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Fundo indígena brasileiro busca recursos internacionais para demarcações de terras indígenas
Fundo indígena brasileiro busca recursos internacionais para demarcações de terras indígenas| Foto: EFE/ Raphael Alves

A pressão internacional pela demarcação de terras indígenas no Brasil vem atuando de várias maneiras para atingir o seu objetivo. Uma delas é a destinação de recursos para que organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras, por meio de um fundo indígena, possam agir junto ao governo federal nos processos de demarcação.

Neste intuito, o Fundo Podáali (Fundo Indígena da Amazônia Brasileira), criado pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), já recebeu pelo menos US$ 55 mil do Tenure Facility, um fundo internacional que investe na “garantia dos direitos fundiários” em países com populações indígenas. Criado em 2020, o Podáali se apresenta como um fundo gerido e liderado totalmente por indígenas. Visando garantir a demarcação de terras indígenas, com enfoque nos estados da Amazônia, o Podáali tem atuado junto aos órgãos do governo federal, tais como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI).

A doação de US$ 55 mil pelo Tenure Facility ao fundo indígena brasileiro é apenas o começo de um projeto de 3 anos que pode render cerca de US$ 3 milhões. De acordo com matéria publicada no site do fundo internacional, "esse financiamento também permitirá que a COIAB ajude a promover a segurança de posse nas terras dos Povos Indígenas na Amazônia brasileira".

O International Land and Forest Tenure Facility (Fundo Internacional para a Posse de Terras e Bosques, em tradução livre), ou somente Tenure Facility, tem entre seus objetivos a construção de “relacionamentos com os principais atores do governo e do setor privado, fornecendo o conhecimento técnico necessário para implementar os direitos de posse dentro das leis e políticas existentes”. Lançado em Estocolmo, em 2017, trata-se da primeira instituição mundial dedicada aos direitos de propriedade das comunidades indígenas. Financiada por Suécia, Noruega e pela americana Fundação Ford, a organização já concedeu recursos e assessoria a projetos em países como Peru, Mali e Indonésia.

O Tenure Facility também é mencionado, em relatórios da Fundação Ford, como o “primeiro e único mecanismo financeiro internacional exclusivamente focado em parceria com comunidades indígenas para proteger seus direitos à terra e à floresta”.

Dados obtidos no site oficial do Podáali também apontam que o fundo tem contratos com outras organizações que recebem dinheiro de doadores estrangeiros. É o caso de contratos com a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese), que tem dentre os apoiadores a Fundação Ford, a Brot für die Welt (organização alemã) e a Fundação Wilde Ganzen (organização holandesa); e o Fundo Brasil, que também recebe recursos da Fundação Ford, entre outras. Em 2022, o Fundo Brasil deu destaque para uma doação da filantropa Mackenzie Scott, uma das 25 maiores doadoras dos Estados Unidos.

O Podáali é o primeiro fundo indígena brasileiro que busca recursos para atuar em questões relacionadas aos territórios indígenas, mas está longe de ser a única iniciativa no mundo. Existem pelo menos outros 25 fundos que estão listados entre os organismos indígenas dessa natureza criados em diversos países e apoiados por redes internacionais de financiadores, como a International Funders for Indigenous Peoples (Ifip) – Financiadores Internacionais para Povos Indígenas, em tradução livre) e o Forest Tenure Funders Group (Grupo de Financiadores de Posse Florestal).

Atuação de ONG indígena por demarcações é feita diretamente em órgãos do governo federal 

No site oficial do fundo indígena brasileiro, o Podáali destaca a atuação em reuniões entre as lideranças indígenas que reivindicam demarcações diretamente na Funai e no Ministério dos Povos Indígenas (MPI). É o caso da demarcação da Terra Indígena (TI) Kaxuyana Tunayana, que tem seu território declarado como pertencente aos povos originários desde 2018, mas que ainda aguarda homologação. A área reivindicada tem 2184 mil hectares, entre os estados do Amazonas e do Pará. De acordo com dados do Instituto Socioambiental (Isa), há 841 indígenas vivendo no local.

Uma das publicações menciona ainda o apoio do Tenure Facility. “O Fundo Podáali acompanha a agenda que tem relação com a parceria envolvendo este Fundo Indígena, o Território Kaxuyana/Tunayana e a COIAB com vistas a implementação do Projeto Garantindo Direitos Territoriais a povos indígenas da Amazônia Brasileira que terá apoio da Tenure Facility a partir de 2023”, diz a publicação feita em maio deste ano.

“Nós do Fundo Podáali estamos juntos, pois entendemos que a demarcação dos territórios indígenas é a base de todo o processo de ações a serem realizadas”, afirmou, ainda na publicação, a diretora executiva do Podáali, Valéria Paye Kaxuyana.

A demarcação da Terra Indígena (TI) Kaxuyana Tunayana faz parte do chamado Território Wayamu que compreende três TIs contíguas, juntas umas das outras, e configuram um grande território entre o noroeste do Pará, o nordeste do Amazonas e o sudeste de Roraima, que totalizam uma área de mais de 7 milhões de hectares.

A reportagem da Gazeta do Povo tentou contato com o Fundo Podáali, Coiab, Funai e Ministério dos Povos Indígenas, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto para manifestações.

Processo de demarcação no Brasil não prevê participação de ONGs 

A legislação brasileira não aponta impedimentos expressos para a atuação das ONGs nas demarcação. No entanto, a interferência nesses processos, especialmente dos organismos internacionais, vem sendo fortemente criticada na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Organizações Não-Governamentais (Ongs). A atuação das ONGs junto aos órgãos do governo federal se dá por meio de acordos, termos de cooperação, consultorias e da participação de antropólogos ligados às ONGs no processo de identificação das áreas a serem demarcadas.

É o caso, por exemplo, do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) do Território Wayamu, mencionado acima, que foi elaborado a partir de um termo de cooperação entre a Funai e o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé). O plano contou com o financiamento da Fundação Betty e Gordon Moore. A Fundação Moore, como é conhecida, é mais uma das ONGs internacionais que tem frequente ligação com ONGs indígenas brasileiras e está dentre as mencionadas na CPI que trata do tema.

Busca por recursos para terras indígenas reúne fundos e financiadores pelo mundo 

Toda a movimentação em torno de fundos indígenas com foco na criação e gestão de territórios dedicados a essa população foi referendada na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021. Na oportunidade, um compromisso de US$ 1,7 bilhão foi firmado por 22 doadores bilaterais (doações diretamente concedidas pelos países doadores aos beneficiários) e filantrópicos. O objetivo declarado foi a necessidade de um “maior apoio às comunidades florestais na mitigação das mudanças climáticas, na proteção dos ecossistemas e da biodiversidade, e na prevenção do desmatamento”.

O Forest Tenure Funders Group aponta que aproximadamente 1,6 bilhão de pessoas vive perto de florestas e depende dos recursos florestais para sua subsistência, e cerca de 36% das florestas intactas restantes do mundo estão em terras indígenas. Para o grupo de financiadores, “apesar do importante papel que os indígenas povos e comunidades locais desempenham na proteção das florestas e da natureza, apenas uma pequena proporção dessas comunidades detém direitos seguros de possuir, gerenciar e controlar suas terras e recursos”.

De acordo com dados publicados no site do Ifip, os povos indígenas constituem a maior minoria do mundo, com quase 5% da população global. Ainda segundo o Ifip, os territórios indígenas tradicionais cobrem até 24% da superfície terrestre do mundo e contêm 80% das áreas prioritárias de biodiversidade global.

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