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Janja
A primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, usou as redes sociais para comentar sobre a privatização da Eletrobras no dia do apagão que atingiu quase todo o país.| Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil.

A primeira-dama Rosângela Silva, a Janja, voltou novamente aos holofotes nesta semana ao culpar a privatização da Eletrobrás pelo apagão ocorrido no país na terça-feira (15). Tendo forte influência sobre o marido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a socióloga paranaense aparenta se comportar como se fosse uma ministra de Estado. Diferente de primeiras-damas anteriores, ela exerce não só um papel de "eminência parda", mas participa publicamente dos debates em torno do governo.

Os movimentos políticos de Janja podem desgastar as já delicadas negociações de Lula com o Centrão. Com a minirreforma ministerial às portas, a primeira-dama se se articula nos bastidores para evitar que os ministérios ocupados por mulheres, como o da Saúde (Nísia Trindade), da Cultura (Margareth Menezes) e do Esporte (Ana Moser) sejam mantidos na atual configuração. O ministério da Saúde e do Esporte estavam entre os interesses dos partidos do Centrão, como o Republicanos, mas a tendência é que não haja mudanças nestas pastas.

A primeira-dama também defendeu a permanência do ministro Wellington Dias no Desenvolvimento Social, pasta cobiçada pelo Centrão em troca de apoio político ao Palácio do Planalto. Após reunião com o próprio Dias, Janja afirmou, em julho, que a pasta é “o coração do governo”. Mas pode ser que ela perca essa queda de braço com o Centrão. O ministério responsável pela gestão do Bolsa Família é negociado com o PP e tem o deputado André Fufuca como possível sucessor de Dias.

Além das trocas ministeriais, Janja também acumulou polêmicas por defender a eleição da presidente Nacional do PT, Gleisi Hoffmann, ao Senado caso o senador Sergio Moro (União-PR) perca o mandato. No dia seguinte à declaração, em 30 de junho, ela obteve auxílio da Presidência da República para divulgar uma live: o programa Papo Reto.

A lista de transmissão oficial governo, através do aplicativo Whatsapp, é usada normalmente apenas para informar à imprensa sobre a agenda oficial do presidente Lula e comunicados institucionais. Com as críticas, a Presidência informou que o uso foi um “equívoco” e que a prática “não vai se repetir”.

Mas esta não foi a primeira vez que Janja se beneficiou do aparato estatal para divulgar conteúdo próprio. Em março, o “Papo Reto” foi transmitido pela TV Brasil, veículo público de comunicação da EBC (Empresa Brasil de Comunicação). A repercussão gerou diversas críticas e o caso foi para na Justiça. A 25ª Vara Cível Federal de São Paulo determinou que a EBC explicasse a transmissão com a primeira-dama.

O comportamento político de Janja também é estendido para suas atuações enquanto acompanhante de Lula nas viagens oficiais do governo. A compra de uma gravata de R$ 1.000 reais em Lisboa, em 30 de abril, e as altas despesas com hospedagem mostraram que primeira-dama parece não se preocupar com uma ação mais discreta.

A pedido dela, a Presidência gastou aproximadamente R$ 200 mil em móveis para o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente. Os destaques foram um sofá reclinável de R$ 65 mil e uma cama de casal no valor de R$ 42 mil.

Aos olhos de aliados, a primeira-dama é vista como uma espécie sensor entre o que acontece no governo e o que chega a Lula. Ela também faz a ponte entre o chefe do Executivo e as redes sociais, visto que Lula não tem celular particular. Apesar de não ter uma agenda oficial, ela promove reuniões com ministros e demonstra interesse em intervir nas pautas.

De acordo com um levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo, ela teve pelo menos sete reuniões com ministros ao longo dos primeiros meses de governo:

  • 10 de janeiro - Margareth Menezes (Cultura): vistoria aos estragos causados pelo 8 de janeiro;
  • 16 de janeiro – Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação);
  • 27 de janeiro – Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais);
  • 2 de março – Cida Gonçalves (Mulheres) e Anielle Franco (Igualdade Racial);
  • 6 de março – Esther Dweck (Gestão e Inovação);
  • 17 de março – Rui Costa (Casa Civil).

