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O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro.| Foto: Kremlin/Fotos Públicas

A dívida da Venezuela com o Brasil já chegou à casa do bilhão. De acordo com o Ministério da Economia, em 29 de novembro de 2022, os atrasos do país vizinho nos pagamentos de seus débitos com o Brasil somavam US$ 1,225 bilhão, o equivalente a R$ 6,3 bilhões – já contabilizados os juros moratórios.

A dívida da Venezuela é herança de acordos fechados entre a ditadura venezuelana e empresas brasileiras, durante os governos do PT, para a contratação de serviços de engenharia do Brasil, além de empréstimos para a compra de aeronaves, carnes e lácteos. As parcelas de pagamento se encerrariam em 2024, se estivessem sendo pagas. E, se a Venezuela continuar descumprindo suas obrigações, o montante da dívida subirá em US$ 214,5 milhões até lá.

O ministério das Relações Exteriores envia periodicamente ofícios de cobrança à diplomacia venezuelana, informando o valor devido. Mas quem tem recebido as comunicações é a embaixadora María Teresa Belandria, representante do governo de Juan Guaidó, reconhecido desde 2019 pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) como presidente legítimo da Venezuela. Sem acesso a recursos financeiros do país, que é comandado de fato pelo ditador Nicolás Maduro, o governo interino não tem condições de quitar os débitos.

Segundo o Ministério da Economia, os valores da dívida da Venezuela são inscritos no Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR) da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), do qual o Banco Central do Brasil é signatário. Nesse esquema de negociação, o não pagamento implica inadimplência do banco central devedor (no caso, o da Venezuela) com os demais bancos centrais signatários do convênio (no caso, o do Brasil). A atualização dos valores, inclusive juros moratórios, é feita pelo Banco Central do Brasil.

O futuro governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já anunciou que vai restabelecer relações diplomáticas com o governo de Maduro. Mas ainda não se sabe se o pagamento da dívida será retomado.

A origem da dívida da Venezuela com o Brasil

A dívida da Venezuela com o Brasil vem de empréstimos realizados pela ditadura chavista para compra de bens e serviços brasileiros. Por meio de Certificados de Garantia de Cobertura (CGC), o governo brasileiro garante o pagamento ao exportador e quem fica devendo ao Brasil é o país estrangeiro. Parte são dívidas de exportação de serviços via Banco Nacional de Desenvolvimento Sustentável (BNDES), outra parcela são dívidas de exportação de bens financiadas pelo BNDES e há ainda dívidas de exportação de bens por meio de outros bancos.

No caso do BNDES, desde 1998 o banco desembolsou US$ 2,22 bilhões para operações de apoio à exportações para a Venezuela, dos quais US$ 1,505 bilhão estavam relacionados a serviços de engenharia exportados pelas construtoras Odebrecht (US$ 876) e Andrade Gutierrez (US$ 631 milhões). Desse montante, a Venezuela deixou de pagar, até agora, US$ 684 milhões, e mais US$ 122 milhões são de prestações a vencer. Com esse dinheiro foram financiadas as seguintes obras:

  • Construção do Estaleiro Del Alba (Astialba) para a PDVSA, a petroleira estatal da Venezuela, pela construtora brasileira Andrade Gutierrez (valor desembolsado pelo BNDES: US$ 240 milhões);
  • Expansão do metrô de Caracas, pela construtora Odebrecht (valor desembolsado: US$ 383 milhões);
  • Expansão do metrô de Los Teques, pela Odebrecht (valor desembolsado: US$ 492,9 milhões);
  • Construção da Usina Siderúrgica Nacional, pela Andrade Gutierrez (valor desembolsado: US$ 390 milhões).

Poucas dessas obras foram concluídas. De acordo com o site investigativo venezuelano Armando Info, das construções realizadas pela Odebrecht com financiamento do BNDES na Venezuela, apenas as linhas 3 e 4 do Metrô de Caracas (capital do país) foram entregues. Ex-executivos da empreiteira, como Marcelo Odebrecht e Euzenando de Azevedo, disseram, em delações premiadas à Justiça brasileira, que pagaram propinas a políticos venezuelanos para obter benefícios em obras públicas.

Em 2015, os repasses do BNDES para as empreiteiras envolvidas em corrupção foram suspensos e o banco estabeleceu critérios adicionais para que fossem retomados.

Além disso, a dívida da Venezuela também abarca US$ 220 milhões em exportações de bens, de acordo com o BNDES. A Gazeta do Povo solicitou mais esclarecimentos sobre os contratos firmados, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

O Ministério da Economia, por sua vez, informou que quatro operações de exportação de bens à Venezuela tinham seguro do Convênio de Pagamento e Créditos Recíprocos da Aladi: uma para a exportação de aeronaves (valor do crédito coberto: US$ 386,3 milhões, em 2012); e três para a exportação de alimentos congelados (carne bovina, frango, pernil suíno) e lácteos (leite em pó e margarina). O valor de crédito coberto nessas três operações, feitas em 2015 e 2016, é de US$ 525 milhões.

