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Funcionários da Receita Federal fazem apreensão de drogas acomodadas em casco de navio
Funcionários da Receita Federal fazem apreensão de drogas acomodadas em casco de navio| Foto: Divulgação / Receita Federal

A Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) criada recentemente pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para usar militares para combater o tráfico de cocaína feito por facções criminosas está focada em apenas três portos, no Rio de Janeiro e São Paulo. Mas ela deixa de lado outros 410 portos brasileiros que respondem por cerca de 80% do transporte marítimo internacional no Brasil.

Ou seja, a fiscalização focada nos portos do Rio de Janeiro (RJ), Itaguaí (RJ) e Santos (SP) pode fazer a criminalidade mudar suas operações para outros portos, segundo afirmou o general da reserva Marco Aurélio Vieira, ex-secretário especial do Esporte do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), durante o programa Assunto Capital, da Gazeta do Povo.

"O Brasil tem 8,5 mil quilômetros de costa, então, se você resolve fazer isso no porto do Rio de Janeiro, você acha que consegue impedir que isso (o tráfico) aconteça nos outros?", afirmou o general. Clique aqui e veja o programa completo. “É como se você anunciasse para os traficantes que, a partir de uma determinada data, não fosse deixar que eles utilizem certos portos e aeroportos”, disse.

Operação não interromperá tráfico nem nos portos fiscalizados, diz procurador

Além disso, mesmo nos portos fiscalizados a operação dificilmente vai conseguir impedir o tráfico internacional de cocaína. Isso porque, na prática, mesmo com o reforço de militares é impossível fiscalizar todos os contêineres suspeitos sem causar um colapso no transporte marítimo do Brasil.

“A grosso modo, a droga que é exportada vai por contêineres – e são milhares deles em cada porto. Então, na força bruta, a GLO, se conseguir, irá fiscalizar cerca de 1% dos contêineres nesses portos e os resultados são improváveis”, afirmou o procurador do Ministério Público de São Paulo Marcio Sergio Christino. Ele foi um dos primeiros membros do Ministério Público a investigar o Primeiro Comando da Capital (PCC), facção que é uma das maiores operadoras da rota de cocaína. Christino também é autor do livro "Laços de Sangue: A história secreta do PCC" (Ed. Matrix; 2017).

De acordo com o Estatístico Aquaviário da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), entre janeiro e setembro desse ano, 93,3 milhões de contêineres foram movimentados nos portos brasileiros. Somente o Porto de Santos foi responsável pela movimentação de 26 milhões de unidades, seguidos pelos Terminais Portuários de Navegantes (SC) com 11,4 milhões e pelo Porto de Paranaguá com 8,6 milhões.

Autoridades portuárias usam máquinas de raio-X para selecionar contêineres para inspeção. Mas a inspeção de uma única unidade leva horas, pois toda a mercadoria tem que ser descarregada e depois recarregada manualmente.

“As facções criminosas não estão nem aí para essa fiscalização, porque é quase impossível para a Marinha encontrar os contêineres que estão carregados com cocaína. Quando há uma apreensão feita pela Receita Federal (RFB), por exemplo, é porque houve uma investigação anterior e uma informação a respeito de onde está a droga. Assim, ao acaso, é muito pouco provável que a GLO tenha qualquer resultado”, afirma o procurador.

O volume de transporte nos portos da GLO é um impedimento

Desde o dia 6 de novembro, a GLO emprega 1.100 militares da Marinha do Brasil para fiscalizar pessoas e cargas em três dos 413 portos e terminais portuários, públicos e privados no Brasil. Outros 800 marinheiros trabalham em embarcações para impedir o acesso de criminosos aos portos usando pequenos barcos.

As atividades estão sendo implementadas nos Portos de Santos (SP), do Rio de Janeiro (RJ) e de Itaguaí (RJ) que, juntos, responderam pela movimentação de 148,6 milhões de toneladas entre janeiro e setembro deste ano.

Esse total equivale a 21,8 % dos 680 milhões de toneladas transportadas em rotas internacionais a partir de todos os portos e terminais marítimos nacionais, segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

Dois dos principais portos nacionais, o Terminal Marítimo de Porto Madeira, no Maranhão, responsável pelo embarque e transporte de 119 milhões de toneladas, e o Terminal de Tubarão, no Espírito Santo, com 56 milhões, ficaram de fora da GLO.

