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Novo Código de Processo Eleitoral
Sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): projeto cria restrições para o trabalho da Corte.| Foto: Antonio Augusto/TSE

O projeto de lei que cria o Código de Processo Eleitoral, em discussão na Câmara dos Deputados, contém várias propostas que enfraquecem a fiscalização e a punição de candidatos e partidos que cometam irregularidades. Dentre elas, está prevista a flexibilização do uso do fundo partidário, restrições para a atuação da Justiça Eleitoral e até mesmo a descriminalização do transporte de eleitores e da campanha de boca de urna no dia da eleição.

O novo Código de Processo Eleitoral foi encampado por partidos do Centrão e pode ser votado nas próximas semanas. Se for aprovado na Câmara e no Senado até o começo de outubro, as mudanças entram em vigor já em 2022. O projeto de lei, relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), tem 372 páginas e 902 artigos.

Atualmente, as regras eleitorais estão esparsas em diferentes leis – incluindo um Código Eleitoral dos anos 1960. Com Código de Processo Eleitoral pretende unificar essas regras e criar algumas novas.

Dinheiro do fundo partidário para comprar jatinho e imóveis

Um dos pontos críticos da proposta diz respeito à aplicação do fundo partidário, criado para custear as siglas. Pela proposta, as legendas poderiam usar os repasses públicos “em outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação da executiva”. De acordo com especialistas, a medida abre brecha para que os dirigentes partidários utilizem a verba para fins que hoje são proibidos.

"Em tese, estão permitindo que recursos públicos posam ser empregados na compra de bens móveis e jatinhos, por exemplo”, diz Magno Karl, cientista político e diretor-executivo do movimento Livres.

Apesar disso, a relatora do Código Eleitoral, deputada Margarete Coelho, argumenta que o artigo foi introduzido porque “não seria possível detalhar todos os usos” do fundo partidário. Ela nega que isso leve à falta de controle.

“O projeto é resultado de cinco meses de dedicação de um Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados, que durante esse tempo se reuniu, ouviu especialistas e diferentes atores e instituições para sistematizar e consolidar a legislação eleitoral em vigor”, diz a deputada.

Código Eleitoral estabelece fiscalização privada dos partidos

Atualmente, a Justiça Eleitoral é responsável por auditar as contas dos partidos políticos. Contudo, o projeto do novo Código de Processo Eleitoral prevê que as legendas contratem empresas privadas de auditoria, que ao final irão encaminhar um relatório para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A proposta também prevê uma redução de cinco para dois anos no prazo para que a Justiça Eleitoral analise a prestação de contas dos partidos.

Outro dispositivo previsto no novo Código é a redução do valor da multa aplicada aos partidos em caso de reprovação das contas apresentadas. Hoje a punição é de 20% do valor apontado como irregular – dependendo do montante envolvido, a cobrança pode chegar a cifras na casa de milhões de reais. Já o novo projeto estabelece um teto de R$ 30 mil para multas decorrentes da desaprovação de contas.

Especialistas afirmam que esse dispositivo pode aumentar a impunidade de partidos e dirigentes que cometam ilegalidades em suas contas. “Vale lembrar que os partidos políticos têm diversos problemas de transparência. Nos últimos anos, a Justiça aumentou a fiscalização e as regras tinham melhorado. Mas, na primeira oportunidade, os políticos amarram as mãos da Justiça e transferem as regras de fiscalização para empresas privadas. Eles saem com todas as vantagens dessa reforma”, afirma o cientista político Magno Karl.

Para Lucas Fernandes, coordenador de análise política da BMJ Consultores Associados, esses pontos servirão para fortalecer os presidentes de partidos. “Essas medidas, de fato, devem trazer prejuízo, pois tirar a transparência nunca é positivo. E o uso indiscriminado do fundo sem uma fiscalização não é considerado um ponto positivo. Isso vai concentrar ainda mais poder nas mãos dos caciques partidários, sobretudo quando a gente fala para contratar auditores externos”, explica Fernandes.

Acácio Miranda, advogado e especialista em Direito Eleitoral, também critica as mudanças propostas no projeto. “É importante entender que está sendo criada uma anistia aos partidos. Eventuais infrações serão reprimidas de forma menos contundente aos partidos e aos candidatos em detrimento da democracia e da população. Fortalecem ainda mais os donos de partidos e reverberam um risco ao erário público”, diz ele.

A relatora do projeto de lei, deputada Margarete Coelho, no entanto, argumenta que as empresas de auditoria responsáveis pela análise das contas dos partidos serão credenciadas pelo TSE. “Se houver inconsistência, o tribunal pede esclarecimentos. Isso vai agilizar julgamentos e aliviar a carga da Justiça Eleitoral”, diz a deputada do PP.

Projeto permite que Congresso casse decisões do TSE

Atualmente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é o responsável por editar os regulamentos para fazer cumprir o Código Eleitoral. Pelo novo projeto, o Congresso poderá cassar decisões do TSE, caso haja o entendimento de que regras estão em desacordo com o Código.

Para o movimento Freio na Reforma, a Justiça Eleitoral é fundamental para combater fraudes nas eleições e oferecer procedimentos isentos e transparentes para a escolha dos candidatos. “Deixar que essa competência fique a cargo do Congresso Nacional subverte a lógica da Constituição e representa indevido controle do Poder Legislativo sobre a Justiça Eleitoral”, diz o manifesto do grupo.

O projeto estabelece ainda que uma eventual regulamentação das eleições, feita pelo TSE, só entre em vigência após um ano. Esse seria o caso, por exemplo, das determinações que obrigam os partidos a distribuir de recursos para candidatos negros e mulheres nas campanhas. As legendas reclamam que atualmente as regulamentações eleitorais do TSE são feitas a qualquer momento, ao contrário das leis, que têm de ser aprovadas um ano antes das eleições para entrarem em vigor. Para os partidos, isso impede o planejamento de suas ações.

Para a relatora do projeto, Margarete Coelho, a proposta não restringe a atuação da Justiça Eleitoral, mas reforça o poder Constitucional de que o Congresso legisle. “O poder regulamentar da Justiça Eleitoral está preservado, com parâmetros mais claros e objetivos, em diversas passagens do texto. O novo Código Eleitoral apenas assegura ao Congresso Nacional o que a própria Constituição determina: o papel de criação de norma eleitoral pertence ao legislador.”

Transporte de eleitores e boca de urna deixam de ser punidos com prisão

A legislação atualmente considera que o transporte de eleitores no dia das eleições, de suas residências até os locais de votação, é crime. Tipificado como crime, o transporte ilegal pode resultar em prisão de até seis anos, além de multa.

No entanto, o novo Código de Processo Eleitoral propõe a descriminalização do transporte de eleitores. O crime passa a ser apenas uma infração, passível de punição só na esfera cível apenas com a aplicação de multa (o projeto estabelece o valor de R$ 5 mil a R$ 100 mil).

Ainda que o transporte continue a ser ilegal, o dispositivo previsto no projeto é criticado porque pode estimular o abuso do poder econômico nas eleições. Candidatos com muitos recursos financeiros poderiam fazer um cálculo de custo-benefício de transportar eleitores, aceitando pagar uma multa para assegurar mais votos.

Em outro ponto o projeto estabelece que deixam de ser crime práticas vedadas em dia de eleição, como a campanha de boca de urna, os comícios, as carreatas e o uso de alto-falantes para fazer propaganda política. Hoje esses atos podem ser considerados crimes eleitorais e podem resultar em reclusão de até seis anos e multa. Com a mudança, os atos passarão a ser infrações da área civil – tal qual o transporte de eleitores.

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