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Embaixador ucraniano Andrii Melnyk
Embaixador ucraniano Andrii Melnyk discursa em inauguração de exposição fotográfica no Senado| Foto: Elianne Loin/Embaixada da Ucrânia

O embaixador da Ucrânia no Brasil, Andrii Melnyk, afirmou que aguarda há cerca de seis meses que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpra um acordo estabelecido no ano passado e convide o chanceler ucraniano Dmytro Kuleba para visitar o Brasil. O convite é o primeiro passo para uma visita do presidente Volodymyr Zelensky. Por outro lado, o governo Lula recebe o chanceler russo Sergei Lavrov nesta quinta-feira (22) pela segunda vez em menos de um ano.

A falta de proporcionalidade de atenção aos dois países desmente o discurso de Lula de que desejaria manter a imparcialidade do Brasil para tentar mediar um acordo de paz para acabar com a invasão russa à Ucrânia.

Lula e Zelensky se encontraram em setembro de 2023 na Assembleia Geral da ONU em Nova York. Na ocasião ficou acordado entre os dois países que o Brasil convidaria o chanceler ucraniano para uma visita a Brasília para melhorar as relações diplomáticas entre os dois países. Depois desse evento seriam feitas tratativas para uma visita do presidente Zelensky ao Brasil.

O embaixador Melnyk disse que fez diversos contatos com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil (Itamaraty), mas recebe há seis meses a resposta que o Brasil ainda não está pronto.

"Isso é estranho para mim como embaixador. Falando honestamente, eu parei de perguntar quando o meu ministro de relações exteriores pode vir porque isso não é educado e nós não somos pedintes", disse Melnyk à Gazeta do Povo.

"Claro que ainda estamos esperando, mas esse não era o sinal que esperávamos do Brasil se o país quisesse mesmo abrir os braços e reiniciar o nosso diálogo em outro nível", disse o embaixador ucraniano.

Enquanto Kyiv tem encontrado dificuldade para manter contato com o Brasil, Lula recebe, pela segunda vez em menos de um ano, a visita do chanceler russo, Sergey Lavrov. O mandatário brasileiro e o ministro de relações exteriores da Rússia têm um encontro marcado nesta quinta-feira (22) no Palácio da Alvorada, em Brasília.

A primeira visita de Sergey ao Brasil foi em abril de 2023, quando ele veio ao Brasil, o chanceler russo se encontrou com Lula e com seu homólogo no Brasil, o ministro Mauro Vieira, que comanda o Ministério de Relações Exteriores. Na ocasião, Lavrov divulgou informações falsas sobre a guerra na Ucrânia e tentou convencer o Brasil a embarcar na "nova ordem mundial", que Moscou pretende liderar contra dos Estados Unidos e seus aliados europeus.

A reportagem procurou o Palácio do Itamaraty para se pronunciar sobre as declarações dadas por Melnyk mas não obteve retorno até o fechamento desta. O espaço segue aberto para manifestações.

Zelensky pediu duas vezes para ser recebido no Brasil, mas Lula mantém silêncio

"Meu presidente [Volodymyr Zelensky] adoraria vir. Ele me telefonou duas vezes e me perguntou: quando eu posso ir [ao Brasil]? Isso foi em outubro, em novembro. Eu disse, bem nós estamos tentando, estamos trabalhando. Então agora não há convite para o meu presidente também. Isso é uma pena", disse o embaixador ucraniano no Brasil, Andrii Melnyk.

Segundo o embaixador, o objetivo dessas visitas é melhorar as relações diplomáticas entre os dois países, que retrocederam muito após as declarações de Lula que retratavam a Ucrânia como tão culpada pela guerra quanto a Rússia. Em fevereiro de 2022, dezenas de milhares de soldados do Kremlin invadiram a Ucrânia em uma invasão que já tirou a vida de mais de dez mil civis e deixou mais de 500 mil militares mortos ou feridos. A invasão completa dois anos no próximo sábado (24).

Segundo Melnyk a Ucrânia quer deixar para trás as declarações de Lula e aumentar o comércio bilateral entre os dois países.

