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Brasil "adia" vaga no Conselho de Segurança da ONU para priorizar OCDE e 5G
Bolsonaro durante a assembleia-geral da ONU em 2019: pleito histórico por vaga no Conselho de Segurança deixou de ser prioridade.| Foto: Alan Santos/PR

O histórico sonho do Brasil de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) foi adiado. A política externa do governo do presidente Jair Bolsonaro decidiu priorizar o ingresso do país na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – o "clube" das nações desenvolvidas.

Além disso, o governo vem usando o possível apoio de outras nações à reivindicação brasileira por um assento no Conselho de Segurança como "moeda de troca" em negociações diplomáticas que venham a beneficiar a posição brasileira em outros assuntos mais "urgentes". É o caso da tecnologia 5G e de um acordo global sobre vacinação contra a Covid-19.

Por que a OCDE é mais prioridade do que o Conselho de Segurança da ONU

A entrada do Brasil na OCDE é admitida dentro do Itamaraty como prioridade da política externa muito maior do que a conquista de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. "Em linhas gerais, OCDE é hoje um objetivo bem mais prioritário. Basta ver o quanto se falou de um assunto [a OCDE] e de outro [o conselho] neste governo”, diz uma fonte do Itamaraty ouvida pela Gazeta do Povo.

Um dos principais argumentos a favor da entrada na OCDE é que, para fazer parte do "clube" dos países ricos, a nação tem de cumprir uma série de requisitos na área econômica. E, na prática, ao ingressar na OCDE a nação ganha uma espécie de selo de país com segurança para investimentos – o que tende a atrair capital e gerar desenvolvimento.

Para especialistas, a prioridade que a diplomacia brasileira vem dando ao ingresso na OCDE é uma estratégia acertada. O analista político Luan Madeira, consultor da BMJ Consultores Associados, entende que a entrada do Brasil na organização é, hoje, uma demanda mais “tangível”. “Não faria tanto sentido depreender esforços para a reforma do Conselho de Segurança da ONU, sendo que essa reforma é uma pauta extremamente complexa, que envolve questões geopolíticas complexas. Hoje, a maioria dos analistas concorda que é, de fato, um pleito importante, mas um pleito que é mais teórico, mais simbólico. Dificilmente avançaria assim, principalmente no curto prazo”, diz o analista.

Entre os obstáculos geopolíticos para a reforma das Nações Unidas, Madeira cita a resistência da China em permitir a entrada do Japão no Conselho de Segurança da ONU.

O atual relacionamento entre o Brasil e os Estados Unidos, que também desagrada os chineses, igualmente é elencado pelo especialista em relações internacionais como apenas outro entrave. “As questões geopolíticas são complexas porque têm muitas peças em movimento. A questão do relacionamento entre Brasil e EUA com certeza tem algum peso e influência”, diz.

A demanda brasileira pela cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, no entanto, apenas está sendo adiada. Madeira lembra que esse é um pleito histórico do Brasil que não é de interesse apenas do Itamaraty, mas também dos militares. “O Brasil tem com o que contribuir nesse fórum e seria uma grande vitória, porque solidificaria o Brasil como principal potência na América do Sul. Mas, hoje, é algo mais simbólico, porque dificilmente algo acontecerá por agora”, justifica.

O problema da falta de dinheiro para bancar a cadeira na ONU

O analista político Márcio Coimbra, coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Mackenzie, também concorda que o ingresso do Brasil à OCDE deve ser a atual prioridade.

Ele diz que, ao mesmo tempo em que ter um assento permanente no Conselho de Segurança solidificaria o Brasil como principal potência na América do Sul, isso também traria custos.

“Um país com assento no conselho precisa colocar suas Forças Armadas no mesmo nível de treinamento das Forças Armadas dos outros países do membros. Precisa custear operações de paz. Precisa doar muito do seu país ao sistema internacional. E o Brasil ainda não está nessa condição”, diz Coimbra. "Precisamos de equilíbrio fiscal e tanta coisa na nossa economia. Neste momento, o Brasil não tem musculatura econômica para arcar com os custos da presença no Conselho de Segurança.”

Por outro lado, ele afirma que a entrada do Brasil na OCDE pode abrir as portas do Brasil a melhores acordos comerciais e, assim, favorecer a atividade econômica.

Para ele, o ingresso na OCDE também pode abrir as portas para outros fóruns internacionais mais estratégicos. “Eu acho que o Brasil estaria em outro patamar entrando na OCDE. E, a partir daí, outras portas se abriram naturalmente. Acho que o Conselho de Segurança é forçar o Brasil a uma situação onde ele não se encontra”, diz Coimbra.

