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Em 2018 o presidente Bolsonaro teve o apoio de quase 70% dos eleitores evangélicos
Em 2018 o presidente Bolsonaro teve o apoio de quase 70% dos eleitores evangélicos.| Foto: Carolina Antunes/PR

A Gazeta do Povo lançou o e-book Dossiê 2022, para que os nossos leitores tenham à mão todas as informações necessárias para acompanhar o xadrez político das próximas eleições presidenciais. A partir de perguntas formuladas por jornalistas, especialistas das mais diversas áreas dizem quais são fatores que vão influenciar o voto do brasileiro e como eles acreditam que serão as eleições. Este conteúdo é uma parte do e-book, que você pode baixar gratuitamente, na íntegra, ao fim do texto.

O apoio dos evangélicos foi fundamental nas eleições de 2018. Ele ainda será representativo em 2022? Este apoio aponta pra qual caminho?

GUILHERME DE CARVALHO, teólogo público e cientista da religião, com foco na articulação entre cristianismo e cultura contemporânea. É Pastor da Igreja Esperança em Belo Horizonte e diretor de L’Abri Fellowship Brasil. Foi diretor de Promoção e Educação em Direitos Humanos no Governo Federal.

Segundo mencionei em um artigo bastante lido em 8 de janeiro na Gazeta, a brasilianista Amy Erica Smith encontrou indícios de que o eleitorado evangélico brasileiro não está se tornando (ainda) uma versão do republicanismo dos EUA. Embora tenham posições nitidamente conservadoras no campo que se convencionou chamar de "costumes", suas sensibilidades no campo de políticas sociais e meio ambiente são de centro ou centro-esquerda. Há uma elite intelectual evangélica conservadora que, de fato, apresenta sínteses variadas de conservadorismo e libertarianismo, ao estilo republicano, e há até mesmo bolhas trumpistas. Mas as massas e os pentecostais em geral não pensam assim. Daí o famoso voto "bolsolula", que passa, sim, pela consideração pragmática a respeito da melhoria da economia e do emprego, mas também passa por questões morais.

A Dr. Smith, com Taylor Boas, mostrou que as políticas de sexualidade e reprodução, e a questão do aborto, à medida em que tornaram-se mais salientes, empurraram o voto cristão (católico, mas principalmente evangélico) para a direita. Aparentemente o Brasil é mais um caso do que Mark Lilla havia apontado nos EUA: a esquerda identitária rompe consensos morais e radicaliza a direita, tornando a bandeira dos costumes em uma "saliência positiva" para ela. A questão é que, quando as agendas morais submergem as considerações macropolíticas, ou econômicas, ou pragmáticas, elas enviesam o julgamento e galvanizam a opinião. É um fato que tem sido repetidamente confirmado; em janeiro mesmo a revista Cognition publicou um artigo mostrando que diante de um dilema com evidência ambígua, a posição moral é o fiel da balança e desempata o jogo.

A polarização ideológica e moral deve tornar o voto evangélico mais galvanizado, e não menos. Na minha leitura, basta que Bolsonaro levante a bandeira antiaborto para galvanizar o voto cristão e evangélico a seu redor. As esquerdas evangélicas que flexibilizam na política de sexualidade e de reprodução não tiveram, e seguirão não tendo a menor chance contra isso. A melhor coisa que elas poderiam fazer, se quiserem evitar Bolsonaro, seria ficar em silêncio e não atacar alternativas a Bolsonaro, mesmo que essas alternativas também sejam anti-identitarismo (o que, por sua fez, seria necessário para neutralizar a saliência positiva da agenda moral). Em outras palavras: sem grandes mudanças, a esquerda não pode, hoje, convencer os evangélicos. O que ela pode fazer é escolher entre perder muito ou perder pouco.

