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Lula chega ao Japão para participar de cúpula do G7 em meio a uma saia justa criada por suas próprias declarações.
Lula chega ao Japão para participar de cúpula do G7 em meio a uma saia justa criada por suas próprias declarações.| Foto: Reprodução

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao Japão nesta quinta-feira para participar como convidado da cúpula do G7, o grupo que reúne as principais potências do Ocidente. É o primeiro convite desse tipo em 14 anos. Ele acontece no momento em que os Estados Unidos e seus aliados tentam estreitar os laços com o "Sul Global" (países em desenvolvimento) em meio ao crescente antagonismo com a Rússia e com a China por causa da guerra na Ucrânia.

Cerca de dois terços das nações do mundo se posicionaram como neutras no conflito ou manifestaram algum tipo de apoio à Rússia. O Brasil se destacou entre os países que estão "em cima do muro" após polêmicas declarações dadas por Lula, na qual o presidente brasileiro relativizou a culpa da Rússia no conflito.

Lula disse que a Ucrânia (país invadido) é tão culpada pela guerra quanto a Rússia (país invasor). Em outra declaração equivocada, ele também culpou americanos e europeus por supostamente prolongarem a guerra pelo ato de fornecer armas para a Ucrânia. Os armamentos têm sido usados para a defesa dos ucranianos, não para ataque a território russo.

O convite para participar da cúpula do G7 partiu do primeiro-ministro do Japão, Fumio Kishida. O país sedia o encontro deste ano, na cidade de Hiroshima. Os países-membros são Estados Unidos, Japão, Grã-Bretanha, Alemanha, França, Canadá e Itália. Na pauta estão a proliferação de armas nucleares e a guerra da Ucrânia, entre outros temas.

Lula pode ser cobrado por suas declarações pró-Rússia e de contestação à hegemonia do dólar como moeda do comércio global. Mas ainda não está claro se a política do G7 vai ser criticar o petista ou oferecer incentivos para que ele se afaste do bloco de países ditatoriais do qual vem se aproximando (Rússia, China, Coreia do Norte, Irã e Arábia Saudita).

Documentos secretos vazados da União Europeia já mostraram que ao menos os europeus cogitam oferecer incentivos para que países do Sul Global (especialmente Brasil, Chile, Nigéria e Cazaquistão) se afastem da Rússia e da China. Um dos incentivos seria viabilizar o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia.

"Esta [presença no encontro do G7 deste ano] é uma oportunidade do Brasil se alinhar com os países do Ocidente e com as grandes economias do mundo", disse o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes.

Japão fará apelo contra a nova corrida mundial por armas nucleares

Para o diplomata e ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, é interessante para o G7 que o Brasil esteja presente na discussão deste ano devido à compatibilidade do país com as pautas que entram em debate na cúpula de Hiroshima. "Não é uma coincidência a escolha desses países convidados. Além disso, simbolicamente, eles representam suas regiões também. O Brasil, por exemplo, vai representar a América Latina pois foi o único país convidado do subcontinente", diz.

Nem mesmo a escolha da cidade sede, na avaliação do ex-ministro, foi feita por coincidência. De acordo com ele, além do primeiro-ministro japonês ser natural de Hiroshima, os organizadores do evento podem ter o intuito de mostrar os rastros causados pela bomba atômica que destruiu a cidade em 1945, durante a Segunda Guerra. "É uma escolha simbólica e, com isso, provavelmente eles querem mostrar a todos os participantes o perigo que essas ameaças nucleares e representam", observa.

Uma nova era nuclear começou em meados de 2021, quando imagens de satélites ocidentais descobriram que a China estava construindo 120 silos de mísseis balísticos intercontinentais (ICBM, em inglês) no deserto de Gobi. Pequim começou a deixar de ser uma pequena força nuclear e se prepara para chegar ao ano de 2030 com cerca de 1.000 ogivas ativas, segundo a inteligência americana. Isso tem potencial para desestabilizar o atual sistema binário de dissuasão nuclear, constituído pelos Estados Unidos e pela Rússia.

