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Sessão plenária da COP27, no Egito.
Sessão plenária da COP27, no Egito.| Foto: Divulgação/ONU

A 27.ª edição da Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP 27) deve marcar o primeiro "embate" entre o governo de Jair Bolsonaro (PL) com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após o segundo turno. Tanto o atual governo como a equipe de Lula estão representadas na cúpula do clima, que está sendo realizada em Sharm El Sheikh, no Egito. E Lula vai comparecer à COP 27. Bolsonaro não deve ir. E ambas as delegações estão na cúpula do clima com focos diferentes, mas não necessariamente excludentes.

O atual governo está no Egito com o objetivo de posicionar o Brasil como uma potência de energia limpa e em defesa à implementação de um mercado global de créditos de carbono. Trata-se de espécie de "moeda" comercializável entre empresas e países que não conseguem atingir suas metas de redução da emissão de gases causadores do efeito estufa e que, por isso, compram créditos de carbono de quem preserva áreas verdes ou promove ações sustentáveis. Como o Brasil tem uma extensa área florestal preservada, teria muito a ganhar financeira no mercado dos créditos de carbono.

Já a delegação de Lula está na COP 27 tem falado que o futuro governo não vai condicionar a preservação das florestas brasileiras ao pagamento internacional – como diz que o atual governo faz.

O foco do novo governo será discutir o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), que analisa vulnerabilidades, capacidades e limites para se adaptar ao cenário de mudanças climáticas. Outros pontos que o governo eleito deve defender são compromissos de combate ao desmatamento ilegal e de fixação de uma meta de Contribuição Nacional Determinada (NDC, em inglês) mais ambiciosa para o Brasil – ou seja, a contribuição que o país dará para evitar as mudanças no clima.

O deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), que é um dos parlamentares que viajará ao Egito para acompanhar a COP 27, entende que as agendas e prioridades de ambas as gestões não são necessariamente conflitantes. Mas ele reconhece que a presença de ambas as delegações pode "direcionar um pouco os holofotes" para Lula e para os compromissos que o governo eleito pode assumir a partir de 2023.

"Não diria que há agendas conflitantes. Mas, obviamente, a participação do governo vai ficar em cima do que efetivamente for cumprido e apresentado. O Lula vai chegar lá apresentando quais são os compromissos que ele terá em seu governo e, a depender do que apresente, poderá ter realmente uma presença mais forte do que a do atual governo [no cenário internacional]. Ele será um dos protagonistas em relação à política externa no Brasil", diz.

Cajado pondera, no entanto, que a delegação de Bolsonaro pode apresentar ao mundo os resultados da redução de queimadas na Amazônia em relação a anos anteriores e como o país tem ampliado sua matriz energética, não apenas a hidrelétrica. "Há uma série de ações feitas pelo governo que serão apresentadas", diz. Para ele, as medidas colocam o Brasil em posição de debater compromissos não cumpridos por países na redução das emissões de gases de efeito estufa.

A analista política Amanda Roza, consultora de sustentabilidade da BMJ Consultores Associados, avalia que a presença de ambas as delegações pode impor desafios a acordos potenciais. "As negociações bilaterais do governo Bolsonaro talvez não tenham muitos frutos porque estamos no final do governo. É possível que o Brasil tenha a possibilidade de se recolocar no cenário internacional com as novas diretrizes do governo eleito, e não com as políticas que já vinham sendo implementadas", diz.

Mas a especialista também afirma que as políticas priorizadas por ambas as delegações não são conflitantes. "Os temas não divergem tanto", justifica. Amanda cita como exemplo o financiamento climático e a busca por fundos para a defesa ambiental defendido por ambos os governos. "A divergência que existe é que o governo Bolsonaro busca mais [recursos], acha que [os projetos] têm que ser financiados [por dinheiro externo], e o governo Lula é pouco mais moderado."

