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Lula e Macron participam da cerimônia de batizado do submarino Tonelero, no Rio de Janeiro
Lula e Macron participam da cerimônia de batizado do submarino Tonelero, no Rio de Janeiro| Foto: Divulgação/Marinha do Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende negociar com seu contraparte francês, Emannuel Macron, o compartilhamento de tecnologia nuclear para propulsão de submarinos – uma demanda antiga do Brasil que encontra resistências das Nações Unidas (ONU) e potências mundiais.

O assunto está sendo tratado durante a visita do presidente da França ao Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (27), quando os dois chefes de Estado participam da cerimônia de batismo do submarino Tonelero, de propulsão convencional, fabricado a partir de uma parceria entre as duas nações. Janja, a primeira-dama brasileira, foi escolhida para ser a madrinha do submarino.

Na última semana, o Palácio do Itamaraty informou que havia a expectativa de que o governo francês cooperasse com as discussões sobre a transferência da tecnologia nuclear aos submarinos brasileiros.

“Talvez houvesse uma resistência no passado [sobre compartilhar tecnologia nuclear francesa com o Brasil], mas hoje já há conversas sobre essa possibilidade: de que a França coopere conosco inclusive nesse aspecto à luz da energia nuclear, do combustível nuclear", disse a embaixadora e secretária de Europa e América do Norte do Itamaraty, Maria Luisa Escorel de Moraes.

Em 2008, França e Brasil fecharam um acordo, estimado em R$ 40 bilhões, que viabilizou o Programa Brasileiro de Submarinos (Prosub). O projeto prevê a fabricação de cinco submarinos. Quatro construídos com propulsão convencional e a expectativa é de que o ultimo a ser entregue, batizado Álvaro Alberto, seja equipado com propulsão nuclear. A França concordou em fornecer o design para o casco deste tipo de tecnologia, mas não em fornecer a técnica necessária para acomodar o reator que faz a propulsão nuclear funcionar.

Em tese, um navio com propulsão convencional, funciona com motor a diesel-elétrico, enquanto o nuclear utiliza energia nuclear para funcionar. Além de chegarem a uma profundidade de cerca de 250 metros, os submarinos convencionais são mais barulhentos, têm uma autonomia menor e, por funcionarem a diesel, precisam submergir ocasionalmente para pegar oxigênio para os motores. O submarino com propulsão nuclear, por sua vez, pode ficar por longos períodos debaixo da água e é extremamente silencioso.

Atualmente, o Brasil possui cinco submarinos operando, mas nenhum deles com propulsão nuclear.

Brasil ainda depende de outros países para fazer submarino com propulsão nuclear

A aquisição da tecnologia para a construção de um submarino nuclear é um sonho antigo do Brasil. As tentativas tiveram início em 1979 e, apesar de pouco avanço de lá até agora, o país continua perseguindo este objetivo militar, independentemente do presidente que ocupa o Palácio do Planalto.

“O Brasil quer se transformar na maior potência em submarinos na América do Sul. É inegável que um país do tamanho do Brasil, com metade da América do Sul, precise dessa tecnologia. A intenção desses submarinos é negação do uso do mar, uma estratégia de dissuasão”, avalia Vitélio Brustolin, doutor em Relações Internacionais e pesquisador da Universidade de Havard.

Ele explica ainda que o cerne do problema é que o Brasil precisa aprender a fazer a “minimização” do reator nuclear, tendo em vista que o Brasil já possui a tecnologia nuclear usada em usinas, como a de Angra. "Sabemos usar os reatores nucleares para produzir energia, mas a tecnologia que nos interessa, que é mais difícil, foi a que menos avançou”, diz Brustolin.

Nesse caso, há duas saídas para que a Marinha Brasileira possua submarinos nucleares: comprá-los prontos de outro país ou fazer acordos para transferência da tecnologia ao governo brasileiro.

Ainda que a compra tenha menos custos e seja menos complicada, a opção deixa o Brasil “refém” de quem vende o submarino. Por isso o Brasil tenta avançar neste acordo com a França para ter acesso ao know how de fabricação desse tipo de reator. Apesar de o acordo com Paris não prever esta transferência, Lula espera conseguir destravar a negociação com a visita de Macron ao Brasil nesta semana.

Pressão internacional mantém tecnologia nuclear entre grupo seleto de países

Apesar da afirmação feita pela embaixadora, indicando uma mudança de postura da França sobre a transferência da tecnologia nuclear ao Brasil, especialistas acreditam que este ainda pode ser um sonho distante.

Apenas seis países no mundo possuem submarinos de propulsão nuclear. Para o analista Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército, trata-se de "uma tecnologia de ponta, que não é repassada por seus detentores, tendo que ser totalmente desenvolvida pelo país", o que explica a dificuldade de seu desenvolvimento.

“Há uma pressão internacional para restringir o acesso de novos países a essas tecnologias”, pontua.

Atualmente, os países que têm submarinos nucleares são: Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido, França e Índia. Todos são países que possuem armas nucleares e, com exceção da Índia, também são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

A restrição a esse tipo de desenvolvimento científico e militar, em grande parte, se dá pelo receio de que a produção nuclear avance para além de submarinos, como a produção de armas nucleares, por exemplo. “Não é interessante para esses países que outros tenham acesso a uma tecnologia que possa lhe render avanços militares e também industriais”, avalia Vitélio Brustolin, que é especialista em defesa nacional brasileira e norte-americana.

Ao ter o domínio de tecnologias militares, sua utilização pode ir além do uso bélico. Ou seja, além da autonomia militar ao país, o acesso a essa tecnologia pode fornecer os recursos para gerar volume industrial e favorecer os avanços tecnológicos na área.

Brasil precisa de aval de agência da ONU

O Brasil ainda precisa ter o aval da ONU para ter acesso à tecnologia nuclear para os submarinos. Recentemente, o diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, afirmou que o Brasil só poderá operar um submarino de propulsão nuclear se abandonar as “posições históricas de resistência a inspeções detalhadas de suas instalações atômicas”.

O analista Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, mestre em ciências militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército, explica que a afirmação feita por Grossi esclarece o “desejo da agência de ter mais acesso às instalações das centrífugas brasileiras que enriquecem o urânio, de modo a que sirvam de combustível aos reatores nucleares que servirão à propulsão dos submarinos”.

Apesar de ser signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), o Brasil não concordou em receber inspeções periódicas de agentes da AIEA para vistoriar instalações com a da Usina Nuclear de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Mas para os especialistas ouvidos pela reportagem, essa pode ser uma decisão facilmente revista pelo país caso as discussões avancem com o governo francês nesta semana.

Ainda no contexto do TNP, que entrou em vigor em 1970, há países que questionam o entendimento dos Estados Unidos de que um submarino nuclear não pode ser considerado uma arma nuclear.

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