Para que evangélicos realmente abandonem Bolsonaro, seria preciso uma decepção muito grande. Algo como uma terrível depressão econômica, que tire a agenda moral do centro, ou uma traição mais profunda da bandeira anticorrupção (a anulação da Lava Jato seria um balão de ensaio). Se continuarmos como estamos, e não surgir outra liderança política forte que seja explicitamente contrária à agenda moral da esquerda, para neutralizar a saliência positiva de Bolsonaro, dificilmente haverá uma grande mudança no voto evangélico. Agora, pode ocorrer por aqui o que ocorreu nos EUA: ao invés de uma mudança no voto evangélico, uma mudança no voto de outra faixa da população poderia equilibrar as coisas e neutralizar o peso evangélico. Isso poderia tirar Bolsonaro do jogo.

Enfim, fosse eu um estrategista em busca dos evangélicos, combinaria três agendas: "costumes" (pró-família, pró-vida), meio ambiente, e luta anticorrupção. Além do que todo mundo já diz (educação, emprego, etc), essas agendas criariam uma saliência bem visível.

PAULO CRUZ, professor de filosofia e sociologia, escritor e colunista da Gazeta do Povo. 

Apoio dos evangélicos será fundamental, pois os líderes das grandes igrejas evangélicas têm interesse na reeleição de Bolsonaro, como demonstro em meu curso “Religião e política, uma relação perigosa”, da Gazeta do Povo.

CARLOS RAMALHETE, autor de "Doutrina Social da Igreja - uma Introdução", publicado pela Ed. Quadrante; "Ratio Divina,  a Ordem de Todas as Coisas", publicado pela Ed. Viv; e "O Céu é Azul (e A Grama é Verde)", publicado pela Ed. Cristo Rei. 

Certamente será representativo. Bolsonaro tem poucos grupos organizados que possam lhe dar alguma base de poder. Os militares o aceitaram a contragosto, e certamente prefeririam que o General Mourão o substituísse. O agronegócio recebeu muitos agrados, que também podem aumentar sua adesão a uma próxima campanha do Bolsonaro. Os políticos venais do dito Centrão estão sempre à disposição de quem alugue seu apoio, mas sempre cobram sua libra de carne, que em muitas ocasiões pode pesar demais. Já os ditos evangélicos têm em comum com o Bolsonaro uma grande parcela de sua ideologia, o que faz com que seja sua base de apoio mais orgânica. Mesmo com Bolsonaro no poder, vale apontar, não se formaram partidos de direita dignos deste nome. Haveria espaço para uma nova UDN, por exemplo, mas ninguém conseguiu construir algo semelhante.

Duma certa maneira, isso é algo típico do tempo em que estamos, em que a tendência global é centrífuga; agrupamentos políticos puramente ideológicos tendem a se desfazer nestes tempos, não a fortalecer-se ou – menos ainda – a ser criados. Os laços ideológicos entre o eleitorado bolsonarista (que é majoritariamente composto de gente que não percebe a política como ideologia, e despreza o que os partidos ideológicos da extrema-esquerda vêm tentando implantar, somada a grupos ideológicos de direita quase insignificantes, protestantes pentecostais americanófilos, saudosistas dos governos militares, e outras subcategorias minoritárias) não passam por intermediação partidária, sim pela aprovação pessoal dada à persona pública do presidente.

Assim, a não ser que se opere o prodígio de a esquerda conseguir propor um candidato que seja já conhecido e respeitado pela população (não dá mais tempo de criar uma figura pública, e com a transferência das gentilezas de Bem-Estar Social lulistas para o Bolsonaro, Lula perdeu seu maior argumento) ao ponto de que esta releve sua adesão aos temas hoje caros à esquerda, o mais provável é outra vitória do Bolsonaro.

PAULO LOIOLA, administrador, sócio-fundador da Baselab, mestre em políticas públicas pela FGV, com MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela UFRJ e em Gestão Energética pela FGV. Tem passagens pela Petrobras, onde atuou na área de Responsabilidade Social e Planejamento Estratégico. Também tem passagens pelas prefeituras de São Paulo e Rio de Janeiro, tornando-se sócio da consultoria em Gestão Pública Humana Sustentável.

