na sequência.

“É interessante comprar ativos de energia? Sim. Mas qual será a regulação? Tivemos experiências no passado que foram muito negativas”, diz Takeo, referindo-se à redução quase “na marra” das tarifas de energia no início de 2013, no governo Dilma.

Para Antonio Porto, da EPGE/FGV, a inconstância da regulação é um dos fatores que impedem a melhora da infraestrutura do país.

“De um lado, o governo não tem dinheiro para investir. De outro, o investidor brasileiro ou estrangeiro sabe do risco de, lá na frente, o governo chegar e derrubar as tarifas. É por isso que as multinacionais gostam de vir aqui produzir batom e creme de barbear. Porque aí não tem política interferindo nos preços.”

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