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Jair Bolsonaro
Suposto envolvimento de Jair Bolsonaro em uma trama para dar um golpe de Estado foi a gota d’água para uma parte da direita brasileira.| Foto: Cristobal Herrera-Ulashkevich/EFE

A acusação inicial do senador Marcos do Val (Podemos-ES) de que teria sido coagido por Jair Bolsonaro (PL) a dar um golpe de Estado fortaleceu o discurso de alas da direita e do próprio Partido Liberal de se afastar do ex-chefe do Executivo. O entendimento de alguns é de que a denúncia dá mais argumentos para reorganizar o movimento conservador e viabilizar uma liderança nacional para as eleições de 2026 sem ter Bolsonaro como protagonista.

A ideia de uma direita independente do ex-presidente não passou a ser mais defendida por causa da acusação de Marcos do Val, até por se tratar de um movimento já encabeçado por setores do PL. A acusação feita pelo parlamentar foi encarada como espalhafatosa entre deputados e senadores de direita, sobretudo em razão do próprio senador ter mudado a versão da denúncia inicial e também por ser visto como um político excêntrico entre lideranças.

Fortalecer o movimento de afastamento de Bolsonaro é defendido por alguns como uma forma de autopreservação da direita. O entendimento entre parlamentares conservadores é de que a esquerda e uma parte da imprensa têm usado a acusação de Marcos do Val para manter uma narrativa que associa equivocadamente a direita a atos de vandalismo, como os ocorridos em 8 de janeiro, e a defesas de pautas antidemocráticas. Lideranças conservadoras consideram que essa narrativa também influencia decisões do próprio ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

A minuta de um decreto não assinado que autorizaria uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é outro ponto criticado entre parlamentares do PL, PP e Republicanos. Para dirigentes e lideranças, é clara a tentativa de associar Bolsonaro e a direita a uma pretensa defesa de golpe de Estado, algo com a qual eles não concordam.

Por uma fala dita sobre essa minuta em uma entrevista, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, precisou depor à Polícia Federal. A minuta foi encontrada na casa do ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres, que se encontra preso e é investigado por omissão nos atos de vandalismo do último dia 8.

Como Bolsonaro pode ser apartado do processo de reorganização da direita

Dirigentes, lideranças e parlamentares de PL, PP e Republicanos entendem que não existe uma fórmula simples para se afastar de Bolsonaro, sobretudo em razão de uma ala do Partido Liberal mais próxima ao ex-presidente ser contrária a movimentos abruptos para isolá-lo. O grupo mais fiel entende que ele precisa participar ativamente do processo de reorganização e liderança da direita, ainda que não seja o candidato em 2026.

A ala do PL que se dispõe a uma neutralidade e até a ser base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discorda da ala alinhada a Bolsonaro. Alguns divergem, inclusive, da defesa de Valdemar Costa Neto em empoderar a ex-primeira dama Michelle Bolsonaro e em estimular Bolsonaro a participar do processo de reconstrução da direita no país.

Para esse grupo, seria imprudente e até um cálculo político equivocado entregar o diretório feminino nacional do PL para Michelle e permitir que ela tenha uma participação ativa na legenda. Na última segunda-feira (30), ela esteve no jantar organizado por Valdemar a deputados e senadores do partido e, no dia das eleições das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, esteve presente no Congresso.

A mesma tese defendida na ala do PL mais próxima do governo Lula é respaldada por algumas lideranças do PP e do Republicanos, principalmente no que se refere ao próprio Bolsonaro assumir um protagonismo ou mesmo a liderança no processo de organização da direita até 2026.

O que dizem lideranças do PL sobre isolar Bolsonaro

Parlamentares da ala conservadora do PL que se dispõe a fazer uma oposição moderada a Lula concordam com a importância de discutir a viabilização de uma direita independente de Bolsonaro. O deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA) entende que o ex-presidente foi uma importante referência para o movimento conservador brasileiro, mas pondera que o momento é de construir outros nomes para conduzir a direita.

"Antes, tínhamos até vergonha de falar [que é conservador]. Bolsonaro nos ajudou muito nesses quatro anos a criar uma expectativa. Hoje, o cara fala, levanta a mão e diz que é contra o aborto. Mas não temos que estar preocupados com Bolsonaro, acho que ele já fez a parte dele e o povo não vai querer continuar nessa briga", analisa.

O parlamentar entende que uma chapa entre os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), seria forte e representativa no campo conservador. Ele pondera, contudo, que Michelle não deve ser excluída da reconstrução da direita.

