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Lula durante comício eleitoral na escola de samba Portela, no Rio de Janeiro, quando falou em ser ressarcido pelo Estado.
Lula no comício em que falou em ser ressarcido pelo Estado: “Quem deve são eles a mim”.| Foto: Reprodução/Youtube

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou, em 25 de setembro, que em algum momento o Estado terá de lhe ressarcir pelo tempo em que ele ficou preso por ter sido condenado em processos da Lava Jato. A declaração levantou o debate, na opinião pública e na comunidade jurídica, se ele realmente teria ou não direito a uma indenização.

Até o momento, não se tem notícia de uma ação de Lula na Justiça cobrando indenização do Estado em razão dos 580 dias que passou na prisão entre abril de 2018 e novembro de 2019. A pena era de 8 anos e 10 meses, imposta pela condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP).

Lula foi solto logo depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) reverteu o entendimento, que havia sido firmado em 2016, que permitia a prisão após condenação em segunda instância judicial – situação que levou Lula à prisão.

A pena viria a ser extinta depois, em 2021, quando o STF anulou a condenação, por concluir que a 13.ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para julgar a ação, e também quando julgou que o ex-juiz Sergio Moro atuou de forma parcial no processo.

O que prevê a lei sobre o possível pedido de indenização de Lula

A reportagem procurou a defesa de Lula para saber se, quando e como ele pretende pedir uma indenização do Estado. Não houve resposta.

Ao site jurídico Conjur, o advogado Cristiano Zanin, responsável pela defesa de Lula, disse que o ex-presidente tem direito à reparação. Ele lembrou que, em abril, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) concluiu que Lula teve seus direitos violados nos processos da Lava Jato. E que, nesta decisão, o Estado brasileiro foi condenado a fazer uma reparação, reforçando controles sobre a conduta de juízes e promotores, propondo leis de aprimoramento e oferecendo indenização às vítimas de abusos. Passados cinco meses da decisão, o Brasil estaria inadimplente, segundo o advogado.

As decisões do órgão da ONU, em tese, são obrigatórias. Mas não há qualquer tipo de sanção ao Estado brasileiro em caso de descumprimento – na prática, são inócuas, embora contribuam para o desgaste da imagem internacional do país e representem uma vitória simbólica para Lula.

De qualquer modo, o ordenamento jurídico brasileiro prevê, sim, indenizações para prisões consideradas indevidas – a questão, na Justiça, será definir se é o caso de Lula. A Constituição diz, em seu artigo 5.º (que lista os direitos fundamentais), que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

O advogado constitucionalista Gustavo Binenbojm explica que, por se referir a um ato judicial, a norma exige que a haja uma responsabilidade “subjetiva” – isto é, a condenação deve ser decorrente de uma decisão de um magistrado (ou vários) que cometeu o erro por culpa (imprudência, imperícia ou negligência) ou dolo (vontade de causar o dano). Além disso, sua atuação deve ser considerada ilícita (contrária à lei vigente).

Binenbojm avalia que o caso de Lula é de difícil solução para a Justiça. “Por um lado, ele foi condenado por todas as instâncias até o STJ [Superior Tribunal de Justiça, a terceira instância judicial], sendo preso de acordo com o entendimento jurisprudencial do Supremo vigente à época, que permitia a execução da pena após sentença condenatória confirmada em segunda instância. Então, não houve, na época, um entendimento de que a prisão dele foi ilegal. Só depois o STF alterou seu entendimento dizendo que a prisão só poderia ocorrer após o trânsito em julgado”, diz o advogado.

“Por outro lado, a condenação dele decorreu de duas situações que o STF considerou errôneas: a incompetência da Justiça Federal de Curitiba e a suspeição do juiz Sergio Moro. Houve um erro da Justiça. Imagine um cidadão comum que fica preso por um longo período de tempo, longe de sua família, longe de seu trabalho, por um juiz incompetente e suspeito, no entendimento da mais alta Corte do país. É inegável que houve prejuízo por um erro”, diz.

Uma ação de indenização do tipo, acrescenta Binenbojm, teria de ser ajuizada contra a União, em razão de o processo contra Lula ter tramitado na Justiça Federal (se fosse na Justiça estadual, a ação teria de ser contra o estado). Em caso de condenação, caberia, portanto, ao Tesouro Público o pagamento.

União poderia pedir ressarcimento aos responsáveis pela condenação

Em tese, seria possível que a União entrasse na Justiça com uma ação, contra os agentes responsáveis por condenar Lula, para cobrar o valor da indenização ao petista.

Uma discussão do tipo ocorreu no processo em que Lula conseguiu condenar o ex-procurador Deltan Dallagnol, ex-chefe da força-tarefa da Lava Jato, a indenizá-lo em R$ 75 mil, por danos morais, por causa de uma apresentação de PowerPoint exibida à imprensa que colocava o petista no centro de uma organização criminosa. O slide foi exposto no dia que o Ministério Público Federal apresentou a denúncia do tríplex contra Lula, em setembro de 2016, e tinha por objetivo esclarecer pontos da acusação.

A defesa de Deltan argumentou que o processo deveria ter sido movido contra a União e não contra ele, pessoalmente, uma vez que estava exercendo seu dever como agente do Estado. A defesa de Lula argumentou que a apresentação não fazia parte de sua função como membro do Ministério Público Federal (MPF) e que ele teria agido no caso de forma particular. Essa tese acabou prevalecendo e os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deram ganho de causa ao ex-presidente.

A possibilidade de Lula pedir uma indenização a Moro em razão da prisão, nos mesmos moldes em da ação contra Deltan, é considerada mais difícil por advogados consultados pela reportagem. Isso porque Moro só determinou a prisão para seguir a determinação dos três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), com sede em Porto Alegre (RS), que condenaram Lula na segunda instância, e só depois que o próprio STF autorizou a medida, ao negar um habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do petista. Moro agiu dentro de suas atribuições de juiz e, caso não ordenasse a prisão, poderia responder por prevaricação (que é quando um servidor público deixa de cumprir com suas obrigações).

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