Além disso, o debate sobre armas nucleares se intensificou com a ameaça da Rússia usar bombas nucleares táticas (de menor poder ofensivo, mas ainda assim armas de destruição em massa) na guerra da Ucrânia.

O Brasil é signatário do Acordo de Não Proliferação de Armas Nucleares e pode ganhar espaço no campo diplomático por causa disso. As lideranças do G7 estão cogitando modernizar seus arsenais nucleares e aumentar suas capacidades para responder aos avanços da Rússia e da China. Mas ao mesmo tempo não querem que os países do Sul Global desenvolvam bombas nucleares no contexto geopolítico atual, que já vem sendo chamado por analistas de "Guerra Fria 2.0". Por isso, o Brasil pode ser apontado como um exemplo a ser seguido.

Para reforçar a mensagem, o premiê japonês deve tomar a iniciativa de levar os chefes de Estado e de governo para colocar flores no memorial às 333.907 vítimas da bomba de Hiroshima. Isso deve ocorrer no sábado.

Índia, Austrália, Indonésia e Vietnã também participam como países convidados

Além do Brasil, outros sete países também foram convidados para participar da cúpula deste ano. São eles, Austrália, Coreia do Sul, Vietnã, Índia (na condição de presidente do G20, o grupo das maiores economias do mundo), Indonésia (como presidente da Asean, a associação dos países do sudeste asiático), Comoros (que está na presidência da União Africana) e Ilhas Cook (na condição de nação presidente do Fórum das Ilhas do Pacífico).

Além dos chefes de Estado ou governo dessas nações, estarão presentes os líderes da Organização Mundial da Saúde, da Organização Mundial do Comércio MC, do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional e da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Segundo Ricupero, a escolha de países convidados não é feita por coincidência e todos representam algum assunto de interesse aos sete países membros do grupo. "O encontro não reúne apenas países que compartilham de um mesmo alinhamento político econômico", explica.

"A Coreia do Sul, por exemplo, é convidada por razões que têm muito a ver com o Japão. A relação entre os dois países é bem próxima e ao mesmo tempo muito complicada, por causa do período da ocupação japonesa. A Coréia do Sul foi colônia do Japão e só agora que tem havido uma melhora das relações", detalha o ex-ministro.

Além disso, a preocupação do grupo com a proliferação de armas nucleares também é um dos fatores para convidar o representante do país a comparecer na cúpula. "[Causa preocupação] o programa atômico da Coreia do Norte, portanto seria estranho não chamar a Coréia do Sul para essa reunião", diz Ricupero.

A Índia está alinhada com importantes países do G7, além de fazer fronteira com a China. "Ela é um país muito importante, a Índia faz parte do que se chama Indo-Pacífico, um grupo formado por Estados Unidos, Japão e Austrália que, apesar de não ser uma aliança, é um grupo mais ou menos alinhado para conter a China", pontua.

"O único país africano é Comoros. É um pequeno país, mas foi convidado devido à luta ativa na agenda climática e por sua presidência atualmente na União Africana", conta o ex-ministro que já participou de uma cúpula do G7. "Já as Ilhas Cook presidem a União do Pacífico, que é uma organização das ilhas do Pacífico e, para o Japão, isso é importante", afirma Ricupero.

Guerra na Ucrânia e ameaça chinesa a Taiwan devem dominar debates

A formação de uma parceria entre Rússia, China, Coréia do Norte, Irã e Arábia Saudita a partir da invasão russa na Ucrânia deve ser o tema de maior destaque nos debates da cúpula do G7.

Lula chega ao país já envolvido em uma "saia justa" provocada por suas próprias declarações polêmicas. Em entrevista que fez durante breve passagem nos Emirados Árabes, no mês passado, Lula disse: “Eu penso que a construção da guerra foi mais fácil do que será a saída da guerra. Porque a decisão da guerra foi tomada por dois países [Rússia e Ucrânia]".

A frase é equivocada pois a Rússia invadiu a Ucrânia sem ter sofrido agressão. A guerra é fruto de uma política expansionista do Kremlin que viola o preceito da Carta da ONU, que diz que países não podem anexar territórios à força.

