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Guerrilheiros das Farc
Guerrilheiros das Farc que não aderiram ao processo de paz e atualmente se denominam Estado Maior Central| Foto: EFE

As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) desempenharam um papel de destaque no passado e ainda constam como membro oficial do Foro de São Paulo, o grupo que agrega mais de 120 partidos de esquerda da América Latina. Outros grupos guerrilheiros, como o Exército de Libertação Nacional, da Colômbia (ELN) e o Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), do Chile, recebem apoio político da entidade, que realiza sua reunião anual nesta semana em Brasília.

O Foro de São Paulo foi fundado pelo ditador cubano Fidel Castro (1926-2016) em parceria com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na década de 1990, logo após o colapso da União Soviética. O objetivo oficial da organização é integrar povos da América Latina e do Caribe, mas na prática funciona como uma confraria de governantes, políticos e organizações ativistas em nome de um projeto político de esquerda para o subcontinente.

Ao discursar na abertura da reunião do Foro de São Paulo nesta quinta-feira (30), Lula reforçou a orientação do grupo. "Ser chamado de socialista ou comunista nos dá orgulho e, às vezes, a gente sabe que merecemos sermos chamados assim", afirmou o presidente do Brasil.

A ligação entre o Foro de São Paulo e as Farc aparece oficializada na ata da reunião anual de 1997, realizada em Porto Alegre. No documento, o grupo guerrilheiro marxista é descrito como um “núcleo de oposição contra as ambições imperialistas” dos Estados Unidos.

“O núcleo da oposição às ambições imperialistas dos EUA está localizado no campo: no Brasil o Movimento Sem Terra, no México, os zapatistas em Chiapas, o EPR [guerrilha mexicana] em Guerrero [Estado do México] e os movimentos camponeses em Oaxaca [Estado do México]. A oposição mais importante, porém, encontra-se na Colômbia com as Farc e seus 20.000 guerrilheiros, com presença e influência estendidas a mais de 600 dos 1.200 municípios do país.”, diz a ata.

O Foro de São Paulo também critica o combate feito pelo então presidente colombiano Ernesto Semper contra as Farc e contra o narcotráfico colombiano. Para a entidade fundada em São Paulo, o combate seria um plano norte-americano para interferir na relação entre a organização criminosa e os camponeses produtores de coca.

Farcs continuam ativas e ligadas ao narcotráfico, dizem analistas

As Farc fizeram um acordo de paz com o governo Colombiano e se tornaram um partido político chamado Comunes em 2016. De acordo com dados do governo, o conflito com as Farc resultou em 220 mil mortes em 52 anos, antes do alegado armistício.

Mas, uma parte do efetivo guerrilheiro não fez parte da negociação que rendeu ao então presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, o Prêmio Nobel da Paz. Um dos maiores grupos dissidentes hoje se autodenomina "Estado Maior Central".

"O que não é dito, mas fica nítido na minha opinião, é que foi realizado um acordo 'para inglês ver'. Foram entregues algumas armas, normalmente as piores. Em paralelo, vários grupos armados não assinaram o acordo, permanecendo em atividade e controlando territórios, sendo cinicamente chamados de dissidentes", afirmou o analista militar Fernando Montenegro, coronel da reserva do Exército e autor do livro "Kid Preto - Guerra Irregular e a Evolução Histórica das Operações Especiais do Exército Brasileiro" (Ed. Ubook, 2021).

Analisando a situação das Farc, ou Comuna, na Colômbia, o coordenador do curso de Ciências Política da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Thales Castro, comentou sua experiência no país e a percepção da população sobre o acordo de paz:

“Eu estive na Colômbia algumas vezes. A última vez foi em maio de 2018. Naquele momento, eu já escutava o mundo acadêmico, estive tanto na capital quanto em Cartagena, e todos diziam que aquele acordo não era o que aparentava. As armas não foram depostas e o as Farc não deixaram de ter sua atuação, mesmo que de forma indireta.

