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Fortalecer a OTCA, como sugeriu Lula, é resposta para defender Amazônia de outros países| Foto: EFE/ André Borges

Apoiado na pauta ambiental, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem mencionado a possibilidade de fortalecer a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). Para especialistas, apostar na organização é um caminho seguro para defender a Amazônia da criminalidade e dos interesses comerciais e exploratórios de outros países. Mas o bloco de países amazônicos não deve ser reduzido a um balcão de negócios para alimentar investimentos externos em ONGs e venda de créditos de carbono.

A OTCA é uma organização internacional, criada pelo Tratado de Cooperação Amazônica. Formada pela Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, reúne as oito nações amazônicas. Entre seus objetivos, estão a preservação da Amazônia, melhorar a qualidade de vida das populações locais, compartilhar informações e promover ações conjuntas na região.

"Historicamente, a assinatura do TCA, em 1978, refletiu uma resposta do Brasil e dos países amazônicos defronte à crescente agenda ambiental global e, consequentemente, ao risco de perda de autonomia na governança na área", afirmou o coronel do Exército e professor de Relações Internacionais do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), Oscar Medeiros Filho.

Em tese, os países-membros devem contribuir financeiramente e fazer reuniões periódicas, embora a organização tenha tido poucas ações concretas e baixa visibilidade desde sua criação.

Com o aumento da pressão de outros países pela preservação da região Amazônica, Lula e o presidente colombiano, Gustavo Petro, propuseram, recentemente, que os países amazônicos tenham mais protagonismo na preservação da região. "Devemos unir esforços para que, nas discussões internacionais, nossa voz seja escutada com força, seja nas conferências sobre clima, biodiversidade e desertificação, e nos debates sobre desenvolvimento sustentável", disse Petro.

Concordando com o colombiano, Lula defendeu o fortalecimento institucional da OTCA e a institucionalização do Parlamento Amazônico. De acordo com o petista, a organização é “uma ferramenta que, no lugar de nos isolarmos, tem a capacidade de nos lançar para o centro do desafio mais importante do nosso tempo, a mudança climática”.

Mas as tratativas acabaram derivando para um campo diferente da defesa da soberania: Lula revelou que está mais interessado em repassar para a Colômbia o modelo que vem criando de Fundo Amazônia.

O petista tem se esforçado para pressionar potências ocidentais como Estados Unidos, França e Grã-Bretanha a fazer repasses de recursos que acabam indo parar nas mãos de ONGs que, em muitos casos, estão mais preocupadas com interesses globais do que com o bem estar da população brasileira.

Interesse internacionais vêm disfarçados de preocupação ambiental

Em um artigo, o coronel Medeiros Filho, explica que, além do desmatamento e crime organizado na região, há uma outra preocupação envolvendo a Amazônia: "o aumento da pressão internacional sobre os países amazônicos revestidas de uma narrativa ecológica (ambiental), mas percebida pelos militares como uma forma de cobiça sobre os recursos naturais daquela região".

Não é de agora que o Brasil enfrenta uma grande pressão de outros países para que preserve a região amazônica nos conceitos preconcebidos por tais nações. Essa pressão tem interferido na concretização do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, que pode gerar cerca de R$ 500 bilhões em negócios para o Brasil. Em maio deste ano, o bloco europeu apresentou exigências adicionais para o acordo, com novos compromissos ambientais que não estavam previstos.

Negociado há mais de 20 anos, um documento de livre comércio foi fechado em 2019 pelo Mercosul, mas não foi ratificado pelo bloco europeu. As novas exigências dariam à União Europeia instrumentos para elevar tarifas e fechar acesso ao mercado europeu para produtos como carne bovina e grãos. Além das novas imposições, o Parlamento Europeu ainda aprovou, em dezembro de 2022, uma nova lei antidesmatamento.

