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A campanha do candidato governista à Presidência da Argentina, Sergio Massa, tem sido notoriamente moldada pela influência de marqueteiros brasileiros ligados ao PT. Tanto no discurso, quanto nas peças publicitárias, é evidente a adoção de narrativas para desqualificar o adversário semelhantes às empregadas pelos candidatos petistas ao Planalto nas corridas presidenciais de 2014 e de 2022.
Em 2014, a então candidata à reeleição, Dilma Rousseff (PT), que estava ameaçada pelos seus erros de gestão econômica, recorreu a estratégias que visavam instigar o medo entre os eleitores em relação à possível perda de benefícios sociais.
A mesma abordagem foi notada na propaganda eleitoral de Sergio Massa e na comunicação oficial do governo argentino, alertando sobre os riscos em caso de vitória do candidato oposicionista de direita, o libertário Javier Milei.
Da mesma forma, vê-se em slogans e nas falas do presidenciável peronista o mesmo tom da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra Jair Bolsonaro (PL) no ano passado. Com Milei sendo associado à figura do ex-presidente brasileiro, os estrategistas do PT exploraram uma possível repulsa por um nome antissistema, que poderia lançar incertezas nos mercados e acabar com os programas em vigor de transferência de renda, de assistência à saúde e de educação pública, além dos direitos trabalhistas.
Há, ainda em razão dos conselheiros brasileiros, uma crescente retórica da campanha de Massa contra a proposta do candidato libertário de facilitar a posse de armas de fogo, tentando conectá-la a possíveis incidentes envolvendo jovens e crianças.
O reforço aos ataques a Milei na reta final da campanha revelou o peso da equipe petista na campanha do peronista, com o qual colaboram desde setembro. Os publicitários se empenharam em evitar a vitória da oposição no primeiro turno, com atuação concentrada nas redes sociais, nas quais o libertário é influente, impulsionado pelo público jovem engajado.
Além dos programas sociais e do porte de armas, os marqueteiros também exploraram outros pontos polêmicos de Milei, como as duras críticas dele ao papa Francisco, a quem acusa de ter proximidade com “comunistas assassinos”. O candidato libertário precisou recuar nesse ponto.
Outra semelhança com as campanhas petistas foi a exposição de Massa em encontros com jovens e artistas. E uma diferença foi a aposta no nacionalismo como um contraponto à suposta desnacionalização da produção local em razão de uma abertura comercial radical a ser proposta por Milei.
Equipe atuou em campanhas de esquerdistas na América do Sul
Entre os marqueteiros petistas envolvidos na equipe do candidato apoiado pelo atual presidente argentino Alberto Fernández e por Lula estão Otávio Antunes, Raul Rabelo e Halley Arrais.
Antunes fez a campanha de Fernando Haddad (PT) para o governo de São Paulo em 2022, além das campanhas presidenciais de Gustavo Petro, na Colômbia, e de Efraín Alegre, no Paraguai. Rabelo esteve na última campanha de Lula e Arrais trabalhou com o candidato ao governo gaúcho Edegar Pretto (PT).
A esse grupo também se juntou Chico Kertesz, responsável por um vídeo de campanha de Massa no qual aborda a questão da política de liberação de armas defendida por Milei. Nele, uma criança em sala de aula saca um revólver da mochila, seguida pela mensagem escrita: “essa não é a realidade da Argentina, mas poderia se tornar”. “Milei não” ao final faz referência indireta ao “Ele não”, usado no Brasil contra Bolsonaro.
Planalto teme abalo na parceria estratégica com a Casa Rosada
Para Ricardo Caichiolo, cientista político e coordenador da pós-graduação do Ibmec-DF, os temores do Planalto com uma eventual vitória de Milei, a ponto de se engajar diretamente na campanha de Massa, explica-se pelo potencial impacto negativo dela sobre a relação entre Brasil e Argentina.
“Com posições controversas e ultraliberais, como a defesa da dolarização da economia e o fim do Banco Central, a figura política de Milei desafia o histórico da parceria bilateral, já marcado por altos e baixos”, disse. “Uma mudança radical no cenário político argentino poderia impactar até mesmo a cooperação regional, notadamente com relação ao Mercosul, pois o candidato já defendeu o fim do bloco”, acrescentou.
