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Extensão Apyterewa

Famílias retiradas de terra indígena esperam solução, mas governo diz que indenizações já foram pagas

Durante operação de desintusão da Terra Indígena Apyterewa, casas de produtores foram destruídas.
Durante operação de desintusão da Terra Indígena Apyterewa, casas de produtores rurais foram destruídas (Foto: Gustavo Moreno/STF)

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Há dois anos à espera de uma solução do governo federal, cerca de 2.500 famílias removidas da Terra Indígena Apyterewa, no sul do Pará, passaram a viver em condições improvisadas, muitas vezes em imóveis feitos com barro e madeira, e sem qualquer perspectiva. A indefinição atual é apenas o capítulo mais recente de um impasse fundiário que se arrasta há quase 20 anos. Elas ainda aguardam uma solução, mas o governo federal - por meio da Funai e do Incra - afirma que as indenizações às famílias que "tinham direito" já foram pagas e que agora é necessário recorrer à via judicial.

O entrave atual teve origem em uma ação no STF (ADPF 709), movida pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) em 2020. A ação tinha o objetivo de proteger os povos indígenas contra a Covid-19, mas resultou no processo de desintrusão, como é chamada a retirada de não-indígenas de áreas demarcadas, de nove Terras Indígenas, incluindo a Apyterewa. Com a decisão do STF, uma operação de retirada de famílias da área no Pará ocorreu a partir de outubro de 2023.

Desde então, a estimativa de advogados que atuam na defesa dos produtores rurais é que cerca de mil famílias ainda têm direito legal à indenização e ao reassentamento, mas não tiveram qualquer amparo do Estado. De acordo com o advogado Diogo Franco, que representa quatro associações de famílias atingidas pela desintrusão, o único movimento concreto de reassentamento relacionado à Terra Indígena Apyterewa ocorreu em 2011, quando 268 famílias foram assentadas na fazenda Belauto. 

Segundo Franco, a maioria das famílias retiradas da área hoje vive em situação precária. “Cerca de 90% das famílias vivem em barracos de lona à beira de estradas, dependendo de ajuda de parentes e amigos”, disse. "As famílias pedem uma solução.
Ou reassentamento e indenização ou retornar para a área que não é indígena", ressalta o advogado.

A demarcação da Terra Indígena Apyterewa é questionada judicialmente devido a alterações feitas em seus limites ao longo dos anos. Em 1987, ela foi delimitada com 266,8 mil hectares, com base em laudo antropológico. Uma nova portaria da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) - publicada em 1992 - mencionava a área aproximada de 980 mil hectares, ampliando significativamente o território. Já em 2007, um decreto presidencial, no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), homologou a TI Apyterewa com área consolidada de 773 mil hectares. O último decreto, de acordo com documentos oficiais obtidos pela Gazeta do Povo, não teve um laudo antropológico para atestar a ocupação indígena.

Apesar dos impasses, quando a operação de desintrusão determinada pelo STF iniciou, em 2023, o governo federal afirmou que todos os ocupantes que estavam na terra indígena na época em que a demarcação da área foi oficialmente confirmada - em 2007 - já haviam recebido indenização ou recebido lotes em assentamentos da reforma agrária. Segundo o Executivo, muitas pessoas se recusaram a sair, mesmo tendo recebido indenizações ou lotes.

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em resposta aos questionamentos da Gazeta do Povo, reforçaram que o processo de indenização e assentamento foi encerrado. A Funai, no entanto, destacou que "as ações judiciais ainda em curso extrapolam a esfera de atuação e governabilidade da Funai e dependem exclusivamente de decisões do Poder Judiciário".

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Demarcação da Apyterewa mudou de tamanho ao longo dos anos 

As mudanças na extensão oficial da Terra Indígena Apyterewa são um dos principais objetos de contestação do caso - passou de 266.800 hectares e consolidou-se numa área final de 773 mil hectares. A criação da chamada “Extensão Apyterewa”, região onde ocorreu a operação de desintrusão mais recente, deriva dessa mudança no tamanho na área.

Segundo o advogado Vinicius Borba, que também atua em casos de famílias atingidas pela desintrusão, e conforme documentos internos da própria Funai obtidos pela Gazeta do Povo, não houve novo laudo antropológico que justificasse juridicamente o aumento da área. Para o defensor, isso tornaria a ampliação — e, por consequência, a desintrusão na área expandida — “sem validade técnica e jurídica”.

Já a Funai tem sustentado que a variação decorre de ajustes cartográficos e da consolidação de estudos antropológicos que reforçaram a necessidade de proteção da área ocupada tradicionalmente pelos Parakanã, mas não há referência a novo laudo formal.

Com relação ao número de habitantes, de acordo com o Censo IBGE de 2022, existem 20 comunidades indígenas na Terra Indígena Apyterewa com uma população total estimada em 1.383 indígenas. Em 2008, logo após a publicação do decreto presidencial, dados da Funai, divulgados pelo Instituto Socioambiental (Isa), apontavam que a população era de 412 indígenas.

Produtores rurais que viviam na chamada "Extensão Apyterewa" estão em imóveis improvisados há dois anos e esperam reassentamento. Área foi destinada a indígenasProdutores rurais que viviam Extensão Apyterewa vivem em barracos há dois anos à espera de reassentamento. Área foi destinada a indígenas (Foto: Vinicius Borba/Arquivo pessoal)

O que dizem Funai e Incra

A Funai, em resposta enviada à Gazeta do Povo, informou que o processo indenizatório da Terra Indígena Apyterewa está concluído. Segundo o órgão, foram identificadas 1.175 ocupações não indígenas com benfeitorias potencialmente indenizáveis. Após a aplicação da Resolução nº 220/2011 e da análise de recursos, no entanto, 793 ocupações foram classificadas como de má-fé e 292 como de boa-fé.

Entre as últimas:

  • 172 foram indenizadas pela via administrativa;
  • 25 tiveram valor zero, por ausência de benfeitorias na data definida como marco de boa-fé (Portaria nº 2.581/2004);
  • As restantes foram encaminhadas para indenização judicial ou para análise de prescrição do direito.

O órgão também ressalta que ocupações posteriores ao cadastramento oficial não têm direito à indenização, pois já era “público e notório” o reconhecimento da terra indígena.

O Incra, por sua vez, informou que promoveu uma operação de desintrusão em 2011 e que, naquele momento, as famílias consideradas de boa-fé e com perfil para reforma agrária foram alocadas no Projeto de Assentamento Belauto, criado em 2012 para esse fim. Desde então, segundo o órgão, foram realizados o georreferenciamento da área e a destinação de cerca de R$ 1 milhão em créditos para instalação e desenvolvimento produtivo dos assentados.

No processo mais recente, o Incra afirma que, embora já tivesse cumprido seu papel na desintrusão de 2011, colaborou nas operações de retirada de 2023, realizando novo cadastramento de famílias e prestando apoio logístico no transporte de pertences.

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