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Viagem de Bolsonaro a Israel
Na viagem de Bolsonaro a Israel, o presidente da República foi pessoalmente recebido pelo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.| Foto: PR

Com a casa pegando fogo no Brasil e um anfitrião preocupado com a reta final de uma campanha eleitoral incerta, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) se despediu mais cedo de Jerusalém nesta quarta-feira (3). De lá, traz para casa alguns acordos assinados, a intenção de maior aproximação após a viagem de Bolsonaro a Israel - que ainda precisa se concretizar - e a indefinição de uma das maiores bolas divididas de seu governo: a transferência da embaixada brasileira no país de Tel Aviv para Jerusalém.

Bolsonaro embarcou para Israel com um cardápio de soluções sobre a mesa que vinha sendo discutido pelo Itamaraty desde o período eleitoral de 2018: anunciar a transferência de embaixada, mas manter o embaixador morando em Tel Aviv; anunciar o reconhecimento de Jerusalém Ocidental como capital de Israel, mas condicionar a transferência à conclusão do processo de paz com os palestinos; abrir um centro cultural na cidade; ou abrir um escritório de representação comercial, fosse da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) ou do próprio Itamaraty, hipótese que acabou confirmada.

No comunicado oficial da visita, assinado no domingo (31), o Brasil divulga a criação de um escritório comercial “para a promoção do comércio, investimento, tecnologia e inovação”. O anúncio tinha sido descartado horas antes pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general Augusto Heleno. Contudo, o ministro das relações exteriores interino do país anfitrião, Yisrael Katz, queimou a largada e agradeceu a abertura do escritório em uma postagem no Twitter, em que aparece em uma foto com chanceler brasileiro, Ernesto Araújo. O anúncio oficial foi feito em seguida.

Como foi a viagem de Bolsonaro a Israel

O desencontro de informações sobre Jerusalém reflete as tensões em torno do tema nos últimos meses: enquanto o chanceler Ernesto Araújo e o grupo que orbita o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL) desejavam uma aproximação mais contundente com a viagem de Bolsonaro a Israel, o vice-presidente Hamilton Mourão, o grupo militar e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS) trabalhavam para colocar a ideia em banho-maria, refletindo a preocupação de exportadores brasileiros de proteína halal – cujo manejo respeita as regras da religião muçulmana.

Observadores ressaltaram que a decisão do governo brasileiro acabou desagradando gregos e troianos – ou, no caso, israelenses e palestinos. Diplomatas israelenses ouvidos reservadamente, no entanto, destacam que o anúncio de um escritório em Jerusalém foi visto como medida positiva, porque seria “parte de uma aproximação estratégica” em diversos campos. Diplomatas brasileiros que atuam na área tem a mesma percepção, porque o anúncio do escritório seria algo que “desagradou todo mundo muito pouco, em vez de desagradar intensamente só um lado”. Apontam como prova disso a ausência de qualquer manifestação para a representação brasileira na Palestina e de declarações fortes dos países árabes sobre a decisão do Brasil.

Veja também - Não é só a Palestina: evangélicos e ruralistas protestam contra escritório em Jerusalém"

De qualquer maneira, tanto o presidente quanto o filho Eduardo Bolsonaro - já batizado de chanceler informal pela imprensa - deixaram claro que as polêmicas não devem acabar tão cedo, ao dizer que a ideia de transferir a embaixada para Jerusalém não está descartada, algo que até agora somente Estados Unidos e Guatemala fizeram. Lideranças evangélicas que apoiam a medida, como o pastor Silas Malafaia, também manifestaram confiança de que a promessa de campanha de Bolsonaro será cumprida até o final do mandato.

Mas, se depender das palavras do governo, os árabes não devem ser esquecidos. Nesta terça-feira (2), na saída do encontro com empresários em Raanana, aberto por Bolsonaro e Netanyahu, o chanceler Ernesto Araújo afirmou a jornalistas que o governo não estuda no momento nenhuma mudança de sua posição em relação à Palestina e que o presidente gostaria de visitar outros países do Oriente Médio, incluindo países do Golfo, e também deseja ir ao Norte da África. "Gostaríamos de visitá-los em breve", afirmou.

Araújo também buscou minimizar qualquer significado diplomático mais agressivo da visita do presidente Jair Bolsonaro ao Muro das Lamentações na segunda-feira (1º), acompanhado do primeiro-ministro Israelense. Como o muro fica em Jerusalém Oriental, reivindicada pelos palestinos como capital de seu Estado, chefes de Estado estrangeiros evitam visitar o local acompanhados de autoridades israelenses. Para o chanceler brasileiro, contudo, a visita foi “apenas um momento de homenagem à religião judaica” e não uma questão política.

