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Lula
O presidente Lula (PT) foi declarado “persona non grata” em Israel após comparar a luta contra os terroristas do Hamas às mortes de judeus no Holocausto| Foto: Reprodução/Canal Gov

As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre Israel o afastam ainda mais de um contexto de liderança internacional e podem levá-lo ao caminho de se tornar um pária internacional. Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, ao comparar os ataques israelenses na Faixa de Gaza ao Holocausto Lula "mancha" a tradicional diplomacia brasileira.

"É possível que nos tornemos párias internacionais a partir de agora, com as diversas declarações deste governo. O Brasil teve uma época em que era visto como um possível mediador internacional, sua principal grandeza no cenário mundial. Mas isso [essa possibilidade] não só foi demonstrado que era frágil, como tem sido demonstrado que não existe mais", disse o cientista político e diretor de projetos do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais, Marcelo Suano.

No domingo (18), Lula comparou a ofensiva de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto contra o povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45). “O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse o presidente a jornalistas durante viagem à Etiópia.

O conflito entre Israel e o Hamas iniciou em 7 de outubro, quando o grupo terrorista atacou o pais, matando aproximadamente 1,2 mil pessoas. Israel reagiu nos dias seguintes ocupando militarmente a Faixa de Gaza. Desde então, mais de 20 mil pessoas morreram.

A declaração de Lula causou uma reação quase imediata do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que condenou as afirmações. O embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meyer, foi convocado para prestar esclarecimentos sobre o que foi dito pelo mandatário brasileiro. O gesto é considerado uma advertência grave no meio diplomático, uma espécie de contra-ataque. Lula, por sua vez, também convocou o embaixador israelense no Brasil, escalando a crise.

"Essa declaração (de Lula) não traz nenhum benefício concreto para as metas de política internacional do Brasil, mas pode trazer uma série de prejuízos", avalia Elton Gomes, professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Além de causar uma instabilidade na relação bilateral com Israel, as declarações de Lula vão contra à política "sem inimigos declarados, nem aliados incondicionais" da diplomacia brasileira.

"O Brasil pratica essa neutralidade sobretudo por ter uma diplomacia pautada pelo comércio e essa centralidade exige que o país não tenha nem inimigos declarados e nem aliados incondicionais. Portanto, a fala do presidente afeta nossa relação com Israel, país com o qual o Brasil dispõe de relações pacíficas e amistosas com boas relações econômicas, além de outros países", avalia o professor.

Afastamento do Brasil das discussões internacionais

Desde que retomou para o terceiro mandato, o presidente Lula tem almejado um lugar de destaque em discussões internacionais. Nesse caminho acabou cometendo deslizes. Além das diversas críticas que teceu a Israel e as acusações de que o governo israelense tem cometido genocídio contra o povo palestino, Lula também fez afirmações contraditórias sobre o guerra entre Rússia e Ucrânia.

Lula, em diversas oportunidades, relativizou a guerra na Europa e chegou a dizer que a Ucrânia seria tão culpada pelo conflito quanto a Rússia. A guerra teve início, em fevereiro de 2022, depois que Vladimir Putin ordenou que tropas russas invadissem a Ucrânia. Tal afirmação lhe rendeu críticas de diversos países e líderes internacionais.

Lula passou a acumular críticas de países europeus e dos Estados Unidos. Diante do conflito no Oriente Médio, o brasileiro chegou a se colocar à disposição para intermediar uma solução pacífica para a guerra, mas acabou fora das discussões. Os EUA, Catar e Egito tomaram a frente e são os países que de fato têm negociado uma solução para a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas.

"O Brasil está demonstrando que não tem mais capacidade de mediação. Não podem ser mediadores indivíduos que se posicionam a favor de um lado antecipadamente em relação às negociações ou mostram, com declarações, que não têm capacidade de interpretar a grandeza das histórias específicas para tentar buscar pontos de convergência e, nesses pontos, buscar acordos e pactos que possam selar o futuro. Esse seria o papel do mediador e o Brasil não faz isso. Em especial com este governo", diz Suano.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo também condenam a forma como Lula tem escolhido para criticar Israel. Para alguns, é compreensivo que as ofensivas israelenses sejam contestadas, mas não se justifica equiparar os ataques ao Hamas ao Holocausto. Nesta segunda-feira (19), horas após a declaração de Lula, o ministro das Relações Exteriores israelense, Israel Katz, disse que Israel não vai "esquecer e nem perdoar" as afirmações do petista.

