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Lula América Latina
Lula se encontrou no dia seguinte à eleição com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, em São Paulo| Foto: Ricardo Stuckert/PT

A volta de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao poder no Brasil animou líderes de esquerda e extrema-esquerda na América Latina. Logo após ser declarado vencedor da eleição, o presidente eleito recebeu felicitações de vários chefes de Estado vizinhos, como Gabriel Boric, do Chile, e o ditador venezuelano Nicolas Maduro. Um dos mais entusiasmados foi o presidente da Argentina, Alberto Fernández, que, além de comemorar a vitória de Lula em suas redes sociais, veio ao Brasil no dia seguinte à eleição para cumprimentá-lo pessoalmente.

Em vídeo publicado após o encontro, Fernández afirmou que “a América Latina está trabalhando em conjunto, nos últimos anos, para defender a convivência democrática”. “Lula é um ator central para garantir a unidade e a integração regional de nossos povos”, completou. O presidente argentino também afirmou que Lula deve fazer uma visita ao seu país antes mesmo de assumir a presidência do Brasil.

A eleição de Lula é encarada como uma boa notícia para o governo Fernández, que enfrenta, além de uma crise econômica, uma crise política e se preocupa com o impacto que isso pode ter nas eleições presidenciais de 2023 na Argentina.

“Dentro do kirchnerismo, o triunfo de Lula é visto como motivo de esperança. Assim, eles tentam se ligar à vitória de Lula para mostrar que seus aliados ganham na região, como já ocorreu na Colômbia, o que poderia acontecer também na Argentina [nas próximas eleições presidenciais]. Como se o regional pudesse impactar o local, quando na prática não é bem assim”, avalia Flavio Gonzalez, advogado, mestre em Relações Internacionais e professor da Universidade de Buenos Aires.

Ele destaca que o mau momento político de Fernández e seu grupo tem relação com o desempenho ruim da economia e a alta da inflação. No mês passado, o Instituto Nacional de Estatística e Censos do país divulgou que a inflação acumulada em 12 meses atingiu 83%.

A relação comercial entre Brasil e Argentina foi um dos assuntos tratados por Fernández com Lula. De acordo com o jornal argentino Pagina 12, a importação de gás das megajazidas de Vaca Muerta pelo Brasil foi um dos temas da conversa. "O gás que podemos extrair de Vaca Muerta pode abastecer todo o sul do Brasil", disse o presidente argentino a jornalistas que acompanharam sua viagem a São Paulo, na semana passada, acrescentando que Lula teria se mostrado "muito interessado".

"A Argentina tem o gasoduto que estamos construindo, que finalmente tem um segundo trecho que chegará à fronteira com o Brasil e tem a possibilidade de dar ao Brasil o gás que precisa e que hoje a Bolívia, devido a uma queda na produção, não está podendo dar dar nem para a Argentina nem para o Brasil", explicou.

Um "A" no Brics?

Outro ponto de interesse de Fernández em uma relação mais próxima com o governo de Lula é um possível apoio que o Brasil pode dar para que a Argentina seja integrada ao Brics, bloco que reúne as maiores economias emergentes – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

A pauta não avançou no governo de Jair Bolsonaro (PL), que tem resistido à entrada de novos membros no Brics por entendê-lo como um grupo mais seleto de países. O ministro da Economia, Paulo Guedes, por outro lado, defendeu a inclusão da Argentina no Banco do Brics, como é conhecido o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB).

Lula não fez comentários sobre os temas abordados no encontro com Fernández, mas o principal assessor do petista sobre assuntos de política externa, Celso Amorim, defendeu a inclusão da Argentina aos Brics.

"É bom ter equilíbrio dentro do Brics e ter um papel maior para a América Latina", disse Amorim em entrevista à Reuters em meados de outubro. "Acho que a eventual inclusão da Argentina seria positiva", acrescentou. Outros países também têm interesse de fazer parte do Brics, como Egito, Arábia Saudita e México.

Lula deve buscar retomada da Unasul

No sucinto plano de diretrizes de governo que apresentou à justiça eleitoral quando candidato, Lula defende a integração da América do Sul, da América Latina e do Caribe, "com vistas a manter a segurança regional e a promoção de um desenvolvimento integrado de nossa região, com base em complementariedades produtivas potenciais entre nossos países".

Ele cita, além dos Brics, o fortalecimento do Mercosul, da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), bloco que busca a cooperação entre 33 países da região.

A Unasul, criada em 2008 por Lula e outros presidentes de esquerda da época que buscavam criar um espaço independente da influência dos Estados Unidos, é um caso à parte. O grupo foi praticamente esvaziado em 2019, após a eleição de vários presidentes de direita na América do Sul. Na época, estes líderes criaram o Prosul, que também é um grupo de cooperação regional, mas que se diferenciou principalmente por se opor ao regime venezuelano de Maduro.

Apenas quatro anos depois, o cenário se inverteu. A retomada de poder em vários países sul-americanos pela esquerda – a exemplo da Argentina, do Chile, do Peru e da Colômbia, além do Brasil – dará forças para uma eventual retomada da Unasul.

Contudo, para Carlos Eduardo Vidigal, doutor em Relações Internacionais e professor da Universidade de Brasília (UnB), a recuperação dos fóruns regionais também vai depender do posicionamento dos EUA em relação a essas instituições.