O ministério informou que a exportação de aeronaves foi feita pela Embraer, tendo como compradora a Conviasa, companhia aérea estatal venezuelana. O financiamento, viabilizado pelo BNDES, foi acordado em 2012.

Já as exportações de carne e lácteos foram feitas pela JBS à Corporación Venezolana de Comercio Exterior (Corpovex). Os financiamentos foram liberados em 2015 e 2016, no governo de Nicolás Maduro, quando o país já estava em crise e tinha dificuldades para suprir a oferta de alimentos para a população. Nesses casos, as instituições financeiras envolvidas foram o Credit Suisse Brazil e o Banco da China, não o BNDES. Todas as operações foram incluídas no Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR-Aladi).

Já as prestações em atraso ao BNDES são cobertas pelo Seguro de Crédito à Exportação (SCE), um dos mecanismos de garantia e mitigação do risco de crédito em financiamentos a vendas externas de bens e serviços brasileiros. O SCE é lastreado pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE), um fundo contábil vinculado ao Ministério da Economia, constituído de recursos provenientes de alienação, dividendos e remuneração de capital de ações; reversão de saldos não aplicados; resultados de aplicações financeiras; comissões decorrentes da prestação da garantia; além de dotação específica no Orçamento da União.

O  BNDES informou que vem recebendo regularmente todas as indenizações do SCE (parcelas inadimplidas de principal e juros) e, apesar dos calotes, o valor já pago ao banco referente às obras executadas em outros países supera o total desembolsado em termos nominais. Ao todo, dos US$ 10,5 bilhões investidos em 15 países, foram recebidos US$ 12,82 bilhões, considerando juros e incluídas as indenizações do FGE. Ainda há US$ 946 milhões a vencer nos próximos anos.

Cuba e Moçambique também têm prestações em atraso

Além da Venezuela, Cuba e Moçambique também estão atrasando pagamentos ao Brasil.

O Ministério da Economia informou à Gazeta do Povo que, no fim de setembro, a dívida em atraso da ditadura cubana era de US$ 268,57 milhões e 188,21 milhões de euros. O saldo devedor ainda em aberto é de US$ 568,73 milhões e 23,45 milhões de euros, valores referentes a parcelas que vão vencer até 2038. Parte desses valores em atraso foi contratada para obras de ampliação e modernização do Porto Mariel, em 5 etapas, realizadas pela Companhia de Obras e Infraestrutura, subsidiária da Odebrecht.

A atualização mais recente sobre os atrasos de Moçambique é de outubro de 2021. Naquela época, o país africano devia ao Brasil US$ 136,28 milhões atrasados. Segundo o site do BNDES, o valor se refere a empréstimos concedidos ao país para a construção de um aeroporto e de uma barragem, pela Odebrecht e pela Andrade Gutierrez, respectivamente.

De acordo com o Ministério da Economia, Moçambique e Brasil já concluíram negociações para reestruturação da dívida. Contudo, o acordo bilateral ainda precisa ser aprovado pelo Senado antes de ser assinado pelo Brasil.

Quais são as medidas de cobrança das dívidas e as sanções

Os países que estão inadimplentes ficam impedidos de celebrar novos empréstimos com o Brasil, segundo a Resolução n.° 50/1993 do Senado Federal. O artigo 6.º da norma diz que a concessão de financiamento externo dependerá “de o tomador e o garantidor não estarem inadimplentes com a República Federativa do Brasil ou com qualquer de suas entidades controladas, de direito público ou privado, ressalvados os casos em que houver renegociação das dívidas diretamente pela União ou através de organismos internacionais”.

Além disso, o Ministério da Economia informou que os atrasos são comunicados aos foros multilaterais competentes, como o Clube de Paris. Isso, segundo a pasta, torna mais difícil para esses países devedores contratar programas de apoio das principais instituições financeiras multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

“Um exemplo desses impactos é a necessidade de prévia aprovação brasileira que qualquer devedor que possui atrasos com o Brasil deverá obter para que possa ter um programa de apoio financeiro aprovado pelo FMI”, cita o Ministério da Economia em resposta à Gazeta do Povo.

A Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior (SE-Camex) envia periodicamente ofícios de cobrança aos países inadimplentes, por meio de notificação emitida pelo Ministério das Relações Exteriores. Além disso, as dívidas em atraso são informadas pelo Ministério da Economia a instituições multilaterais competentes e são efetuadas gestões junto ao Clube de Paris e às representações diplomáticas dos devedores no Brasil buscando a regularização dos créditos.

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