O fato de apoiar uma denúncia contra Israel da Corte Internacional de Justiça (CIJ) pelo crime de genocídio e não condenar a invasão russa à Ucrânia, mostra ainda uma "incoerência" do petista, declararam especialistas à Gazeta do Povo,

Convocação de embaixadores evidencia crise diplomática

Apesar das críticas feitas por Lula nos últimos meses, a declaração deste domingo criou fortes divergências com o governo israelense que reagiu prontamente sobre a comparação feita pelo presidente brasileiro. Em resposta, Israel chamou o embaixador do Brasil no país, Frederico Meyer, para prestar esclarecimentos no Museu do Holocausto, em Jerusalém.

A convocação do embaixador, por si só, já evidencia o descontentamento de Israel com o Brasil, a escolha do lugar não usual e de grande apelo para os judeus deixa isso ainda mais claro. No museu, o chanceler israelense, Israel Katz, mostrou a Meyer o formulário com os nomes de seus avós, mortos durante a Segunda Guerra Mundial.

Nesta segunda-feira (19), ainda em reação, o chanceler classificou o mandatário brasileiro como persona non grata "até que se retrate sobre o que disse". "Quando um país declara alguém como persona non grata, está indicando formalmente que considera aquela pessoa indesejável ou inaceitável nas relações diplomáticas", explica Elton Gomes, professor da UFPI.

Ainda nesta segunda, Lula se reuniu com ministros no Palácio do Planalto para discutir a situação com Israel. Após o encontro, o ex-chanceler e atual assessor para assuntos internacionais da Presidência, Celso Amorim, afirmou à Gazeta do Povo que o Brasil não se retrataria sobre as falas de Lula. Amorim ainda disse que essa possibilidade sequer foi discutida por ser "descabida".

Mais tarde, ainda escalando o tom contra Israel, o Palácio do Itamaraty divulgou uma nota afirmando que ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, havia convocado o embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zonshine, para prestar esclarecimentos na sede do Itamaraty no Rio de Janeiro. O embaixador Meyer também foi convocado para voltar ao Brasil.

Apesar de não significar o fim das relações diplomáticas entre Brasil e Israel, o ato é entendido no meio diplomático como uma forma clara de dizer que está reduzindo o nível de interlocução entre países. Para especialistas, a atual situação dificilmente pode ser revertida e pode acabar atrapalhando a evolução do relacionamento entre os dois países adquirida nos últimos anos.

Países não se manifestam sobre declaração de Lula

O desgaste internacional entre Lula e Israel foi comentado nos principais jornais do mundo, mas nenhum presidente ou país se manifestou sobre as declarações do petista. O The New York Times, um das principais publicações do mundo, disse que Lula "irritou Israel".

O Times of Israel publicou diversas reportagens sobre o tema. Uma declaração do presidente da Confederação Israelita no Brasil (Conib), Claudio Lottenberg, ganhou destaque. Ao periódico, o dirigente disse que “tem tentado estabelecer um diálogo construtivo com vários membros do governo do Brasil à luz das posturas desequilibradas que adotou no conflito".

Nenhum presidente ou país se manifestou até o momento. No X (antigo Twitter), o Museu do Holocausto condenou as declarações do brasileiro. "Armar o Holocausto é sempre errado, especialmente quando se trata de um chefe de estado. Que o presidente brasileiro Lula tenha feito isso para promover uma afirmação falsa e antissemita é ultrajante e deve ser condenado", escreveu.

O ex-embaixador da França nos Estados Unidos Gérard Araud, ainda teceu críticas ao posicionamento diplomático do Brasil. "Passei dois anos no Conselho de Segurança com o Brasil. Perdi todas as minhas ilusões sobre a política externa deste país, de um terceiro-mundismo tão caricaturado que defendia a Coreia do Norte", escreveu em sua conta no X.

Para o doutor em ciências sociais e pesquisador da Fundação Araporã Rogério Pereira de Campos, o fato de nenhum país ter condenado as falas de Lula em relação à Israel pode ter o intuito de evitar "maiores danos".

"Europa e EUA precisam da aproximação do Brasil. Por ser um líder entre os países do Sul, acaba por ser um país que delineia as posturas da política de grupo (como no caso do G20) para tratar com o Norte (G7). Em suma, os países não condenam o que Lula discursou pois sabem do peso dessa decisão, o que pode jogar toda a sociedade de seus países contra o corpo político", avalia.

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