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Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro
Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro| Foto: Sergio Lima/AFP

Definido como um dos pilares da gestão de Sergio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública, o combate ao crime organizado e ao crime violento é um desafio maior do que parece e as soluções não virão apenas a partir da pasta do superministro. Essa é a avaliação de especialistas em segurança pública ouvidos pela Gazeta do Povo, que apontam para a necessidade de ações integradas entre várias áreas temáticas do governo, da cultura à economia.

Moro deu um passo nesta direção no mês passado, ao anunciar a implementação de um projeto piloto para combate à criminalidade em cinco municípios do país. A ideia do projeto é integrar os governos federal, estadual e municipal nestas cidades para desenvolver ações de enfrentamento à violência, além de políticas sociais, de urbanismo, educação, cultura e de promoção econômica.

Mais do que aumentar penas e manter presos mais tempo nas cadeias, especialistas em segurança pública e sociólogos defendem ações que não necessariamente passam pelas forças de segurança para combater o crime.

“Conter essa criminalidade violenta passa por interesse político, passa por uma estratégia de pensar planos locais e nacionais de segurança pública articulados de forma interseccional e transversal com várias outras pastas, não apenas segurança, mas economia, desenvolvimento regional, direitos humanos, passa por todas as pastas hoje”, avalia Welliton Caixeta Maciel, professor de antropologia do direito e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília (UnB).

Para a professora do departamento de Sociologia da UnB Analía Sória Batista, é preciso que os governos trabalhem, além da repressão, na prevenção da criminalidade. "Segurança pública tem que se articular com dimensões preventivas da criminalidade, saúde, educação", diz a professora, que também é pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (Nevis) da universidade. "O conceito de segurança pública agora me parece estar regredindo para uma antiga visão focada na questão do combate à criminalidade. A segurança pública é um conceito que deve ser olhado de maneira mais ampla e não apenas focada no combate à criminalidade", defende.

Ao anunciar o projeto-piloto de combate ao crime, Moro pareceu ter feito a lição de casa. “Além das ações dos agentes de segurança, vão ser realizadas ações políticas de outra natureza. Por exemplo, medidas urbanísticas, políticas relacionadas a oportunidades sociais e econômicas, educação e saúde. Tudo isso focalizado a ações voltadas a diminuição da violência”, explicou o ministro. As cidades escolhidas para testar o projeto, que deve ser implementado no segundo semestre, foram Cariacica (ES), Ananindeua (PA), Paulista (PE), São José dos Pinhais (PR) e Goiânia (GO).

Diminuição da violência passa pelo combate a desigualdades

Apesar de o ministro da Justiça e Segurança Pública ter anunciado um projeto que vai ao encontro do que defendem os especialistas, ainda há mais que deve ser feito para combater a violência e o crime – e que depende de iniciativas de outras áreas do governo. O enfrentamento das desigualdades é um desses fatores que precisa ser levado em conta para diminuir a criminalidade.

“Falta o Estado pensar em diminuir desigualdades sociais de forma séria, pensando no perfil da população brasileira”, defende Maciel. “Não tem como pensar em Estado brasileiro, facções e milícias sem a gente pensar a partir dessa chave analítica de racismo e desigualdade. Esse é o ponto nevrálgico, o combate ao racismo e ao genocídio da juventude negra e pobre e da desigualdade social.”

“Tem que combater a desigualdade social”, concorda Analía. “Os jovens têm que ir para a escola, têm que ter oportunidade de emprego. Acontece que essas oportunidades que os jovens, negros, pobres têm de trabalho, sempre são oportunidades de baixa qualidade. Isso também é um problema muito sério.”

Para Maciel, um dos fatores que contribuem para a criminalidade é "a ausência do Estado em prover trabalho, moradia, educação, saúde, habitação digna, saneamento básico, transporte [que contribui para a criminalidade]". "O Estado, que deveria ser o principal promotor e defensor de direitos humanos, não consegue garantir esses direitos e se torna o principal violador."

Para Analía, é importante oferecer oportunidades de qualidade para a população mais pobre, para evitar que jovens da periferia acabem seduzidos pelas vantagens do tráfico de drogas, por exemplo. "Precisamos acolher esses jovens, precisamos colocar oportunidades reais e de qualidade para essa população. Tem que ter emprego de qualidade, educação de qualidade. Se você oferecer qualquer coisa, esse jovem vai para uma facção, com certeza", defende.

Cidades mais violentas têm mais gente na extrema pobreza

O Atlas da Violência de 2018 ajuda a entender o argumento dos especialistas. O estudo, divulgado no ano passado, mostra que as cidades mais violentas do país têm nove vezes mais pessoas na extrema pobreza que as cidades menos violentas. A publicação mostra, por exemplo, que nas cidades que registraram menos mortes em 2016, 6% das crianças são pobres, enquanto nas cidades com mais mortes no mesmo período, as crianças pobres são 25%.

Os municípios mais violentos também têm um percentual maior de jovens que não estudam nem trabalham: 14%, contra 4% de jovens na mesma situação nos municípios menos violentos, segundo o Atlas da Violência.

Política de guerra às drogas é um equívoco, dizem especialistas

Outro ponto que precisa ser repensado para um combate mais efetivo à criminalidade, segundo os especialistas, é a política de guerra às drogas adotada no Brasil nos últimos anos.

“O Estado brasileiro erra em fazer o confronto ao tráfico de droga com base na lei da ordem, com base em operações quase que de guerra para prevenir as atividades do tráfico, o que acaba tendo uma ação muito desproporcional em relação a adolescentes em situação de vulnerabilidade econômica e social”, diz Thaís Lemos Duarte, socióloga e pesquisadora de pós-doutorado da UFMG.

Para Maciel, a política de guerra às drogas acaba reforçando a desigualdade e o racismo, que na avaliação dele são causas da criminalidade. “A guerra às drogas é o pano de fundo que o Estado usa para eliminar esse estrato da população”, diz o professor. “Basta olhar o perfil de quem está preso: é negro, pobre, jovem”, defende.

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