Apesar do volume menos expressivo de cargas, os portos baianos de Aratu e de Salvador, responsáveis por, respectivamente, 5 e 3 milhões de toneladas, também não foram incluídos na operação. Desde o início do ano, a Bahia enfrenta uma grave crise de segurança pública com aumento da criminalidade relacionada ao tráfico de drogas.

Cocaína andina passa pelo Brasil e vai para a Europa e África

Os portos são o principal vetor para a exportação de cocaína dos países andinos para a Europa por meio do Brasil. Isso ocorre porque os navios de carga que saem do país rumo à Europa podem levar centenas de quilos, até toneladas, de cocaína de uma só vez sem chamar atenção. É muito mais, por exemplo, do que podem levar as chamadas "mulas do tráfico", pessoas que embarcam em voos levando cocaína na mala ou escondida no corpo.

Segundo Christino, a facção criminosa Primeiro Comando da Capital, ou PCC, é a principal responsável pela exportação de cocaína nos portos nacionais - cerca de 90%. Ele explicou que a facção se aliou a produtores da Bolívia para que a droga chegue ao rico mercado europeu.

O Comando Vermelho (CV) também tem sua parcela nas exportações de cocaína, mas atua nos portos ao Norte do país para escoar a produção que vem do Peru. O procurador afirma que o CV tem maior proeminência no tráfico interno, que se utiliza da costa do Nordeste brasileiro para fazer com que a droga chegue ao Sudeste.

No ano passado, 25 toneladas de cocaína foram apreendidas nos portos brasileiros pela Receita Federal. O porto de Santos foi o principal ponto de apreensão, com 16,4 toneladas encontradas. Segundo autoridades europeias, Santos é um dos maiores pontos, em todo o mundo, de envio de cocaína para o continente. Não há dados sobre os portos do Rio de Janeiro.

Mas portos menores também são utilizados. O Relatório Global do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC), divulgado em julho de 2022, reforça a informação do procurador: o documento diz que portos localizados no Norte e Nordeste também se tornaram entrepostos para o tráfico internacional de cocaína.

Além de transportar as drogas em meio aos alimentos e outras cargas nos contêineres, há volumes de droga que chegam a ser acomodados por mergulhadores altamente capacitados nos cascos e compartimentos submersos dos navios.

Atualmente, os traficantes utilizam navios rumo à Europa, mas com paradas em portos africanos para despistar a fiscalização de países como Bélgica, Itália e Holanda. Os principais destinos da droga que sai do Brasil são Espanha e Portugal.

As estratégias e a duração da GLO

Em princípio, a Marinha divulgou que as ações no âmbito da GLO visam reforçar a fiscalização de pessoas e mercadorias nos portos. A ação pretende aumentar as capacidades da Receita Federal e da Polícia Federal de fiscalizar os contêineres que serão embarcados. Ao todo, 750 fuzileiros foram destacados para os Portos do Rio de Janeiro e Itaguaí e 350 para Santos.

Além disso, está prevista a atuação de 20 embarcações, como lanchas blindadas, navios de patrulha de grande porte e motos aquáticas. A ideia é impedir que pequenos barcos carregados com cocaína se aproximem dos navios e façam o embarque ilegal da droga.

Segundo Christino, operações de combate ao tráfico só podem gerar resultados efetivos caso sejam focadas em ações de investigação. Mas ele disse que não sabe se serão feitas investigações no escopo de ações da GLO.

No entanto, sem o trabalho de colher elementos e buscar informações privilegiadas sobre as cargas é possível, mas improvável, que a GLO gere os efeitos desejados.  “O uso de massa bruta para executar uma ação fiscalizatória como uma forma de inibir o tráfico em si, não me parece uma estratégia boa”, afirmou.

A Operação de Garantia da Lei e da Ordem foi decretada no dia 1º de novembro pelo Governo Federal em resposta a ondas de violência no Rio de Janeiro e na Bahia – ainda que o estado nordestino não seja alvo de nenhuma das ações anunciadas. Foi iniciada em 6 de novembro e a estimativa é de que as atividades sigam até o dia 3 de maio de 2024.

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