A virada de Sergio Massa, por ter saído em primeiro lugar nas eleições de domingo (22) na Argentina, com 37% dos votos, à frente do economista libertário Javier Milei, com 30%, causou enorme surpresa. Afinal, Massa é ministro da Economia de um país que tem inflação anualizada na casa de 140%, um dos piores índices do mundo. Nos bastidores, Massa reconheceu a importância da campanha conduzida por publicitários brasileiros para sua ida ao segundo turno, superando Milei.
A exemplo do que fez Dilma em 2014, Massa concedeu nos últimos meses ainda mais cheques sociais aos trabalhadores, bônus aos aposentados, reduções de impostos para a maioria da população, além de outros benefícios à população pobre com elevado custo para os cofres públicos, tornando ainda mais possível uma grave recessão adiante.
Além disso, ele buscou distanciar-se do atual presidente, que ficou escondido da campanha. A tendência para o segundo turno, orientado pelos marqueteiros brasileiros, é investir na imagem de suposto fiador da democracia, a exemplo da tônica de Lula em 2022.
Populismo de Massa impulsiona o vale-tudo no segundo turno
O populismo de Massa está alinhado com seu perfil pragmático, que o levou a mudar de posição em várias ocasiões ao longo da carreira. Ele busca agora unir divisões do peronismo e atrair votos da esquerda e da centro-direita.
Ao chegar ao segundo turno atraindo parcela da população avessa a mudanças, ele não teme destacar a forte presença do Estado no cotidiano.
Não por acaso, em seu primeiro discurso após a divulgação dos resultados das eleições, Sergio Massa expressou preocupações acerca de um potencial risco da vitória de Milei representado por “importações descontroladas” e o seu impacto prejudicial sobre a indústria local. Além disso, questionou se os argentinos desejavam o fechamento das universidades públicas e alertou sobre possíveis danos à Previdência e ao fornecimento de medicamentos. Essa história já foi contada no Brasil.
Massa defendeu a necessidade do “Estado que proteja os desempregados, preserve direitos trabalhistas como o das férias remuneradas e afaste a ameaça de tornar os trabalhadores em escravos”, empregando discurso similar ao da esquerda brasileira em relação à reforma trabalhista.
Em sua primeira manifestação após a apuração dos votos, Milei sinalizou que quer fazer aliança com a candidata de centro-direita Patricia Bullrich, que ficou em terceiro lugar, com 23% dos votos. Ele afirmou que, se o país quiser mudança, é preciso fazer uma aliança para derrotar os peronistas. “Dois terços dos argentinos votaram por uma mudança, uma alternativa a esse governo de delinquentes”, disse.
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Leandro Gabiati, diretor da Dominium Consultoria, prevê que Sergio Massa manterá sua estratégia de campanha no segundo turno alinhada com o que adotou no primeiro.
A mudança mais notável será protagonizada por Javier Milei, que tem chamado a atenção ao adotar tom moderado e mostrar interesse na aliança com Patricia Bullrich e o ex-presidente Maurício Macri.
Segundo o cientista político argentino, ambos estão sinalizando uma postura aberta ao diálogo com outras forças políticas, o que é considerado a escolha sensata no momento.
“É a alternativa restante. Naturalmente, isso implicará em custos para Milei, mas para alcançar a vitória, ele precisa efetuar tal movimento. Por outro lado, o aumento já descontrolado do gasto público, com injeção de mais recursos até a próxima votação e o governo operando ao máximo, criará clima de vale-tudo. Esse cenário agrada aos beneficiados, mas desagrada a classe média, que paga a conta”, observou.
Além de destacar a comparação com Jair Bolsonaro, a campanha obteve êxito ao explorar as turbulências econômicas ocorridas durante a corrida eleitoral, como a supervalorização do dólar, contrapondo-a à proposta de dolarização de Milei.
O oposicionista conta com o apoio da família Bolsonaro. O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) esteve em Buenos Aires para acompanhar o primeiro turno da eleição. Até um jingle composto pelo sambista Boca Nervosa faz parte da campanha do libertário.




