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Plenário Câmara
Câmara retoma na próxima semana agenda de votações após recesso informal para tratar de questões relacionadas à janela partidária.| Foto: Câmara dos Deputados

Após um período de recesso informal para lidar com questões partidárias relacionadas às eleições municipais, os trabalhos legislativos na Câmara e no Senado serão retomados na semana de 8 de abril sob intensa pressão do calendário político. O governo enfrenta um desafio apertado, tendo na prática apenas três meses para negociar a aprovação de projetos em um ano encurtado pelas disputas eleitorais. Há também o risco de o Congresso conduzir as votações de maneira ainda mais independente do que em 2023.

Março encerrou com a aprovação de matérias relevantes na Câmara, incluindo o chamado Combustível do Futuro, a nova política do Ensino Médio, a isenção do Imposto de Renda para até dois salários-mínimos, a Lei de Falências e a uniformização dos juros em contratos de dívidas.

O Planalto segue, contudo, buscando apoio para viabilizar projetos como o da desoneração da folha de pagamento dos municípios e da redução do número de setores contemplados pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), recém-encaminhados pelo líder, deputado José Guimarães (PT-CE).

Na última quarta-feira (27), foi realizado na Câmara um encontro para discutir a manutenção integral do Perse, com participação de empresários e representantes do setor. O evento foi motivado pelo acordo firmado entre governo e parlamentares, no qual o Executivo se comprometeu a encaminhar um projeto de auxílio ao setor para compensar os efeitos da MP 1202/23, que antecipava o fim gradual do benefício.

“Agora, há a expectativa de que seja apresentado um requerimento de urgência à matéria apresentada pelo governo, de modo a ser votada diretamente no plenário”, pontuou o analista Marcus Deois, diretor da Ética Consultoria Política.

Antes disso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deixou perderem a validade trechos da MP 1202/23 que aumentavam a carga tributária sobre a folha de pagamento de cerca de 3 mil prefeituras. O governo contava com R$ 10 bilhões dessa proposta e o ministro Fernando Haddad (Fazenda) disse ter sido surpreendido pelo gesto de Pacheco, que nega afronta ao governo.

Governo ainda não propôs regulamentação da reforma tributária

Enquanto isso, a regulamentação da reforma tributária segue em destaque, mas com certo retardo do governo. Alertado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre a demora em apresentar propostas de regulamentação da reforma tributária, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) comprometeu-se a enviá-las até meados de abril. Ele disse que o governo está fazendo discussões “sem açodamento”.

Ocorre, contudo, que a partir de junho a agenda dos parlamentares se dividirá entre Brasília e as suas bases em razão das festas juninas e da preparação para as campanhas eleitorais, que chegam às ruas em agosto. Em novembro, as negociações para a as presidências das duas Casas do Congresso passam a dominar.

Para completar esse quadro de dificuldades, lideranças parlamentares de várias frentes apresentaram um projeto de lei complementar sobre a desoneração da cesta básica, colocando o governo em uma posição de retaguarda, uma vez que ainda não tem contraproposta acabada e ainda se encontra em apuros fiscais. Quando o Ministério da Fazenda enviar seu projeto, ele será atrelado ao PLP 35/24, protagonizado pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

Com as pesquisas revelando quedas de popularidade do presidente Lula, em boa parte puxada pela inflação dos alimentos, o governo nem consegue se aproveitar da proposta e ainda nem sabe estimar as perdas de receita com ela. A questão do corte das emendas de comissão, inclusive, é outro foco das nas negociações entre Executivo e Legislativo, com o aperto orçamentário como cenário. O governo busca espaço fiscal para abdicar dos R$ 5,6 bilhões vetados das emendas. Mas reconheceu existir margem de negociação para atender às demandas dos congressistas.

MP da reoneração da folha ainda deixou dúvidas pelo caminho

Sem que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), tenha agendado sessão conjunta para analisar vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), disse que a comissão mista da medida provisória (MP) 1202/2023, que tratava da reoneração da folha de salários de 17 setores da economia será instalada na próxima terça-feira (9). O relator da proposta, deputado Rubens Pereira Jr. (PT-MA), vai se restringir à limitação das compensações tributárias.