“As Farc entraram no jogo político e tiveram vitórias eleitorais importantes. De fato houve algum movimentação pró-armistício, devolução das zonas ocupadas e devolução de prisioneiros. Mas o vínculo com a narco economia continua. Isso já evidenciado por observadores internacionais. O modus operandi não se modificou. É um grupo que não consegue se manter vivo somente pela via política", disse.

"As Farc existem desde 1964. Inicialmente eram uma organização subversiva de cunho ideológico comunista e com patrocínio de países comunistas. No início da década de 1990, eles perderam o suporte econômico da União Soviética e passaram a garantir seu financiamento com dinheiro de garimpo ilegal e drogas. O maior impacto foi que eles assumiram o lugar dos cartéis colombianos de Cali e de Medellín e se tornaram narcoguerrilha", disse Montenegro.

O coronel da reserva afirmou que há uma ligação ideológica forte entre o Foro de São Paulo e as Farc, mas não um suporte direto.

"As Farc são bem anteriores ao Foro de São Paulo. Não acredito que o Foro de São Paulo seja responsável direto para a perpetuação das Farc, mas contribui na medida em que há uma sinergia de todas as tribos adoradoras de marxismo, leninismo, maoísmo, gramiscismo e outras vertentes que pregam a ocupação do poder pela esquerda", disse Montenegro.

"Fidel Castro seria o Messias adorado pelo Foro de São Paulo. Hugo Chavez (1954-2013) teria sido um dos seus apóstolos e os demais querem ser reconhecidos na mesma linha. O Foro é um lugar onde eles fazem o acompanhamento desse projeto de poder e se ajudam mutuamente", afirmou o analista.

Foro de São Paulo apoiou guerrilheiros do ELN e do MIR

Outras organizações guerrilheiras também ganharam o apoio do Foro de São Paulo no passado. São elas o Exército de Libertação Nacional, da Colômbia (ELN) e o Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), do Chile.

O ELN ficou conhecido, assim como as Farc, por sua atuação guerrilheira contra o governo colombiano. Diferente do MIR, ele já não integra a lista de membros oficiais do Foro de São Paulo, mas ganhou vasta menção nos documentos do grupo. Um deles foi o fato da organização classificar o movimento guerrilheiro como "democrático" na ocasião da morte de seu comandante Manuel Pérez Martínez em 1998.

Pérez foi considerado como o maior terrorista da história do país, sendo responsável por mais de 500 atentados contra a infraestrutura petrolífera.

“O VIII Encontro do Foro de São Paulo (1998), expressa suas condolências aos companheiros da UCLN da Colômbia, pelo falecimento do companheiro Manuel Pérez, Comandante Geral dessa organização e figura histórica da revolução e das lutas democráticas na Colômbia, durante as últimas décadas”, diz a ata da ocasião.

Em março de 2023, a organização criminosa matou nove militares do Exército colombiano. Outros oito militares ficaram feridos.

O MIR foi responsável pelo sequestro do empresário Abílio Diniz em dezembro de 1989. Entre os 10 sequestradores estavam cinco chilenos, dois argentinos, dois canadenses e um brasileiro. O sequestro durou 36 horas e foi chefiado pelo argentino Humberto Paz e seu irmão Horácio. Ambos possuíam ligações com diversos grupos terroristas da América Latina.

Eles já haviam praticado atos terroristas em nome de grupos como o Exército Popular Argentino (ERP), as Forças Populares de Libertação de El Salvador (FPL), Sendero Luminoso do Peru, e o braço chileno do Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR). Os cinco chilenos eram Ulisses Gallardo Acevedo, Pedro Lembach, Héctor Ramón Tapia, Sérgio Olivares e Maria Marchi Badilla

Na mesma ata de 1998, o Foro se solidarizou com o grupo e exigiu que o governo brasileiro os reconhecesse como presos políticos.

A reunião anual do Foro de São Paulo ocorre até domingo (2) em um hotel em Brasília.

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