Lula chegou a enviar seu assessor especial, Celso Amorim, à Ucrânia para se encontrar com o presidente Volodymyr Zelensky e assim tentar amenizar a tensão com o Ocidente. Mas, ao menos nas declarações que vieram à público, Amorim só repetiu as falas polêmicas de seu chefe.

"Nessa diplomacia meio pendular do Brasil entre Rússia e Ucrânia, os movimentos mais recentes foram numa direção do Ocidente, de acenos à Ucrânia, para bloquear ou para tentar compensar movimentos que foram interpretados como pró-Rússia e pró-China", avalia Lopes, um dos analistas políticos ouvidos pela reportagem.

Mas os ucranianos pediram que Lula prove que está realmente disposto a rever suas posições polêmicas autorizando a venda de blindados ambulância brasileiros para utilização para fins humanitários no conflito. O Itamaraty permanece em cima do muro.

Ao invés de tomar atitudes concretas, o presidente brasileiro vem insistindo no que chama de "Clube da Paz", que seria uma tentativa de mediar o fim da guerra. Mas Lula já afirmou que não tem nenhum plano definido para lidar com o conflito.

Lula deve mirar esforços diplomáticos na conferência do clima em 2025

Desde que eleito presidente para seu terceiro mandato, Lula se prontificou a sediar a COP30, a conferência global sobre o clima, marcada para acontecer em 2025. O Brasil quer sediar o evento na cidade de Belém, no Pará, e por isso o Itamaraty deve começar a fazer lobby na reunião do G7.

Ricupero analisa que o presidente deve usar sua presença na cúpula do G7 deste final de semana como "vitrine" para a candidatura brasileira. "Esse pode ser um bom fórum para ele obter apoio para conseguir trazer o evento para Belém", avalia o ex-ministro. A escolha do país sede será no fim deste ano.

Analistas avaliam que a única vertente em que o Brasil pode exercer algum tipo de protagonismo no exterior é a da preservação ambiental.

Recentemente, Estados Unidos e Inglaterra anunciaram doações milionárias ao Fundo Amazônia. O presidente Joe Biden anunciou que o país doaria US$ 500 milhões – cerca de R$ 2,5 bilhões –, durante cinco anos ao projeto. No início do mês de maio, durante presença de Lula na Grã-Bretanha para a coroação do rei Charles, o premier britânico, Rishi Sunak, anunciou que doaria 80 milhões de libras – cerca de R$ 499 milhões – ao projeto.

Como será a agenda de Lula no Japão

Lula e sua comitiva chegaram ao Japão na tarde desta quinta-feira. Os painéis de debate e eventos oficiais da cúpula do G7 estão marcados para ocorrer entre os dias 19 e 21 de maio.

Além da agenda da cúpula, Lula participará de conversações bilaterais com chefes de governo e de Estado do Japão, da Alemanha, da Índia, da Indonésia, da Austrália e com o secretário geral da ONU, Antônio Guterres. A expectativa é de que o presidente retorne ao Brasil na terça-feira (23).

Segundo o analista Lopes, Lula terá a oportunidade de explicar a condução da política econômica brasileira. De acordo com o cientista político, a ocasião é importante esclarecer alguns tópicos e alinhar as expectativas entre as economias. Mas em viagens anteriores Lula priorizou os ataques ao ex-presidente Jair Bolsonaro ao invés de expor seus planos para o Brasil.

O que é o G7?

A sigla G7 é uma abreviação para Grupo dos Sete, uma organização que reúne os líderes dos países mais industrializados do mundo, atualmente inclui o Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos. O grupo se reuniu pela primeira vez em 1975 e, quando surgiu, contava com a participação de cinco países.

A Rússia também estava inclusa no conhecido G8, mas foi banida da organização em 2014, quando a maioria dos membros se opuseram à ideia do país de anexar a Crimeia ao seu território. Esta foi a primeira violação das fronteiras de um país europeu desde a Segunda Guerra Mundial. O grupo, no entanto, se reúne anualmente para debater a economia global, questões de urgência, segurança internacional, bem como coordenar políticas.

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