Após a forte reação dos parlamentares, o governo decidiu tirar a reoneração dos setores da MP 1202/2023 e decidiu tratar dos assuntos embarcados nela via projetos de lei. Randolfe não explicou como o governo vai lidar com o fim dos 90 dias de suspensão da MP, que passou a vigorar desde segunda-feira (1º), com as suas regras sobre a reoneração dos municípios e o Perse.

Sem ter uma base sólida de apoio no Congresso, o governo tem tido dificuldade em orientar as suas bancadas em votações realizadas nos plenários da Câmara e do Senado. Na avaliação de parlamentares governistas, essa situação fica ainda mais difícil quando o tema em discussão foge da área econômica. O Planalto decidiu, por exemplo, abrir a mão de tratar como prioridade a PEC que obriga militares a irem para a reserva para se candidatarem a cargos públicos.

Protagonismo do Congresso fortalece o semipresidencialismo

Para o cientista político João Henrique Hummel, diretor da Action Consultoria, os movimentos recentes dos líderes do Congresso são reveladores do processo de consolidação do semipresidencialismo.

A perspectiva de redução do número de partidos e consequente busca por sobrevivência política interferem no comportamento dos parlamentares, que já não mais esperam o governo para debater modelos de políticas públicas. “A apresentação de projetos de lei complementares para regulamentar a reforma tributária é um passo significativo na aproximação da sociedade com o Congresso”, disse.

Antes do começo ano, os presidentes das duas Casas, o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), já definiram alguns itens prioritários para serem votados neste ano. O primeiro deles é a regulamentação da reforma tributária aprovada e promulgada pelo Congresso no ano passado. Os deputados e senadores, contudo, nem esperaram para analisar as leis complementares encaminhadas pelo governo e as comissões temáticas já apresentaram projetos. Entre esses itens, por exemplo, está a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), a definição do que estará na cesta básica e o sistema de cashback na conta de luz para a baixa renda.

Pacheco quer fazer avançar um projeto de atualização do código civil, elaborado por um grupo de juristas convidados. Ele também pretende colocar em votação neste ano uma ampla reforma eleitoral, com a revisão do código eleitoral.

Governo e ruralistas unidos pelos estímulos aos biocombustíveis

Dentro da chamada “agenda verde”, estão o projeto do "combustível do futuro" e o Programa de Aceleração da Transição Energética (Paten).

Uma parte do setor do agronegócio, que tem suas bases inclinadas à oposição, busca aproximação com o governo para potencializar o segmento de bioenergia, que inclui as usinas de etanol e biodiesel. As agroindústrias têm interesse em aprovar rapidamente no Senado e sem mudanças o projeto de lei 528/2020, que estabelece novo marco regulatório para os biocombustíveis, incluindo importante aumento do percentual de mistura de etanol na gasolina e de biodiesel no óleo diesel, de até 25%.

O deputado Alceu Moreira (MDB-RS) e o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) são os principais articuladores dessa aliança pragmática entre Legislativo e Executivo.

Depois do avanço da reforma tributária, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), já disse que a prioridade do Congresso para este ano será o debate sobre a reforma administrativa, que conta com a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32, de 2020.

A discussão do tema tem chance de entrar na pauta do Congresso também com apoio do governo, mais interessado em buscar uma forma de conter supersalários, sobretudo os do Judiciário, conforme acenou a ministra da Gestão, Esther Dweck.

O Ministério da Fazenda até concorda com uma reforma que trate da revisão dos métodos de avaliação de servidores, das progressões de carreira e de salários iniciais, mas mostra resistência a qualquer iniciativa de flexibilizar a estabilidade dos servidores.

Clima político pode atrapalhar votações de interesse do governo

Para Arthur Wittenberg, professor de Relações Institucionais e Políticas Públicas do Ibmec-DF, há mais obstáculos do que facilidades para o governo avançar sua agenda legislativa.

Em primeiro lugar, há no período pré-eleitoral um aumento da polarização política, juntamente com operações judiciais ainda em torno dos atos do 8 de Janeiro, o que pode prejudicar a aprovação de projetos importantes. Em segundo, o Congresso continua fragmentado, com inclinação para a centro-direita. Isso resulta em falta de previsibilidade na aprovação de pautas, com negociações sendo realizadas caso a caso.

O terceiro e último ponto é que a agenda do governo vai além de questões econômicas, implicando em desafios consideráveis, exigindo habilidades de articulação política e uma clara priorização das políticas públicas para aumentar as chances de aprovação.

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