"Um Brasil de sucesso como um player global de amanhã e de depois de amanhã não pode se permitir ignorar o leste europeu, ignorar a Ucrânia, ignorar a maior guerra da terra que está acontecendo enquanto falamos. Temos esperança que nossos colegas no Brasil vão perceber que eles não podem agir assim", afirmou o embaixador.

Ucrânia quer oferecer tecnologia espacial e propor parceria no agronegócio

A Ucrânia quer oferecer parcerias e acordos com o Brasil nas áreas de aviação, tecnologia espacial, no setor farmacêutico e na agricultura, mas não está recebendo atenção do governo Lula.

Em entrevista à Gazeta do Povo, o embaixador deu mais ênfase ao desejo dos ucranianos de firmar parcerias no agronegócio e classificou o Brasil como a maior potência mundial no setor. A Ucrânia, por sua vez, é o maior exportador de grãos da Europa, mas teve sua produção muito prejudicada porque campos agrícolas foram bombardeados e minados e um bloqueio naval dificulta muito que a produção seja exportada.

A ideia de Melnyk é que a Ucrânia possa se juntar ao esforço brasileiro de apoiar a produção agrícola em países africanos, desejo que já foi externado pelo governo do presidente Lula. A Ucrânia entraria no pacto principalmente fornecendo alta tecnologia para a produção de milho e também de cereais que o Brasil produz em menor escala. O embaixador disse que vai visitar zonas agrícolas no Brasil para levantar possibilidades.

Ele citou ainda o interesse da Ucrânia em retomar uma parceria na construção de foguetes para lançamento na Base de Alcântara (MA). A Ucrânia foi a responsável pelos principais avanços do programa espacial da extinta União Soviética e manteve o controle sobre grande parte dos equipamentos e cientistas pós a dissolução do bloco. Foi com essa tecnologia de foguetes que o exército ucraniano desenvolveu por exemplo mísseis Neptune usados para afundar o cruzador Moscou, o navio capitânia da esquadra russa no Mar Negro em 2022.

O embaixador falou em retomar a parceria porque o próprio Lula havia estabelecido um programa espacial com a Ucrânia em 2003. A empresa binacional ACS (Alcântara Cyclone Space) foi criada para lançar o foguete ucraniano Cyclone-4, que colocaria satélites em órbita com lançamentos da base de Alcântara, no Maranhão. O Brasil investiu milhões no programa, mas nenhum foguete foi lançado. Em 2015, o governo Dilma deu início ao encerramento do contrato com a Ucrânia que levou dois anos para de fato chegar ao fim.

Outra possibilidade levantada pelo embaixador foi a retomada das negociações para a construção de fábricas de aviões Antonov em São Paulo e no Paraná para reconstrução do maior avião do mundo, o Mryia (esperança, em ucraniano). O projeto envolveria bilhões de dólares em investimento externo no Brasil. As fábricas da Antonov foram bombardeadas na Ucrânia e o país procura uma nova nação livre de guerra para retomar as operações.

Lula vem apoiando Moscou em declarações sobre a invasão da Ucrânia

Quando assumiu seu terceiro mandato, Lula tentou se colocar internacionalmente como intermediador de um cessar-fogo entre Ucrânia e Rússia. O brasileiro chegou a sugerir a criação de um "Clube da Paz" para chegar a uma solução pacífica sobre a guerra, mas a ideia não passou disso: uma ideia.

Mesmo antes de assumir a presidência já tinha relativizado a posição da Ucrânia de país invadido e entrou em uma lista negra de Kyiv. Em meio a isso, Lula deu diversas declarações contraditórias, chegou a fazer acenos à Rússia sobre a guerra e tentou até sabotar na ONU uma declaração que identificava corretamente a Rússia como o país agressor.

Em entrevista para a revista Time, em maio de 2023, Lula chegou a dizer que Rússia e Ucrânia seriam igualmente culpados pelo conflito. "Fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Ele é tão responsável quanto o Putin [líder russo Vladimir Putin]. Porque numa guerra não tem apenas um culpado", disse Lula à revista Times em maio.

