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Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva| Foto: EFE/Andre Borges

Aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deram início a uma operação nos bastidores para tentar mitigar os desgastes do governo junto à União Europeia (UE) por conta de seu alinhamento com a Rússia. A avaliação interna é de que as declarações do petista durante sua passagem pela China podem travar ainda mais as negociações para fechar o acordo do Mercosul com o bloco europeu. 

Reservadamente, integrantes do Itamaraty admitem que as declarações de Lula sobre a guerra na Ucrânia “foram desnecessárias” e “arranharam a imagem internacional do Brasil.” Por isso, a diplomacia brasileira tem atuado para reverter esse cenário diante da visita de Lula a Portugal e Espanha.

Durante sua passagem por Pequim, Lula voltou a afirmar que a Ucrânia também tem responsabilidade pela guerra com a Rússia e acusou os Estados Unidos e a União Europeia de incentivarem o prosseguimento do conflito.

Lula embarcou para Lisboa na noite de quinta-feira (20) e fica na cidade até terça-feira (25). Em seguida vai para Madri, onde terá agenda até quarta-feira (26). Mas, não está prevista uma negociação do brasileiro com órgãos da União Europeia. Por isso, o tema do acordo do Mercosul com a União Europeia pode ser tratado apenas de forma indireta.

Na estratégia para tentar reduzir os desgastes com a Europa, o presidente Lula aproveitou a visita do presidente da Romênia, Klaus Iohannis, ao Brasil na terça-feira (18) para mudar o tom sobre a guerra. O país do sudeste europeu faz fronteira com a Ucrânia e foi um dos principais redutos dos ucranianos por conta da guerra.

"Ouvi com muito interesse as considerações do presidente Iohannis sobre a guerra na Ucrânia, país com a qual a Romênia partilha mais de 600 quilômetros de fronteira. Ao mesmo tempo que o meu governo condena a invasão territorial da Ucrânia, defendemos uma solução política negociada para o fim do conflito. Falei da nossa preocupação com os efeitos da guerra, que extrapolam o continente europeu", disse Lula.

O governo de Lula votou na Assembleia da ONU a favor da retirada das tropas russas da Ucrânia, mas se absteve em ao menos duas tentativas de aliados da Rússia para derrubar a resolução – a maior parte das nações votou contra essas tentativas. Além disso, a maioria das outras falas de Lula sobre o assunto relativizam a agressão russa e tentam culpar a Ucrânia pela invasão do seu próprio território.

A viagem de Lula a Portugal e Espanha ocorre em meio as reações de lideranças portuguesas contra o petista. Estado-membro do bloco europeu e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Portugal tem declarado apoio ativo ao país invadido por Vladimir Putin, inclusive com o envio de tanques a Kyiv.

Na segunda-feira (17), o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou que vai tratar da guerra durante a visita de Lula ao país.

"Se o Brasil mudar de posição, é uma escolha dele, nós não temos nada a ver com isso, e Portugal mantém a sua posição. Direi [ao Lula] que a nossa posição é essa. Se mudaram, a nossa continua a ser essa", comentou o presidente de Portugal.

Passagem por Lisboa deve ser marcada por manifestações contra Lula 

Paralelamente, integrantes do Parlamento de Portugal já organizam para protestar contra a visita de Lula ao país. Para o deputado Rui Rocha, líder da IL (Iniciativa Liberal) o país não deveria receber um aliado da Rússia na guerra.

"A Assembleia da República que convidou [o presidente da Ucrânia, Volodymyr] Zelensky para discursar [por vídeo] não pode receber um aliado de Putin. E o presidente que atribuiu a Ordem da Liberdade a Zelensky não pode estar confortável com a presença de um aliado de Putin como Lula na Assembleia da República", disse.

Na mesma linha, o deputado Paulo Rangel, vice-presidente do Partido Social-Democrata (PSD), maior sigla de oposição, defendeu que o governo luso deve "tomar uma posição pública e formal" em relação às declarações de Lula sobre o suposto incentivo da Otan e da União Europeia ao conflito.  Já o deputado André Ventura, do partido Chega, se movimenta para protestar contra a visita de Lula.

