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Jair Bolsonaro em visita ao Forte Masmak, em Riad, em 2019. Imagem ilustrativa
Jair Bolsonaro em visita ao Forte Masmak, em Riad, em 2019. Imagem ilustrativa| Foto: José Dias/PR/Arquivo

A revelação de que a Receita Federal apreendeu um conjunto de joias, avaliado em R$ 16,5 milhões e dado de presente a Jair Bolsonaro (PL) pela Arábia Saudita, em 2021, tem potencial para complicar ainda mais a situação do ex-presidente na Justiça. Ele deverá ser investigado por suposto cometimento dos crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro.

Nos Estados Unidos desde o ano passado, Bolsonaro ainda não havia escalado advogados para defendê-lo na investigação até esta segunda-feira (6). Sua linha de defesa, no entanto, foi antecipada pelo ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten, que divulgou nas redes sociais documentos oficiais que mostram uma tentativa do governo de regularizar a entrada das joias.

Os delitos citados anteriormente foram indicados pelo ministro da Justiça, Flávio Dino, que determinou nesta segunda-feira (6) que a Polícia Federal investigue o caso. “No caso, havendo lesões a serviços e interesses da União, assim como à vista da repercussão internacional do itinerário em tese criminoso, impõe-se a atuação investigativa da Polícia Federal”, escreveu no ofício ao órgão.

A Receita Federal, primeira a descobrir a tentativa de trazer as joias, e o Ministério Público Federal, a quem cabe uma eventual denúncia criminal, já trabalham juntos no caso.

Já o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se mobiliza para explorar politicamente o caso. O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência, Paulo Pimenta, disse que as joias eram “propina”. “Na hora em que o governo estava negociando a venda de uma refinaria para o mundo árabe, apareceu esse presente”, disse, em vídeo espalhado nas redes sociais. Apesar das declarações, caberá à PF investigar o que de fato ocorreu.

Sequência de fatos sobre as joias e documentos oficiais

O imbróglio começou no dia 26 de outubro de 2021, quando um auxiliar direto do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, foi abordado por fiscais da Receita Federal ao desembarcar no Aeroporto de Guarulhos. Ele chegava de Riad, onde acompanhou o ministro num evento sobre energia limpa promovido pelo reino da Arábia Saudita. Trazia na bagagem um colar, par de brincos, anel e relógio de diamante da famosa marca suíça Chopard.

Os itens não haviam sido declarados e os auditores informaram ao assessor e ao ministro que eles só seriam liberados se pagassem imposto de 50% do valor mais multa de 25%, o que daria R$ 12,3 milhões, ou tratassem de incorporar os bens ao acervo da Presidência.

Questionado pela reportagem, Wajngarten disse que Bolsonaro “jamais tentou se ‘apropriar’ de joias de forma privada. Nem ele e nem qualquer integrante do Governo. O que sempre se tentou foi reaver para o patrimônio da União as joias presenteadas pela Arábia Saudita”.

Para comprovar isso, apresentou uma série de documentos, trocados entre diferentes órgãos do governo nos dias seguintes, para mostrar a tentativa de liberação das joias.

O primeiro é um ofício de 28 de outubro, dois dias após a apreensão, de José Roberto Bueno Junior, então chefe de gabinete de Bento Albuquerque, a Marcelo da Silva Vieira, chefe-adjunto do setor de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal da Presidência. No documento, ele disse que “se faz necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”, o que indicava uma tentativa de regularizar os bens.

No dia seguinte, Vieira respondeu e informou que fazia parte do setor que recolhe, organiza e preserva os objetos colecionados pelo presidente ao longo do mandato. Citando normas que regulam o assunto, informou que o órgão analisaria o caso para “incorporação ao acervo privado do Presidente da República ou ao acervo público da Presidência da República”. Ou seja, seria analisada a possibilidade de Bolsonaro ficar com as joias ou se era o caso de elas passarem a fazer parte do patrimônio da União, como um bem de Estado.

Para essa análise, os presentes deveriam ser registrados num formulário próprio, estabelecido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2016 – na época, o órgão de fiscalização definiu que só poderiam fazer parte do acervo privado “itens de natureza personalíssima ou de consumo direto pelo presidente da República”.

