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Forças Armadas
Solenidade de posse do general Edson Leal Pujol no Comando do Exército, em 2019: os três comandantes das Forças Armadas pediram demissão conjunta nesta terça-feira (30).| Foto: Válter Campanato/Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro demitiu os três comandantes das Forças Armadas e, agora, se debruça sobre a escolha dos sucessores para chefiar o Exército, a Marinha e a Aeronáutica. A missão é solucionar o "quebra-cabeça" em que ele próprio se colocou para impor sua vontade política nas Forças sem ampliar o desgaste com os militares.

As demissões do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa e dos comandantes do Exército, Edson Leal Pujol, da Marinha, almirante Ilques Barbosa Júnior, e da Aeronáutica, brigadeiro Antonio Carlos Bermudez, não repercutiram bem entre os militares. Foram vistas como uma ação autoritária.

Pacificar o desconforto criado por ele não será uma missão fácil. No caso do Exército, por exemplo, isso passa pela avaliação do chamado critério de antiguidade — tradição na qual o presidente da República escolhe o general "quatro estrelas" com mais tempo no topo da carreira. Se Bolsonaro seguir esse critério, a indicação não passaria a imagem de uma nomeação política ou ideológica, e a crise estaria contornada.

O problema é que, no Alto Comando das Forças Armadas, interlocutores militares — até dentro do governo — dizem que os mais antigos generais, almirantes e brigadeiros "quatro estrelas" não têm pretensões de agir politicamente, como Bolsonaro sugere com os recentes movimentos.

Ou seja, se Bolsonaro respeitar o critério de antiguidade, corre o risco de ter criado uma crise sem necessidade e emplacar quadros com o mesmo perfil de Pujol, Barbosa Júnior e Bermudez. Se não respeitar, o presidente passará uma imagem de alinhamento político dos escolhidos.

General da reserva explica impactos da escolha de Bolsonaro para chefiar as Forças Armadas

O general de brigada reformado Paulo Chagas explica bem a imagem que Bolsonaro transmitiria com uma decisão ou outra. À Gazeta do Povo, ele deixa claro que Bolsonaro é livre para escolher o comandante do Exército, da Marinha e da Aeronáutica que bem entender, desde que opte por oficiais generais do último posto da respectiva Força, seja um militar da reserva ou da ativa, conforme disposto na Lei Complementar nº 97/1999.

Mas Chagas explica que, se Bolsonaro não seguir o critério de antiguidade, o próximo comandante poderá ser visto com alguma desconfiança. "Se o presidente define alguém por vontade dele, isso passa a imagem de ter sido escolhido por assumir um compromisso do governo ou ser amigo do presidente. Geraria especulações que não são do interesse da Força", explica.

A opção pelo oficial general mais antigo em cada Força, pelo lado contrário, passaria a mensagem de que Bolsonaro não pensa em interferir politicamente nos quartéis. "Esse critério da antiguidade passa a ser muito importante porque transmitiria uma decisão sem viés político ou ideológico. Seria apenas a escolha do militar que tem mais tempo de serviço naquele momento", sustenta Chagas.

Quer escolha um ou outro, o general reformado entende, contudo, que Bolsonaro não encontrará respaldo para uma utilização política das Forças Armadas. "Não conheço os oficiais generais que vierem a assumir os comandos das Forças, mas poria minha mão no fogo por eles. Nada mudará. Eu não conheço ter havido em algum momento no Alto Comando alguém ideologicamente ou politicamente comprometido [com algum governo, desde a redemocratização]", diz.

Lista tríplice? Nome mais jovem "aposenta" os demais oficiais generais?

A escolha de um comandante das Forças Armadas por uma lista tríplice não é regra, tampouco um "candidato" mais moderno "aposenta" os mais antigos, levando-os à reserva.

Mas é, sim, possível que o ministro da Defesa submeta ao presidente da República uma lista tríplice. Foi o que aconteceu em 2015, no primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff (PT). Seu ministro da Defesa à época, Jaques Wagner (PT-BA), apresentou uma lista com três nomes, entre os quais o do general Eduardo Villas Bôas, que era o mais novo. Villas Bôas acabou escolhido comandante do Exército.

É comum dizer que a escolha de um comandante mais novo mande os mais antigos para a reserva, mas isso não ocorre. Tampouco uma lista tríplice é obrigatória, afirma o general Paulo Chagas. "Não existe isso. A lista tríplice pode ser opcional, não obrigatória. Um oficial general pode, por exemplo, ser o mais moderno na Força, com apenas 24h como um 'quatro estrelas', e ser indicado", explica.