“Precisamos discutir o acordo do Mercosul com a União Europeia para colocar em marcha. Tratar de acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Acho que o Brasil estando dentro da OCDE nos qualifica para tratar de acordos de livre comércio com outros blocos. O Brasil estaria em outro patamar entrando na OCDE”, complementa Márcio Coimbra.

Conselho de Segurança da ONU como "moeda de troca" do 5G

O Brasil também vem usando seu antigo pleito por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU como "moeda de troca" em negociações de outros temas de seu interesse em fóruns internacionais.

Recentemente, por exemplo, o Brasil abriu mão de ter apoios neste momento para uma reforma no Conselho de Segurança da ONU como medida para facilitar as negociações de um acordo com os países do Brics – grupo formado por Rússia, Índia, China e África do Sul, além do Brasil – na área de vacinação contra a Covid-19 e na área de telecomunicações. Nesse último caso, o Brasil entendeu que esse acordo facilita a posição diplomática brasileira sobre a tecnologia 5G.

Em novembro, chamou a atenção a supressão, na declaração conjunta no encerramento da cúpula do Brics, do trecho em que China e Rússia manifestariam apoio à reforma da ONU. A expectativa era de que as duas nações iriam defender que os demais membros do grupo pudessem desempenhar “papéis mais relevantes” nas Nações Unidas.

Na prática, essa declaração representaria um apoio a mudanças no Conselho de Segurança. Do ponto de vista da diplomacia ter o apoio de Rússia e China – integrantes permanentes do Conselho de Segurança – significaria um importante passo para as aspirações brasileiras.

A supressão do trecho logo foi interpretada em alguns meios como uma tentativa especialmente da China em retaliar o Brasil por causa da posição do governo Bolsonaro de alinhamento com os Estados Unidos contra a tecnologia 5G chinesa e contra a Coronavac, a vacina anticoronavírus desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac.

O governo, contudo, nega que o Brasil tenha aceitado a supressão do texto por pressão da China. Fonte do Itamaraty afirma à Gazeta do Povo que não houve tentativas da China de retaliar o Brasil . “A rejeição a essa frase foi sul-africana, não chinesa”, diz ele.

A rejeição sul-africana foi uma forma de protesto. Após tantos anos reivindicando, sem sucesso, o apoio de Rússia e China à reforma da ONU (que também interessa à África do Sul), o país africano sugeriu não incluir esse trecho. Brasil e Índia concordaram com os sul-africanos. “A China nunca pediu a retirada. Concordamos no final, juntamente com a Índia, como forma de mostrar insatisfação com o 'congelamento' do parágrafo por vários anos”, explica o interlocutor.

Mas, em troca de não insistir na inclusão do parágrafo sobre a ONU no comunicado final da cúpula do Brics, a diplomacia brasileira negociou trechos da declaração conjunta que, no seu entender, beneficiam sua posição em relação principalmente à tecnologia do 5G e à vacinação contra o coronavírus.

“O trecho [parágrafo] era parte do pacote que permitiu destravar os parágrafos sobre TICs [tecnologias de informação e comunicação, que envolve o 5G] e vacinação da Covid-19, acordados em termos muito favoráveis ao Brasil”, explica um técnico do Itamaraty.

Em setembro, ministros das comunicações do Brics haviam firmado uma declaração que prevê a cooperação mútua entre os países do bloco para o desenvolvimento de pesquisas e ações voltadas para esses setores. No caso do 5G, o acordo gira em torno de incentivar o desenvolvimento contínuo de internet segura, aberta e confiável que preserve a integridade, estabilidade e segurança. Em suma, o objetivo é assegurar o desenvolvimento através da interação entre governos, setor privado e comunidade acadêmica.

No entendimento do Itamaraty, o "destravamento" de parágrafos referentes às telecomunicações na declaração conjunta da cúpula do Brics de novembro reforça a declaração de setembro, e respalda as iniciativas brasileiras sobre o 5G. Recentemente, o governo brasileiro anunciou o apoio à iniciativa Clean Network (Rede Limpa, em português), lançada pelo governo do presidente dos EUA, Donald Trump. A iniciativa propõe banir a Huawei e outras fabricantes chinesas do fornecimento de equipamentos para a tecnologia 5G.

A diplomacia brasileira, entretanto, não fala abertamente em aderir a um programa norte-americano anti-China. “O Brasil apoia os princípios contidos na proposta do Clean Network feita pelos Estados Unidos, inclusive na OCDE, destinados a promover, no contexto do 5G e outras novas tecnologias, um ambiente seguro, transparente e compatível com os valores democráticos e liberdades fundamentais”, disse o secretário de Negociações Bilaterais e Regionais nas Américas, Pedro Miguel da Costa e Silva.

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