Amanda Roza entende que o intuito do governo Bolsonaro para a COP 27 é mostrar o resultado dos últimos quatro anos a fim de defender o legado da política ambiental para equilibrar a participação de Lula. Ela reforça, porém, que a delegação pode enfrentar dificuldades e entende que pode assumir um protagonismo apenas "relativo".

"Acredito que a participação oficial do Brasil até tenha algum fruto para atração de investimentos para os projetos de energias renováveis, que teve uma regulação recém-lançada. Mas ainda é um tema de 'nicho'. E eu visualizo que vai ter uma dificuldade muito grande em se estabelecer qualquer acordo que seja de médio e longo prazo, até de curto, porque os stakeholoders [partes interessadas] importantes para a política ambiental brasileira tradicionalmente vislumbram conversar com o próximo chefe de Estado", afirma.

Sobre a delegação de Lula, a analista Amanda Razo prevê encontros do presidente eleito com as delegações da Alemanha e Noruega – financiadoras do Fundo Amazônia e que deixaram de fazer contribuições por discordar das políticas de Bolsonaro. Ela acredita que essas agendas ajudarão a dar protagonismo à comitiva do governo eleito. "São países que Bolsonaro perdeu diversas oportunidades de diálogo na questão do Fundo da Amazônia e que não vão estar focados em se encontrar com o governo."

Aliado do governo, o deputado federal Sérgio Souza (MDB-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), estará na COP 27 como um dos representantes da Câmara. Ele acredita que a presença de Lula e comitiva não isolará a delegação oficial. "Quem fala pelo país é o governo brasileiro através de seus órgãos. O presidente eleito não tem palavra na hora de sentar à mesa nas negociações, nem participa. Vai participar de eventos paralelos. No máximo, pode ser um convidado para palestrar e ter uma fala na assembleia, alguma coisa nesse sentido. Mas não tem poder decisório fora disso", diz. "O Brasil já deu sinais de protagonismo muito relevante na COP e não tenho dúvidas de que vai no mesmo caminho."

O presidente da FPA diz que representará a bancada ruralista na COP 27 para fortalecer o compromisso do Brasil e do atual governo com a agenda ambiental e climática, e do setor agropecuário com a agricultura sustentável de baixo carbono mesmo pelas imposições da "severa" legislação ambiental brasileira.

O debate de implementação de um mercado global de créditos de carbono também estará no centro dos debates da FPA e da delegação do governo. "Uma das propostas principais é essa questão da precificação do carbono. Olha o papel do Brasil, o quanto o Brasil oferece. Agora, precisamos fazer o mundo entender de que o que nós fazemos aqui também tem que ter um preço", sustenta Souza, em referência às demandas por financiamento das soluções climáticas propostas pelo Ministério do Meio Ambiente.

O que mais a delegação de Bolsonaro vai defender na COP 27

A delegação de Bolsonaro está na COP 27 com a proposta de apresentar ao mundo o potencial de geração excedente de "energias verdes". A meta é posicionar o país como um protagonista no assunto a fim de arrecadar investimentos para o país. O objetivo do governo federal é encerrar a gestão com "chave de ouro" e enaltecer o legado ambiental da atual gestão.

O Ministério do Meio Ambiente deve frisar que a matriz energética do Brasil se destaca com um índice fontes renováveis de 84%, acima da média mundial, de 27%, segundo informa a pasta. O governo sustenta que energias solar e eólica bateram recordes de produção neste ano, respectivamente 14 GW e 22 GW. Somadas, essas duas fontes são suficientes para fornecer energia limpa para mais de 40 milhões de brasileiros. Os projetos de eólicas offshore, aquelas abastecidas por ventos em alto mar, serão destacados.

O governo também quer mostrar ao mundo as medidas adotadas para promover a restauração da vegetação nativa em todos os biomas do Brasil. A meta é recuperar pelo menos 12 milhões de hectares até 2030 – principalmente em áreas de preservação permanente, reserva legal e terras degradadas com baixa produtividade. A medida faz parte do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg).