Após escritório em Jerusalém, momento é de aguardar desdobramentos

Críticos de uma eventual transferência da embaixada para Jerusalém apontam a possibilidade de represália comercial dos países árabes e muçulmanos e a perda de isenção do Brasil no conflito entre árabes e palestinos, que se arrasta desde 1947, mas estão em compasso de espera para avaliar os próximos passos do governo brasileiro.

Embaixador da Autoridade Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben diz que, embora o governo brasileiro não tenha respondido ao convite enviado para que o presidente Bolsonaro visitasse os territórios palestinos, a Autoridade espera que o convite ainda seja acolhido. Alzeben também afirmou que não foi chamado para consultas em Ramala, como chegou a ser divulgado, e que a orientação que recebeu de seu governo é, por enquanto, aguardar.

O embaixador da Palestina destaca ainda que a abertura de um escritório comercial brasileiro na parte ocidental de Jerusalém, sem o status diplomático, não é questionada pela Autoridade Palestina. “O que pedimos que ao Brasil, que tem uma política equilibrada, é que abra um escritório semelhante na parte oriental [de Jerusalém] para cuidar dos negócios com a Palestina”, afirma, ressaltando que a Autoridade Palestina não tem nenhum interesse em fazer aumentar a temperatura da polêmica.

Tradicionalmente, o Brasil apoia o consenso internacional sobre o assunto desde o plano de partilha entre Israel e Palestina, estabelecido pela Assembleia Geral da ONU, em 1947. Depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, o país se alinha às resoluções, inclusive do Conselho de Segurança da ONU, que condenam a ocupação israelense sobre territórios da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental, que os palestinos reivindicam como capital de seu futuro Estado. Já os israelenses, desde 1980, estipulam por lei Jerusalém “unida e indivisível” como capital de Israel, uma ação também condenada pela comunidade internacional.

Alzeben lembra ainda que os países árabes, no mesmo domingo (31) em que Israel e Brasil assinaram sua declaração conjunta, reafirmaram sua posição sobre o conflito israelo-palestino. Segundo o embaixador, o comunicado da 30ª sessão da Cúpula de Países Árabes realizada na Tunísia, convocada exclusivamente para “dar seguimentos aos desdobramentos políticos da questão palestina e do conflito árabe-israelense e para reativar a Iniciativa para a Paz Árabe”, proposta em 2002 e ratificada em 2007 e 2017.

Risco de retaliações comerciais ao Brasil

Ainda segundo Alzeben, o comunicado, que ainda não está traduzido para o inglês, reafirma, entre outros pontos, a posição de que a causa palestina é questão de todas as nações árabes, de que todos os países membros devem tomar todas as medidas práticas necessárias para enfrentar qualquer decisão de qualquer país que considere Jerusalém como capital de Israel ou que trate de transferir sua embaixada para ela.

A possibilidade retaliações comerciais – que o Itamaraty vê como menos prováveis entre os países do eixo sunita dos países árabes, liderados pela Arábia Saudita, que se aproximam informalmente de Israel, apoiados pelos Estados Unidos – preocupa exportadores brasileiros. Segundo dados da Câmara de Comércio Brasil-Países Árabes, os países árabes responderam por 31,4% das compras de proteína halal brasileira em 2017. No mesmo ano, o Brasil forneceu 51,9% de todas as compras desses produtos nos mesmos mercados.

Entre os países árabes, os maiores compradores do Brasil são Egito (US$ 2,13 bilhões em exportações em 2018), Arábia Saudita (US$ 2,1 bilhões), Emirados Árabes Unidos (2 US$ bilhões) e Argélia (US$ 1 bilhão), todos alinhados ao eixo sunita. Em 2018, a exportação total do Brasil para os países árabes foi de US$ 11,5 bilhões e a Câmara de Comércio trabalha com a perspectiva de que essa cifra alcance US$ 20 bilhões em 2022. Já o Irã, rival da Arábia Saudita, comprou US$ 2,27 bilhões do Brasil no ano passado.

Ainda entre os países com larga maioria de muçulmanos, o Brasil exportou US$ 5,5 bilhões para Turquia, Indonésia, Paquistão e Bangladesh. A Índia, embora tenha pouco menos de 15% da população de muçulmanos, tem a terceira maior população dessa religião no mundo. Em 2018, o Brasil exportou US$ 3,9 bilhões para o país.

