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Marco temporal para demarcação de terras indígenas expõe fragilidades do Congresso para definição do tema
Marco temporal para demarcação de terras indígenas expõe fragilidades do Congresso para definição do tema| Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

A definição sobre como se dará a demarcação de terras indígenas no Brasil segue sem previsão de desfecho, tramitando ao mesmo tempo no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF). O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está manobrando para atrasar a discussão do assunto no Senado, com a esperança de ganhar tempo para que o Supremo decida acabar com marco temporal e facilite a demarcação de mais terras indígenas no Brasil.

Essa decisão é importante tanto para o agronegócio quanto para os pequenos produtores e moradores de regiões rurais. O marco temporal diz que os povos indígenas têm direito sobre as terras em que estavam assentados na época da promulgação da Constituição de 1988.

Mas parte dos indígenas e o governo Lula não querem essa regra, já que esperam aumentar o número de terras indígenas demarcadas. Hoje, cada indígena brasileiro já tem direito a uma área equivalente a 99 campos de futebol e a ideia da gestão petista é aumentar esse "direito" ainda mais.

No Congresso, o tema está sendo discutido em um projeto de lei que já passou na Câmara e está no Senado. No STF, os ministros estão analisando um processo específico de posse de uma área em Santa Catarina, a qual pode virar jurisprudência e nortear todas as decisões futuras sobre o tema.

O governo Lula tem algumas estratégias para lidar com o projeto de lei no Congresso, enquanto ganha tempo para o STF tomar a sua decisão. A primeira é fazer o projeto de lei passar pelo maior número de comissões possível. Depois, caso aprovado, ainda poderá usar o veto presidencial. Mas se o veto for derrubado por deputados e senadores e o projeto for promulgado pelo Congresso, a esquerda ainda pode contestar a legalidade da medida no Supremo por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin).

Marco temporal foi aprovado pela Câmara e está sendo analisado no Senado

A Câmara aprovou em maio o Projeto de Lei 490/2007, que trata do marco temporal, e o texto seguiu para o Senado, onde ganhou um novo número: PL 2.903/23. Lá, um relatório da senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS) sobre a proposição foi aprovado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).

Agora, os senadores se preparam para analisar o relatório do senador Marcos Rogério (PL-RO) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator deve se manifestar a favor do marco temporal. Ele conta com o apoio da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) para garantir a aprovação do seu relatório. A frente tem apoio de 50 dos 81 senadores.

“Na CCJ é um novo ambiente de discussão. Eu já iniciei os trabalhos de preparação do relatório, conversei com membros da FPA, com a ex-ministra Tereza Cristina e também com o líder do governo. Nós estamos espremidos com o tempo, pois há uma pressão muito forte sobre o Senado, já que esta matéria está sendo tratada também no STF”, disse o senador.

No STF, placar da votação está 4 a 2 contra o marco temporal

No Supremo, o placar do julgamento até o momento registra quatro votos contrários ao marco temporal (dos ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso) e dois favoráveis (dos ministros Kassio Nunes Marques e André Mendonça). Sendo assim, a maioria ainda não está formada, pois restam cinco votos para a conclusão da análise dessa questão.

Após os votos mais recentes dos ministros do STF sobre o marco temporal, o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR), reafirmou o apelo do agro brasileiro pela aprovação do marco temporal.

“Tememos pela expropriação de terras no Brasil, que viola cláusulas pétreas da nossa Constituição. Esperamos que os ministros restantes optem por uma decisão sensata, que considere a totalidade da sociedade brasileira. O marco temporal é uma questão de justiça para todos os brasileiros”, disse Lupion por meio das redes sociais.

Governo age para alongar debates sobre o marco temporal no Senado 

O projeto de lei do marco temporal precisou de 16 anos de debates para ser aprovado na Câmara dos Deputados. Recebido no Senado em 1º de junho, a proposição foi distribuída para a análise da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária e da Comissão de Constituição e Justiça. Depois dessa etapa, será debatido e votado pelo plenário.

Senadores favoráveis ao marco temporal buscaram a apresentação de um requerimento de urgência, que faria com que o PL fosse votado diretamente no plenário, sem passar pelas comissões.

No entanto, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), esteve com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, antes mesmo da votação na Câmara dos Deputados, em 30 de maio. Em entrevista à imprensa após o encontro, ele sinalizou que a apreciação na Casa seguirá o rito normal, com “cautela” e “prudência”.