Como Lula pode esvaziar a delegação do governo na COP 27

O presidente eleito Lula vai à COP 27 com o objetivo de mostrar ao mundo o compromisso de seu futuro governo com a agenda ambiental. A delegação petista e aliados que compõem a comitiva querem mostrar que a Amazônia e os demais biomas brasileiros estarão no centro das prioridades da agenda internacional e ambiental ao longo dos próximos quatro anos.

O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), vice-líder do partido na Câmara, diz que a expectativa é positiva para a COP 27. Ele diz que é uma oportunidade para discutir o novo relatório do IPCC. "Agora, chegou o momento decisivo. Acredito que, aqui, vamos avançar naquilo que está definido como a pauta, que é a definição dos meios para a implementação dos acordos [para a redução das emissões de gases], principalmente o debate financeiro."

A base aliada de Lula entende que o resultado das urnas e a participação do petista na COP 27 será oportuna para o Brasil assumir o protagonismo nas discussões climáticas. Tatto, que foi um dos deputados a viajar à cúpula, entende que o petista se credencia a isso pelo fato de, desde a campanha, ter anunciado a intenção de retomar a agenda ambiental e climática, de enfrentar o desmatamento e diminuir as emissões de gases de efeito estufa.

"Isso evidentemente faz o Brasil voltar a ter protagonismo internacional, e a expectativa de que Lula venha a se tornar uma liderança importante no âmbito internacional – inclusive para chamar a responsabilidade do conjunto dos países de que precisa fazer muito mais do que todo mundo está fazendo agora para enfrentar a crise climática. A expectativa é muito grande, tanto do ponto de vista dos resultados, como do resultado das eleições – que traz de volta o Brasil como protagonista pela figura do presidente Lula", diz.

A perspectiva de protagonismo assumido por Lula leva Tatto a acreditar que "ninguém" vai acreditar em "qualquer" medida ou acordo que o governo Bolsonaro venha a propor. "Até porque na COP anterior o governo brasileiro assumiu novas metas [NDC] e, internamente no Brasil, fez tudo ao contrário. Portanto, colocou o Brasil muito longe no cumprimento das metas, inclusive as antigas. Ninguém nas negociações internacionais vai acreditar em qualquer coisa que o governo Bolsonaro vai querer implementar e fazer", afirma Tatto.

A participação de Lula não é garantia, porém, de que "pré-acordos" sejam firmados com o mundo. "Eu acho muito arriscado o Lula se comprometer com as metas firmadas pelo atual governo sem ter o quadro e a análise. Mas, no processo de transição, vai poder tomar pé", diz Tatto.

O deputado federal Carlos Veras (PT-PE), é outro deputado que estará na COP 27. Para ele, a participação de Lula é "muito mais do que apropriada" por ser o governo eleito o responsável por conduzir a política ambiental nos próximos anos. "Com Lula, o Brasil se coloca novamente como um protagonista na agenda climática mundial. Chegou a hora de o país reconectar a questão climática com a econômica e com o combate à fome e às desigualdades sociais, priorizando o desenvolvimento sustentável do nosso país", diz.

Quem vai compor as delegações de Bolsonaro e Lula

A comitiva do governo federal será representada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e por representantes do Ministério das Relações Exteriores. Não há a previsão de Bolsonaro participar da COP 27. Os principais negociadores do Itamaraty serão o secretário de Assuntos Multilaterais Políticos, embaixador Paulino Franco, e o diretor do departamento de Desenvolvimento Sustentável, embaixador Leonardo Cleaver de Athayde.

Além do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente, o governo também estará representado pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex Brasil) e contará com o apoio da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA).

Convidado pelo presidente do Egito, Abdel Fatah al-Sissi, Lula confirmou presença na COP 27. A deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP), ex-ministra do Meio Ambiente, já está no Egito. Também estarão na cúpula do clima os senadores Jean Paul Prates (PT-RN), Jaques Wagner (PT-BA), Fabiano Contarato (PT-ES), e governadores do Consórcio Amazônia Legal. O governador reeleito do Pará, Helder Barbalho (MDB), participa da elaboração das agendas junto aos demais governadores e senadores.

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