Na semana seguinte, em 3 de novembro, José Roberto Bueno Junior, do Ministério de Minas e Energia, enviou outro ofício, dessa vez dirigido ao chefe de gabinete do então secretário da Receita, para tratar da “liberação e decorrente destinação legal adequada” dos presentes recebidos na Arábia Saudita. Neste documento, relatou que Bento Albuquerque, representando Bolsonaro, participou de almoço com o ministro da Energia da Arábia Saudita.

“Considerando a condição específica do Ministro – representante do Senhor Presidente da República; a inviabilidade de recusa ou devolução imediata de presentes em razão das circunstâncias correntes; e os valores histórico, cultural e artístico dos bens ofertados; faz-se necessário e imprescindível que seja dado ao acervo o destino legal adequado”, dizia o ofício.

Informou ainda que já havia comunicado o setor de Documentação Histórica, a fim de que fosse analisado que destino seria dado às joias.

Em 12 de novembro, a Receita Federal respondeu ao Ministério de Minas e Energia. No ofício, encaminhou uma nota técnica esclarecendo as providências necessárias junto à Receita para liberar os presentes, bem como o contato da alfândega do Aeroporto de Guarulhos, onde as joias ficaram retidas.

Em 22 de novembro, Bento Albuquerque enviou uma carta em inglês ao ministro da Energia saudita, Abdulaziz Al Saud, agradecendo pela participação do Brasil no evento e exaltando o potencial de cooperação entre os dois países. No final da carta, referindo-se "aos presentes gentilmente oferecidos pelo governo saudita", o ministro brasileiro informou que “devido ao seu valor artístico e material, eles foram devidamente incorporados ao acervo oficial brasileiro, de acordo com a legislação nacional e ao código de conduta da administração pública”.

É com base nesses documentos que os aliados de Bolsonaro querem livrá-lo da suspeita de que teria tentado se apoderar das joias de forma privada. “Todas as ações dele e dos agentes do governo tiveram a intenção de reaver o bem público. Jamais houve qualquer outra intenção”, afirma Wajngarten.

Para ele, quem está por trás da revelação do caso na imprensa é o atual governo, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, interessado em usar a máquina estatal para perseguir um adversário político. “O Bolsonaro teve 50% dos votos há 4 meses. É fundamental [para o governo petista] que haja uma desconstrução do maior líder da oposição.”

Pesa contra Bolsonaro o fato de, no final do ano passado, próximo ao fim de seu mandato, ele mesmo ter tentado, por meio de auxiliares diretos, liberar as joias junto à Receita. Já havia se passado mais de um ano após as primeiras tentativas do governo de regularizar a entrada dos presentes ao país.

No dia 28 de dezembro de 2022, três dias antes do fim do mandato de Bolsonaro, o então secretário da Receita Federal, Julio Cesar Viera Gomes, enviou um ofício para a alfândega do aeroporto em São Paulo pedindo a liberação das joias. Os fiscais responderam que só liberariam mediante pagamento do imposto. No mesmo dia 28, o gabinete do ex-presidente Jair Bolsonaro enviou ofício à Receita cobrando a devolução. Novamente, o pedido foi negado pela alfândega.

Em 29 de dezembro, o ex-presidente enviou a Guarulhos, num voo da Força Aérea Brasileira (FAB), o sargento da Marinha Jairo Moreira da Silva, um de seus ajudantes de ordens. Os itens, no entanto, permaneceram apreendidos pela Receita.

O que dizem Bolsonaro e Michelle sobre as joias

Questionado nos Estados Unidos sobre o caso, Bolsonaro disse que as joias iriam para o acervo da Presidência, e não para si.

“Eu estava no Brasil quando esse presente foi acertado lá nos Emirados Árabes para o ministro das Minas e Energia. O assessor dele trouxe, em um avião de carreira, e ficou na Alfândega. Eu não fiquei sabendo. Dois, três dias depois a presidência notificou a alfândega de que era para ir para o acervo. Até aí tudo bem, nada demais. Poderia, no meu entender, a alfândega ter entregue. Iria para o acervo, e seria entregue à primeira-dama. O que diz a legislação? Ela poderia usar, não poderia desfazer-se daquilo”, disse ao SBT.

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro disse, pelas redes sociais, que não sabia das joias. “Quer dizer que eu tenho tudo isso e não estava sabendo?”, postou no Instagram.

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