Para Rubens Hannun, presidente da Câmara de Comércio Brasil-Países Árabes, “um escritório comercial é sempre interessante para estreitar o relacionamento comercial, mas nesse caso, especificamente, é um movimento que não precisaria ser feito”.

Hannun destaca que o Brasil deveria resgatar a posição de equilíbrio no conflito, abrindo um escritório do mesmo tipo em Jerusalém Oriental e ligado à embaixada brasileira em Ramala, mas diz que ainda não recebeu nenhuma sinalização negativa do empresariado brasileiro ou de parceiros árabes. “Está todo mundo ainda olhando para entender os desdobramentos. É um pouco prematuro avaliar agora”, afirma.

Quem também criticou o anúncio do governo brasileiro foi o Hamas, grupo palestino considerado terrorista por Estados Unidos e aliados e pela União Europeia. Nesta terça-feira (2), o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que acompanha o pai na viagem, postou em seu Twitter uma foto de uma reportagem sobre o tema em que dizia “Quero que vocês se EXPLODAM!!!”. A manifestação irritou até o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e Flávio acabou apagando o tweet.

Acordos assinados ainda são tímidos

Além do anúncio sobre abertura do escritório comercial, Brasil e Israel assinaram no domingo (31) cinco acordos. O mais importante, o Acordo de Cooperação em Ciência e Tecnologia, prevê a condução de pesquisas e o desenvolvimento de projetos em conjunto, bem como a troca de materiais entre os países. O instrumento anterior, de 1962, era apenas um memorando de entendimento e, por não passar pelo Congresso Nacional, não permitia que o Tesouro brasileiro fizesse aportes de recursos públicos nos programas.

Também foram assinados um Acordo de Cooperação em Segurança Pública, Prevenção e Combate ao Crime Organizado, que prevê troca de informações, iniciativas conjuntas em várias áreas, a criação de um grupo de trabalho para aprofundar a relação e de um ponto de contato nos dois países; um Acordo de Cooperação em Defesa, que prevê a coparticipação em projetos e pesquisas, troca de tecnologias, e educação militar; e um Acordo Sobre Serviços Aéreos, que operacionaliza uma série de garantias e facilidades no trânsito aéreo entre os países.

No saldo da viagem de Bolsonaro a Israel, os países assinaram ainda um Memorando de Entendimento sobre Cooperação na Área de Segurança Cibernética, que tem como objetivo, segundo o GSI, “trocar informações e cooperar para fortalecer a segurança das infraestruturas nacionais e setoriais de informações, em áreas como a detecção de incidentes de segurança cibernética”, como ataques a sites na internet e falsificação de páginas oficiais.

Para Vinícius Vieira, professor de relações internacionais da FGV-SP, embora os acordos ainda sejam muito genéricos, eles “abrem espaço para a colaboração entre universidades e, na área de cybersecurity (segurança cibernética ), e para o Brasil ter acesso a tecnologia de ponta na área”. Vieira, no entanto, ressalva que as vantagens que possam surgir daí só poderão ser avaliadas no longo prazo, quando houver mais clareza sobre eventuais prejuízos que o comércio venha a sofrer com a aproximação ideológica com Israel.

Já Samuel Feldberg, professor de relações internacionais da USP e pesquisador convidado da Universidade de Tel Aviv, é mais duro na avaliação. “Creio que a visita pode ser resumida em uma cortesia diplomática em troca da presença de Netanyahu na posse de Bolsonaro”, diz. “O escritório em Jerusalém é uma farsa, frustrou os israelenses e ofendeu os palestinos. Todos os acordos já estavam negociados, a assinatura é só um show de mídia. E, no final, Bolsonaro descobre que não tem mais nada para fazer aqui, que Netanyahu está mesmo preocupado com a campanha eleitoral e, portanto, encurta a visita”, afirma ainda.

Em entrevista à Gazeta do Povo na semana passada, Fabrizio Panzini, gerente de Negociações Internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirmou que um bom caminho para aquecer a relação dos países no curto prazo, além de reativar o potencial do comércio, seria os países ratificarem o acordo previdenciário assinado em fevereiro de 2018, o que ainda depende do Congresso Nacional, lançar negociações de um Acordo de Comércio e Facilitação de Investimentos (ACFI).

Na declaração conjunta assinada pelos países, Bolsonaro e Netanyahu reconhecem sinergias que “devem ser mais exploradas para estimular investimentos recíprocos, que estão aquém do nível e da complexidade das economias dos dois países”, mas não anunciam nem orientam a nenhuma ação mais concreta em que suas equipes deveriam centrar esforços a partir de agora.

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