Na tentativa de barrar a tramitação do projeto de lei até que o STF decida sobre o caso, apoiadores do governo no Congresso buscaram alternativas para postergar a tomada de decisão no Senado.

De acordo com Pacheco, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, teria pedido que a análise da matéria fosse feita também pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) ou pela Comissão de Meio Ambiente (CMA). Mas isso ainda não está decidido.

Em entrevista à imprensa, no entanto, o presidente do Senado sugeriu que não deve alterar a tramitação. “A princípio, [o projeto vai para as Comissões de] Agricultura e Constituição e Justiça. É um tema muito típico da CCJ, e espero que ela possa entregar o melhor texto possível em relação a esse tema. A deliberação feita pela Secretaria Geral da Mesa foi para essas duas comissões e o Plenário. Para passar em outra comissão, é preciso que haja uma maioria com esse entendimento. Podemos considerar, mas evidentemente que esse é um exercício de maioria”, afirmou Pacheco.

Apesar da cautela com que o presidente do Senado tem tratado do tema, o relator do projeto de lei na CCJ, Marcos Rogério, disse estar empenhado em aprová-lo o mais rápido possível.

“Temos o compromisso de fazer com que essa matéria vá para votação no plenário do Senado, e sendo aprovado, vá à sanção. [...] O nosso esforço é para evitar modificações que façam com que a matéria volte para a Câmara, mas isso vai depender, obviamente, do conjunto dos senadores. O nosso esforço é caminhar o mais rapidamente possível”, afirmou o relator da matéria.

Decisão sobre marco temporal teria que ser do Congresso, que representa o povo

Um cenário de incertezas envolve as possíveis definições sobre o marco temporal para demarcação de terras indígenas. A avaliação de analistas demonstra que se trata de uma questão bastante complexa, embora eles entendam que deva prevalecer a legislação formulada pelo Congresso Nacional.

O advogado especialista em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (UFG) Rudy Ferraz disse acreditar na independência e na harmonia entre os poderes Judiciário e Legislativo. “Acho importante dizer que os poderes são harmônicos e independentes. A visão que cada um tem de uma situação merece o devido respeito diante das atribuições que a Constituição atribuiu a cada um. Contudo, é importante frisar que normas polissêmicas [múltiplas], em regra, dependem de maior deferência ao Legislativo, visto ser o representante do povo e definidor de políticas públicas”, disse Ferraz.

Cenários no Senado são de veto de Lula e recurso judicial

Responsável pelas relações públicas do Movimento de Defesa da Propriedade, Dignidade e Justiça Social (DPD), o advogado Carlos Zimmer avalia a questão do ponto de vista dos pequenos produtores do oeste catarinense, os quais há pelo menos 20 anos vivem na insegurança jurídica causada pela indefinição sobre o marco temporal. Ele destaca os principais cenários, tendo em vista a possibilidade de veto de Lula, caso o texto passe no Senado, e ainda a possível contestação da constitucionalidade do projeto de lei por meio de Adin no STF.

“Primeiro que o projeto de lei ainda não foi aprovado no Congresso. Sendo aprovado, pode ser vetado pelo presidente, o que a gente julga muito provável. Depois, o Congresso ainda pode derrubar o veto. Derrubando o veto, ou, num cenário mais improvável, contando que não haja veto, partidos políticos podem entrar com uma Adin no STF arguindo que se trata de matéria constitucional, que não deveria ser tratada por lei e sim, por meio de proposta de emenda constitucional (PEC)”, pontua Zimmer.

Já para o advogado Rudy Ferraz, a aprovação do projeto de lei trará um novo elemento para o caso. “Temos que verificar que o STF não está analisando o projeto de lei. A Corte está analisando um caso específico que chegou ao Tribunal, momento em que se definirá uma interpretação do art. 231 da Constituição da República. Vindo o Congresso a editar uma lei sobre a questão, o STF analisará a questão com um novo elemento, qual seja, a manifestação do legislador sobre sua interpretação do art. 231 da Constituição”, disse Ferraz.

Zimmer reforça o entendimento de Ferraz. “Acreditamos que o Congresso deve dar uma posição para sinalizar ao STF sobre qual é o entendimento do [Parlamento] brasileiro [em relação ao marco temporal]. Eu só digo que essa lei tem alguma fragilidade, porque ela pode ser questionada. Entendo que isso deveria ser resolvido a nível de Legislativo. Quem faz as leis é o Congresso e o STF interpreta”, destacou o representante do Movimento de Defesa da Propriedade, Dignidade e Justiça Social.

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