O apoio evangélico certamente crescerá em termos de importância. Segundo o Censo de 2010, nos 10 anos anteriores a população evangélica cresceu mais de 60% e devem ultrapassar os católicos em 2032 na representação da população. Isso, somado ao projeto político e midiático de algumas igrejas, nos permite afirmar que o peso da religião na tomada de decisão de políticas públicas tende a aumentar.

Este apoio hoje, devemos dizer antes de tudo, não é homogêneo. Notei nas eleições de 2020 um rompimento de determinadas lideranças no nível municipal com candidatos mais conservadores, porém, no pleito federal a tendência é que o conservadorismo representado hoje por Bolsonaro leve a maior parte dos votos evangélicos, salvo algum acidente de percurso. Há sim a possibilidade desses votos serem disputados por outros atores como Sergio Moro, Luciano Huck ou mesmo João Doria. Não vejo perspectiva de candidatos da esquerda conseguirem parte significativa desses votos em 2022.

DENNYS GARCIA XAVIER, autor e tradutor de dezenas de livros, artigos e capítulos científicos, é professor de Filosofia Antiga, Política e Ética da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Professor do Programa de Pós-graduação em Direito (UFU) e diretor acadêmico da Pós-Graduação em Escola Austríaca do Instituto Mises Brasil (IMB). Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e mestrado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP - Bolsista FAPESP). Pós- graduado em Administração Pública pela Universidade UNICESUMAR, tem doutorado em "Storia della Filosofia" pela "Università degli Studi di Macerata", pós-doutorado pela Universidade de Coimbra (Portugal) e pela PUC-SP. 

Bem, tivemos recentemente diversas lideranças religiosas (evangélicas entre elas) ingressando com pedido de impeachment de Bolsonaro. Ele dispõe de pouco menos de dois anos para reverter essa debandada, e conta com todas as condições políticas para fazê-lo. Deverá avançar com fortes acenos para acalmar essa ala dos eleitores. Discursos como aquele de escolher ministro do STF “terrivelmente evangélico” deverão aparecer com maior frequência. Duvido, sinceramente, que o início de ruptura que vimos surgir por conta da pandemia resista a investidas marcadas por maior prestígio político no quadro nacional.

FLAVIO GORDON, doutor em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ) e autor do best-seller A Corrupção da Inteligência: intelectuais e poder no Brasil (Record, 2017). 

O neopentecostalismo é, sem sombra de dúvidas, uma força política que veio para ficar no Brasil. Ele conta com uma base social ampla, consistente e consideravelmente homogênea, além de dinheiro e instituições capazes de veicular seus valores e ideias. A princípio, essa força deve continuar mais próxima a Bolsonaro, o que é mais um fator que lhe confere vantagens para o próximo pleito.

THIAGO RAFAEL VIEIRA, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Religião, cronista da Gazeta do Povo, colunista em diversos sites e blogs evangélicos, advogado especializado em Direito Religioso, atendendo mais de 3 mil igrejas no Brasil. Membro da Igreja Batista Filadélfia em Canoas. Membro do sub-comitê da rede de apoio das entidades temáticas em Defesa e Promoção da Liberdade Religiosa da ALESP. Em 2019, foi um dos delegados do Brasil na Universidade de Brigham Young (Utah/EUA) no 26º Simpósio Anual de Direito Internacional e Religião, evento com mais de 60 países representados. 

Em janeiro, quando um pequeno grupo de lideranças cristãs de esquerda pediu o impeachment de Bolsonaro, vimos uma resposta de grandes Igrejas como a Convenção Batista Brasileira, Convenção Batista Reformada do Brasil, Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, Conselho Interdenominacional de Ministros Evangélicos do Brasil, Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil, Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil, Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política, entre outras, informando a não participação de nenhum de seus membros em tal pedido de impeachment, e que não viam motivos para pedir a saída do Presidente, enquanto, por outro lado, as denominações dos signatários simplesmente silenciaram, ou seja, também não endossaram tal pleito.

O apoio de grande quantitativo de cristãos, não apenas evangélicos, foi acrescido de declarações de aprovação à atual gestão. Isso indica que o apoio dos evangélicos segue intacto, ou pelo menos na porcentagem quase que integral.

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