A Associação dos Ucranianos em Portugal também avalia integrar as manifestações contra as falas sobre a guerra. O presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal, Pavlo Sadokha, disse à agência de notícias Lusa que está redigindo uma carta que deve ser entregue a Lula durante a visita.

“Esperamos que o presidente Marcelo [Rebelo de Sousa] e o primeiro-ministro António Costa tentem mudar esta posição do presidente Lula”, acrescentou Sadokha.

Lula vai tentar destravar o acordo do Mercosul na passagem pela Europa

Uma das estratégias de Lula é tentar usar sua passagem pela Europa para tentar destravar o acordo comercial entre o Mercosul e a UE. O tratado chegou a ser aprovado no início do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mas ainda não foi confirmado no Parlamento europeu.

Como a Gazeta do Povo mostrou, o petista vem sofrendo da mesma pressão que o governo Bolsonaro passou por questões ambientais. Essas travas ficaram evidentes há algumas semanas com o vazamento de um termo aditivo do acordo que quer obrigar o Brasil não só preservar a floresta amazônica, mas replantar árvores em áreas devastadas.

Além do Brasil, o tratado deve beneficiar os demais membros do Mercosul: Argentina, Paraguai e Uruguai e o países associados: Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname. A Venezuela também era um dos países-membros do bloco, mas está suspensa desde 2016.

Entre outros pontos, o plano UE-Mercosul prevê a criação da maior zona de livre comércio do mundo, com um mercado de 780 milhões de pessoas e que representaria cerca de 20% do PIB mundial e mais de 30% das exportações globais. Segundo estudo da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do governo federal, o tratado poderia incrementar o PIB do Brasil em 87,5 bilhões de dólares nos próximos 15 anos, possivelmente tornando a Europa uma parceira comercial brasileira maior que a China. Esse número ainda poderia chegar a 125 bilhões de dólares se considerada a redução de barreiras não tarifárias.

No mesmo período, a entidade prevê um aumento de 113 bilhões de dólares em investimentos no Brasil, e 100 bilhões de dólares em ganhos das exportações brasileiras para a UE até 2035.

"A União Europeia é o maior investidor do mundo no Brasil, mas não havia encontro de cúpula entre Brasil e UE desde 2014. A próxima viagem do presidente vai ser para a Europa, onde se trabalha o acordo Mercosul–União Europeia, que pode trazer avanços significativos", avaliou o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB). Ele não mencionou, porém, que o acordo é tratado nas sedes da União Europeia na Bélgica, e Lula não viajará para lá. Além disso, não haverá novo encontro de cúpula durante a viagem do presidente Lula.

UE rebateu fala de Lula sobre a guerra na Ucrânia 

Enquanto a diplomacia não entra em acordo, políticos brasileiros trabalham para melhorar a imagem de Lula junto aos europeus. A avaliação dos aliados do presidente é de que as declarações sobre a guerra descredenciaram o Brasil da intenção de ser um dos interlocutores da pacificação do conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

A resposta da Europa veio por meio do porta-voz de assuntos externos da União Europeia, Peter Stano, em pronunciamento em Bruxelas, na Bélgica. O comunicado rejeitou as acusações do presidente brasileiro, reforçou que a Rússia é a única culpada pelo conflito e reiterou que União Europeia e Estados Unidos estão trabalhando juntos para combater a guerra.

"O fato número um é que a Rússia, e somente a Rússia, é responsável [pela guerra]. Ela gerou provocações e agressões ilegítimas contra a Ucrânia. Não há questionamentos sobre quem é o agressor e quem é a vítima. Os EUA e a União Europeia trabalham juntos, como parceiros de uma ajuda internacional", diz Stano.

"Estamos ajudando a Ucrânia em exercícios para legítima defesa. Não é verdade que os EUA e UE estão ajudando a prolongar o conflito. Nós oferecemos inúmeras possibilidade à Rússia de um acordo de negociação em termos civilizados", completou.

Após as reações, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, tentou minimizar os efeitos da fala de Lula.

"O Brasil quer promover a paz, está pronto para discutir com um grupo de países, arregimentar um grupo de países ou se unir a um grupo de países que estejam dispostos a conversar sobre a paz. E esta foi a conversa que nós tivemos, foram os temas que abordamos", disse Vieira logo após o encontro de Lula com o chanceler russo no Palácio da Alvorada na última segunda-feira (17).

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