"O Conselho de Defesa Sul-Americano, vinculado à Unasul, não tinha presença dos EUA, mas as preocupações dos norte-americanos com a segurança [na região] aumentaram muito. Não sei se haverá condições políticas para essa retomada”, pondera Vidigal.

Além da conjuntura internacional, a própria composição do Congresso brasileiro a partir de 2023 pode impor limites a ímpetos mais ideológicos por parte do governo petista.

“Domesticamente o Lula vai ser puxado para o centro porque o Congresso tem muita participação na política externa. Ele vai ter que se equilibrar e fazer uma política que fale com todo mundo, reconstruindo laços principalmente na América do Sul”, afirma Vinícius Rodrigues Vieira, professor da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) e da FGV (Fundação Getulio Vargas).

Para além das alianças com governos de esquerda, Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM, acredita que o novo governo de Lula também deve dialogar com governos de centro e direita, como é o caso do atual incumbente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, que também cumprimentou Lula por sua vitória na semana passada, para tratar de questões econômicas, migração, combate ao narcotráfico, políticas de diminuição de pobreza e outros problemas sociais.

“É um leque de aspectos regionais que podem ser impulsionados, independentemente do perfil ideológico do governo dos países que estão no entorno. Uruguai e Paraguai, com governos mais à direita, também devem fazer parte dessa aliança”, opina Holzhacker.

Parceria com Cuba retomada?

Miguel Díaz-Canel, ditador em Cuba, também foi um dos primeiros líderes latino-americanos a parabenizar o presidente eleito do Brasil pela vitória. "Estimado irmão Lula, eu o parabenizo em nome do governo e do povo cubanos, que festejamos sua grande vitória em favor da união, da paz e da integração latino-americana e caribenha. Conte sempre com Cuba", escreveu, no Twitter.

A proximidade entre Lula e os líderes cubanos vem de décadas. Mais recentemente, em janeiro de 2021, o petista visitou Díaz-Canel e Raúl Castro, primeiro secretário do Comitê Central do Partido Comunista de Cuba. De acordo com o Granma, jornal oficial da ditadura cubana, Lula "agradeceu ao povo cubano as manifestações de solidariedade quanto a exigir sua plena liberdade e condenou a intensificação do bloqueio e a incorporação de Cuba à Lista de Países Patrocinadores do Terrorismo por parte do governo do [então] presidente [dos EUA], Donald Trump".

Um dos principais marcos dessa relação entre os governos petistas e a ilha caribenha foi o programa Mais Médicos, implementado pela então presidente Dilma Rousseff (PT) em 2013.

O programa previa o aumento no número de vagas para a graduação em Medicina e em residências médicas, a melhoria da infraestrutura de equipamentos em saúde e a chamada de médicos para atuar em regiões consideradas prioritárias pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

A chamada para a contratação dos profissionais dava prioridade a brasileiros, mas médicos estrangeiros também podiam participar, o que possibilitou a atuação de milhares de médicos cubanos no Brasil, por meio de um acordo com a ditadura dos Castro para a exportação dos serviços médicos. Em novembro de 2018, porém, após várias críticas de Bolsonaro, Cuba anunciou que se retiraria do programa.

Cuba continua exportando a mão de obra médica para dezenas de países. Segundo o Ministério da Saúde Pública de Cuba, o setor representou metade de todos os serviços exportados pelo país em 2020, que, por sua vez, somou 80% do total de exportações do país.

Mas uma reedição da parceria no Brasil no novo governo Lula é incerta. Não há previsão de um acordo com Cuba na nova versão do Mais Médicos que o PT pretende implementar, a qual deve ser mais focada em profissionais brasileiros.

O senador Humberto Costa (PT-PE)  afirmou, em entrevista ao jornal O Globo, que o governo deverá pagar bons salários e garantir que os médicos não fiquem “muito tempo no lugar onde as condições de vida não são fáceis”. “[Vamos analisar a questão de] moradia, algum tipo de bônus. Mas isso vamos desdobrar quando for montada a equipe de transição”, afirmou.

O PT também estuda buscar médicos brasileiros formados no exterior para que atendam em locais em que não seja possível preencher as vagas com profissionais formados aqui. Uma parcela menor das vagas poderia ser ocupada por médicos de outros países.

Relação com a ditadura venezuelana

Outra mudança regional que deve vir com o novo governo é a posição do Brasil em relação à Venezuela.

O presidente Bolsonaro adotou, desde o começo de seu governo, uma postura de isolamento da ditadura venezuelana. Foi um dos primeiros governantes a reconhecer Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela ainda em 2019 e aprovou as credenciais de Maria Teresa Belandria como embaixadora venezuelana e representante do governo Guaidó no Brasil. Com Lula, isso deve mudar.

O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) disse, em entrevista à Folha de S. Paulo, que o reconhecimento de Maduro como presidente da Venezuela "será feito imediatamente" pelo governo Lula, com a troca de embaixadores no começo de 2023.

Sobre a situação de Belandria e assessores que trabalham com ela, Pimenta disse que poderão permanecer no Brasil, mas sem o status de diplomatas.

Na semana passada, Maduro disse, em suas redes sociais, que conversou por telefone com Lula. "Concordamos em retomar a Agenda de Cooperação Binacional entre nossos países. Agradecemos sua disposição", disse o mandatário de fato da Venezuela.

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