A articulação da primeira-dama data desde o período pós-eleitoral, quando integrou a equipe de transição do gabinete de Lula. Já na época, ela fazia indicações de nomes para cargos no governo, como foi o caso da professora paranaense e ex-diretora de Itaipu Maria Helena Guarezi para o Ministério da Mulher. Apesar da preferência, Aparecida Gonçalves foi escolhida porque a militância do PT entendeu que deveria ter espaço na indicação do nome.

A própria montagem da equipe ministerial também foi motivo de atrito com o Centrão. Na época, ela vetou o deputado Pedro Paulo (PSD) para assumir uma das pastas cedidas ao partido de Gilberto Kassab, em função de denúncia de agressão do parlamentar à sua ex-mulher.

Atuação de Janja pode atrapalhar governo

A reportagem conversou com cientistas políticos para entender como a atuação política da primeira-dama pode afetar a articulação do governo Lula com demais atores políticos, em especial o centrão. Em um momento em que a relação entre Executivo e Legislativo se encontra fragilizada, com destaque para as declarações do ministro da Fazenda Fernando Haddad sobre a Câmara dos Deputados, a postura aberta de Janja ao falar sobre a Eletrobras pode aumentar o desgaste na relação entre os poderes.

Para o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPE), o comportamento da primeira-dama pode ser considerado incomum para o papel que tradicionalmente as primeiras-damas exercem.

"O histórico acumulado que a gente tem é de primeiras-damas com uma conduta discreta e que se envolvem em ações sociais, humanitárias e de assistência a pessoas em condição de vulnerabilidade. É incomum, na história política brasileira, que você tenha primeiras-damas se envolvendo diretamente com os assuntos de governo de forma incisiva".

Ele acrescenta: "A tendência é que o mundo político veja isso com muito maus olhos. O mundo político não gosta de pessoas de fora do jogo dando opiniões, fazendo comentários. Acredito que isso gere desconforto, sobretudo, entre as elites partidárias. O PT é um partido muito hierarquizado e deve ressentir isso. Isso pode acabar atrapalhando acordos e barganhas que são o Alfa e o Ômega do presidencialismo de coalização brasileiro".

Professor da Universidade de Brasília (UNB), o cientista político Waldir Pucci alega que Janja não é a primeira no cago de primeira-dama a intervir em questões de governo. Mas diferentemente de suas antecessoras, ela exerce sua influência de modo público.

“As outras (primeiras-damas) também intervieram. Dona Ruth interveio no governo de Fernando Henrique, Michele Bolsonaro interveio em muitas coisas do ex-presidente Bolsonaro, mas sempre fizeram internamente. Janja não. Ela não faz questão de esconder. Ela se coloca como uma articuladora política dentro do próprio governo", disse.

Ele complementou alegando que o comportamento também pode prejudicar a imagem do presidente nas negociações políticas encabeçadas pelo Executivo.

“É claro que essa articulação atrapalha, ao estar dando sua opinião política, quem será cobrado será o presidente. Será que o presidente pensa da mesma forma que ela pensa? Isso acaba com certeza interferindo nas negociações com o Centrão.”

A ânsia de Janja em tem ter uma independência política também é avaliada pelo professor Adriano Cerqueira, docente na Universidade Federal de Ouro Preto.

"Para que uma primeira-dama se torne um problema político, é porque ela tem uma independência polícia e uma vontade se tornar um grande ator político. Entrado na questão da Janja, é evidente que ela quer se tornar importante no governo Lula. Mas eu vejo mais vontade do que efetividade. Ela não tem popularidade e tem uma atuação autônoma que está gerando incômodo no PT. Até o momento, não vi nenhuma ação do Lula para conter isso. Isso tem duas explicações: ou ele está gostando do que ela está fazendo ou não está se comprometendo com ela", disse o cientista político.

E acrescentou: "Não a vejo, no momento, como um ator político relevante. Está gerando alguns constrangimentos para o governo por conta de querer ter um protagonismo que ela não possui. Ela não é carismática e não possui apelo popular."

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