"A Michelle vem para 'flutuar' nesse campo, a estratégia com ela não é para manter o 'bolsonarismo' vivo, é uma estratégia que foi muito bem pensada pelo Valdemar. A Michelle não carrega as broncas do Bolsonaro. Ela é jovem, é mulher, é evangélica, fala bem, se apresenta bem, é simpática", comenta Passarinho. O deputado entende que o Brasil é um país conservador de centro que não deve permanecer entre os extremos.

O deputado Alberto Fraga (PL-DF) concorda que a reconstrução da direita não depende de Bolsonaro. "Ele já cometeu um grande equívoco quando não valorizou os 58 milhões de votos. Ele deveria ter falado, dito alguma coisa. Se realmente voltar a falar mais com o povo pode ser até que Bolsonaro possa ser de novo o presidente, mas se não mudar o seu jeito de agir, vai ficar complicado", opina.

Fraga discorda da hipótese de Michelle como candidata à Presidência, a exemplo de como sugeriu Valdemar em entrevista, e considera outros candidatos para liderar a direita. "Temos Ronaldo Caiado [governador de Goiás, do União Brasil], o Romeu Zema, e outros nomes poderão surgir. Mas não acredito em Tarcísio, apareceu agora", diz.

O deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM) concorda com a importância de reorganização da direita após a vinculação a atos de vandalismo e golpe de Estado. "Todas essas confusões que ocorreram desde 8 de janeiro prejudicaram muito a direita, porque acabamos sendo alvos de uma narrativa de boa parte da imprensa e da esquerda de que a direita seja aquilo, e é longe disso", sustenta.

O parlamentar entende que o trabalho da oposição na Câmara possa ser suficiente para tirar a pecha de que a direita seja radical em sua maioria, mas discorda de um isolamento de Bolsonaro para reorganizá-la. "A questão do bolsonarismo e da direita... elas não se conflitam, a gente tem que somar. A questão do extremo é sempre negativa, temos que tirar a guerra de narrativas que a esquerda tem e fugir disso mostrando um bom trabalho no Congresso. É a nossa principal arma", afirma.

O que deputados do PL pensam sobre as acusações de Marcos do Val

Sobre o senador Marcos do Val, deputados do PL minimizam a acusação feita. O deputado Alberto Fraga entende que os “vacilos” e o recuo do senador refletem um temor da imprensa e do STF. “O ministro Alexandre de Moraes conseguiu levar o pavor para muitos parlamentares”, disse.

Já o deputado Joaquim Passarinho classifica a denúncia foi uma “lambança”. “Não sei de onde ele tira aquilo do nada, não era um assunto em debate, ninguém estava se perguntando. Ele traz o tema do nada e joga em cima do [ex-] presidente e depois em cima do Daniel [Silveira, ex-deputado]. Falou umas cinco ou seis versões do nada e até agora ninguém entendeu”, disse.

O deputado, que chegou a ser vice-líder do governo na gestão Bolsonaro, acha que a denúncia pode ter sido uma forma que o senador encontrou para justificar um possível voto pela reeleição do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ao comando do Senado. “A não ser que tenha votado no Pacheco e apresentado isso como desculpa por estar até há pouco tempo bem à direita. E talvez tenha arrumado desculpa e vai aparecer, se for o caso, as benesses do governo para ele”, comenta Passarinho.

O cientista político e sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concorda que a acusação feita por Marcos do Val abre uma brecha e a possibilidade de um cenário de construção da direita sem Bolsonaro. Porém, ele avalia que tudo depende se o senador tem como confirmar ou não uma relação que possa comprometer Moraes.

“Nessa articulação do PL [de isolar Bolsonaro], estão apostando que Marcos do Val está mentindo sobre a existência de alguma mensagem do Alexandre de Moraes e se existiu outros encontros do Marcos do Val com o ministro. Se ele estiver mentindo, o Jair Bolsonaro e aquele pessoal mais à direita do bolsonarismo ficam descartados do processo [político] e aí o PL pode organizar de maneira autônoma uma oposição de direita e extrema-direita ao governo”, diz.

Da mesma forma, Bolsonaro e seus aliados mais fiéis podem sair fortalecidos caso do Val tenha como comprovar uma ligação com Moraes. No entendimento de Baía, configuraria uma estratégia para colocar o magistrado entre suspeitos de prevaricação em relação aos atos de 8 de janeiro, mas apenas em caso de fato novo. “Quando Marcos do Val diz que vai pedir o impedimento jurídico do Alexandre de Moraes ele tem que pedir com base em alguma coisa. E não nas histórias que ele já contou”, analisa.

Nesta sexta-feira (3), o ministro Alexandre de Moraes mandou abrir uma investigação contra Marcos do Val por suposta denunciação caluniosa, entre outros crimes.

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