O novo regulamento impede a entrada de produtos com origem de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020 no bloco, mesmo que a supressão vegetal tenha sido regular, feita respeitando o manejo e o Acordo de Paris, conforme a legislação de cada país, como o Código Florestal Brasileiro. Essa regra deve entrar em vigor em relação ao Brasil no fim do ano que vem.

"Há uma questão de soberania, mas também dificuldades burocráticas que prejudicariam pequenos produtores, como a exigência de que as companhias apresentem relatórios demonstrando a rastreabilidade de sua cadeia de produção. Tais medidas criam burocracias, aumentam os custos e excluem esses pequenos produtores rurais", afirma o doutor em relações internacionais e pesquisador da Universidade de Havard, Vitélio Brustolin

"Isso é visto como uma medida protecionista, que afetaria várias commodities brasileiras, como soja, milho, café, carne bovina, suína, frango e ovinos, madeira, cacau, borracha e papel", disse Brustolin.

O especialista ainda avalia que "os países em desenvolvimento veem com ceticismo e justificada indignação esse tipo de atitude, especialmente porque muitos deles foram explorados por aqueles que agora tentam lhes impor barreiras para o crescimento".

"Há ideias muito claras para as nações “em desenvolvimento” de que países que hoje são considerados “desenvolvidos” desmataram e destruíram os seus recursos naturais para chegar a um grau elevado de industrialização e que, só depois de muita devastação, reflorestaram essas áreas. Esses países também exploraram outros e alguns ainda exploram", avalia Brustolin.

O pesquisador ainda explica que há uma percepção sobre esses países que tentam “chutar a escada” pela qual subiram ao impedir que os países em desenvolvimento adotem as políticas e as instituições que eles próprios usaram.

Ou seja, as potências estrangeiras teriam interesse em impedir o pleno desenvolvimento de países como o Brasil para evitar que o país passe a disputar mercado com eles. Essa seria a razão da estratégia de negação de uso: usar a desculpa da preocupação ambiental para impedir que o Brasil use plenamente seus recursos naturais.

"Logo, na discussão do binômio desenvolvimento econômico e desenvolvimento ecológico existem questões laterais igualmente complexas, como soberania, geopolítica, desenvolvimento sustentável e a certeza de que países não têm amigos, mas sim interesses. Estamos todos no mesmo planeta e a época é de preservação para as futuras gerações, mas isso não impede que os fatos e a história sejam reconhecidos", afirma Brustolin.

CPI das ONGs na Câmara quer denunciar entidades ligadas a interesses internacionais

Denúncias nos últimos anos mostraram que alguns países utilizam de atuações de Organizações Não Governamentais (ONGs) na região da Amazônia para ter acesso as recursos da região de forma indevida – bem como aos repasses de verbas feitas pelo governo.

Com intenção de investigar tais alegações, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) trabalhou pela instalação no Senado Federal de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar ações dessas ONGs. O intuito é investigar o repasse de verba pública do governo federal para as ONGs, além da utilização inadequada desses recursos e possíveis atuações de poder dessas entidades na Amazônia.

“Não vamos demonizar nenhuma ONG, não é esse o objetivo. Existem ONGs sérias e estas serão preservadas. O que vamos investigar são as denunciadas, que pegam dinheiro lá fora ou aqui mesmo no Brasil, não prestam contas e gastam entre si 85% do que arrecadam. Essas ONGs prestam um grande desserviço, principalmente à Amazônia”, defendeu Valério.

A líder do movimento Agroindígena, Luciene Kujãesage Kayabi, disse em uma sessão da CPI que as ONGs não têm interesse na proteção da região.

“Eles querem o que está na terra. Nossos minérios. O ouro, o diamante. Estamos sendo praticamente roubados, todo o povo brasileiro, não só os povos indígenas”, disse.

Fortalecer OTCA pode tornar o Brasil e vizinhos protagonistas do futuro da região

A OTCA tem o intuito de estabelecer uma agenda comum para a Amazônia. A ideia é promover o desenvolvimento harmônico dos territórios amazônicos, de maneira que as ações conjuntas gerem resultados equitativos e mutuamente benéficos para alcançar o desenvolvimento sustentável da região.