Ofensa, autoritarismo, golpe: o que dizem generais sobre demissões

Apesar da possibilidade de especulações e ruídos se Bolsonaro não optar pelo mais antigo, o general Paulo Chagas garante que, desde que o escolhido seja um oficial general, o presidente não terá problemas dentro das Forças Armadas. "Aceitarão isso com a maior naturalidade, desde que seja um 'quatro estrelas' da ativa ou reserva", diz.

Imparcialidade à parte, Chagas entende que os movimentos feitos por Bolsonaro são irreparáveis e demonstram uma "intenção autoritária" que irá prejudicá-lo. "Expôs a toda a sociedade que ele tem uma intenção autoritária e que, para ele conquistar o que pretende, precisa de força militar. E se ele quer usar força militar na vigência da democracia, ele quer dar um golpe", critica.

O general reformado entende, contudo, que Bolsonaro não conseguirá avançar em qualquer atitude autoritária ou inconstitucional. "O presidente me passa essa impressão de querer dar um golpe, mas não dará, não terá condições de fazê-lo. E, se ele tentar, vai ser pior para ele, pois vai ser defenestrado e impedido de continuar. Quanto a isso, não tenho dúvidas", afirma.

Para Chagas, tampouco o novo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, vai se permitir ser o "mensageiro" de uma escalada autoritária sobre as Forças Armadas. "Não acredito que ele se preste a uma mensagem autoritária de alguma coisa que ele nunca aceitou durante a vida militar. Eu o conheço, sou muito prestigiado por ele, gosto dele, e não acredito que tenha mudado por qualquer interesse", destaca.

O general de divisão da reserva Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo, foi outro a fazer duras críticas a Bolsonaro. Para ele, não é normal trocar os comandantes das três Forças da forma como ocorreu. "Esse tipo de saída é falta de consideração funcional, é desrespeito e ofensa às Forças Armadas", declarou à CNN Brasil.

A expectativa de um uso político das Forças Armadas foi classificada por Santos Cruz como "descabida". "[Os militares] são fiéis à sua destinação constitucional", afirmou. "Não sei qual o objetivo pretendido, mas as Forças Armadas não têm a característica de se encantar por tentativas de politização. É uma investida que não penetra dentro da estrutura", acrescentou.

O que quis Bolsonaro ao demitir os comandantes das Forças Armadas

Oficialmente, o Ministério da Defesa comunica que os três comandantes "serão substituídos". Mas a Gazeta do Povo confirmou com dois interlocutores no Palácio do Planalto que eles foram demitidos. Até a noite de segunda-feira (29), o único dado como certo a ser exonerado era o comandante do Exército, Edson Leal Pujol.

Tamanha era a fervura dentro das Forças Armadas nesta terça-feira (30), entretanto, que a opção foi por demitir Pujol e, também, os comandantes da Marinha, almirante Ilques Barbosa Júnior, e da Aeronáutica, brigadeiro Antonio Carlos Bermudez.

"O problema era o 'isentão' do Pujol. O [agora ex-ministro da Defesa] Fernando [Azevedo e Silva] não tomava providências, empurrou com a barriga e foi o primeiro a sair. No fim, os quatro foram demitidos", afirma um interlocutor militar palaciano.

Ao demitir Azevedo e Silva e os comandantes militares, Bolsonaro deixa clara a intenção de ter nos comandos das Forças Armadas e na Defesa militares alinhados à sua política. Aos mais próximos, o presidente nega a intenção de politizar a instituição, mas pede apoio em defesa de algumas pautas, como garantias constitucionais a exemplo da liberdade de circulação, restringida por medidas como o toque de recolher instituído por alguns governadores.

O Supremo Tribunal Federal (STF) estaria, no entendimento de alguns militares, usurpando de prerrogativas do presidente da República e entregando todas as políticas de combate à pandemia aos estados. "O Supremo está transformando o país em uma confederação, tirando a autoridade do presidente em uma canetada. Cada estado faz o que quer", critica um interlocutor militar.

A expectativa de Bolsonaro — concordada por alguns interlocutores militares palacianos — é que comandantes de Forças e Braga Netto, por vezes, possam se posicionar como fez o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, em 2018. Pelo Twitter, demonstrou à época “compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem” às vésperas do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no STF.

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