Em outra ocasião, acusou o G7 (Grupo formado pelas sete maiores economias do mundo: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, Itália França, Japão e Reino Unido) de serem os responsáveis pelo conflito na Europa por fornecerem armas para a Ucrânia se defender da invasão. Ainda na Assembleia Geral da ONU, o petista criticou em seu discurso as sanções impostas pelo Ocidente à Rússia. O país tem enfrentando uma série de embargos dos Estados Unidos e países europeus desde que invadi a Ucrânia em fevereiro de 2022.

Por outro lado, Lula tem se alinhado com o bloco de ditaduras formado por Rússia, China, Irã e Coreia do Norte. Esses países tentam formar um grupo político antiocidental e estão usando para esse fim o bloco dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que antes de 2022 tinha um caráter econômico e não político. A Rússia já ofereceu a Lula fertilizantes e óleo diesel subsidiados, mas há negociações para expandir os acordos para a área militar.

"Estamos em uma fase muito complicada. A Ucrânia quer melhorar essas relações porque no nível bilateral nos regredimos 200 anos e agora estamos tentando reviver essa relação organizando visitas", disse Melnyk à Gazeta do Povo.

Encontro de chanceleres do G20 no Brasil

A visita de Lavrov ao Brasil acontece às margens do Encontro de Chanceleres do G20. O grupo, que Brasil e Rússia fazem parte, é formado pelas 20 maiores economias do mundo, pela União Europeia e, desde este ano, pela União Africana. O Brasil preside o G20 pelos próximos meses e é responsável por pautar os temas em discussão no organismo.

A cúpula, que acontece no Rio de Janeiro, foi o que motivou a visita de Lavrov ao país, que aproveitou a vinda para tentar se encontrar com Lula. Além dos países que integram o G20, o Brasil também fez convites para que outras nações participassem do encontro na condição de convidados, mesmo não sendo membros do G20. Entre elas, estão: Angola, Bolívia, Egito, Nigéria, Noruega, Paraguai, Portugal, Singapura, Espanha, Emirados Árabes Unidos e Uruguai.

A Gazeta do Povo também questionou ao Itamaraty os critérios para escolha dos países convidados e se a Ucrânia chegou a ser considerada para participar do evento, mas também não teve retorno.

Lula teve marcados encontros bilaterais com apenas dois chanceleres: Antony Blinken, dos Estados Unidos; e Sergey Lavrov, da Rússia.

Embaixador diz que Lula tem direito a opinar sobre Israel, mas Holocausto foi singular

Para especialistas, o Encontro de Chanceleres no Rio de Janeiro foi ofuscado pela crise diplomática entre Brasil e Israel. No último domingo, Lula comparou a ofensiva israelense na Faixa de Gaza contra o grupo terrorista Hamas ao Holocausto da Segunda Guerra Mundial. As afirmações do petista causou uma grande crise com o governo israelense.

Ao longo desta semana, embaixadores de ambos os países foram chamados para prestar esclarecimentos, o que é considerado um esfriamento severo nas relações diplomáticas entre países. O Brasil, inclusive, convocou a presença do embaixador do país em Israel. Desde então, Lula foi considerado persona non grata por Israel e tem sido alvo de uma série de críticas pelo primeiro-ministro do país, Benjamin Netanyahu, e pelo chanceler, Israel Katz.

Apenas as ditaduras de Cuba e da Rússia apoiaram diplomaticamente as declarações de Lula comparando os judeus a nazistas. Questionado se Lula errou, o embaixador ucraniano disse: "O Presidente do Brasil tem direito soberano de fazer comentários, mas para nos ucranianos o Holocausto foi um genocídio único, um crime singular na história. Judeus são parte da comunidade ucraniana. Esperamos que as vitimas do Holocausto, inclusive as vitimas ucranianas do Holocausto, sejam lembradas isso é o que importa para nós", disse o diplomata.

"A memória do Holocausto é parte do nosso DNA porque é parte da nossa história, não é algo distante que podemos comentar. Para os ucranianos essa é uma memória vívida", disse.

A embaixada da Ucrânia inaugurou no Senado Federal na quarta-feira (21) a exposição "Dois anos da invasão russa na Ucrânia, retratos da dor e sofrimento" em memória à efeméride de dois anos de guerra.

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