Para os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, os países amazônicos devem tentar passar ao mundo a mensagem de que os cuidados com a preservação da região têm sido tomados e surtem efeitos.

"A ideia geopolítica central por trás do arranjo institucional da OTCA foi a de que a gestão soberana sobre o território amazônico deve ser exclusiva aos países condôminos", pontua o Medeiros Filho, que é doutor em Relações Internacionais.

"Há uma lógica: se já compartilhamos os problemas, temos também que compartilhar as soluções. A OTCA se apresenta como a melhor solução para enfrentar a pressão internacional sobre as questões geopolíticas", diz.

"Além disso, é possível que essa estrutura possa inserir em seu escopo temas de segurança que ameaçam mutuamente aqueles países, como o crime transfronteiriço e a insurgência criminal cada vez mais presente na região", afirma.

Lula também defendeu a institucionalização do Parlamento Amazônico

Outros pontos defendidos por Lula foram a institucionalização do Parlamento Amazônico (Parlamaz) e a criação de um Foro de Cidades Amazônicas. Criado em 1989, o Parlamaz é integrado pelos mesmos oito países do OTCA e trata-se de um espaço onde políticos desses países podem compartilhar iniciativas e preocupações, ultrapassando os limites territoriais de prefeituras, governos estaduais e países.

O coronel Oscar Medeiros Filho defende que o Parlamaz pode ser um interessante instrumento para o fortalecimento da OTCA e "defesa da gestão autônoma dos países amazônicos sobre seus territórios em um contexto de pressão cada vez maior das potências extrarregionais, especialmente em virtude da crise climática".

Conforme apurou a Gazeta do Povo com membros do governo, no entanto, esses termos ainda precisam ser avaliados e vão passar por uma série de discussões, inclusive durante a Cúpula da Amazônia, marcada para acontecer entre os dias 4 e 9 de agosto, na cidade de Belém, no Pará.

As fontes do governo disseram ainda que decisões sobre a OTCA e o Parlamento Amazônico (Parlamaz) só vão ser chanceladas caso tenham total apoio dos oito países amazônicos. Por ora, um grupo de trabalho deve ser escalado para tratar do tema, que deve passar por um processo longo e demorado até chegar a uma proposta final.

Ideologia precisa ser deixada de lado para OTCA cumprir sua verdadeira função

Para que a OTCA consiga executar sua função com protagonismo, os especialistas defendem que a organização não seja contaminada por viés ideológicos. "As pautas ideológicas tendem a ser retrocesso, especialmente nos últimos anos, em que observamos um país polarizado. Devemos mobilizar uma nação por aquilo que nos une, não por aquilo que nos separa. A Amazônia nos une", defende Medeiros Filho.

"A OTCA é uma organização de questão geopolítica. A ideia geopolítica central por trás do arranjo institucional foi a de que a gestão soberana sobre o território amazônico deve ser exclusiva dos países condôminos. Nesse sentido, a agenda oriunda da OTCA possui duas dimensões: o desenvolvimento e a gestão socioambiental da região por um lado e a manutenção da soberania dos países amazônicos por outro", ressalta o especialista.

Ainda que oito países formem a floresta amazônica, é o Brasil que detém 60% da área. Para o coronel, o Brasil não deve perder a chance de se tornar um protagonista na defesa da Amazônia. Ele pontua que o país é uma potência ambiental atualmente, com insumos de poder relacionados à segurança hídrica, energética e alimentar.

"As mudanças climáticas têm sido apresentadas como a ameaça existencial de nossos dias. Nesse sentido, pela primeira vez na história, o Brasil ocupa posição central em uma questão de segurança internacional. Diante da pressão internacional, que tende a ser cada vez maior, liderar uma organização como a OTCA parece ser o melhor antídoto contra as ameaças geopolíticas e securitárias do porvir", finaliza o especialista.

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