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Justiça e Segurança

Moro na encruzilhada: ministro enfrenta dificuldades em série dentro e fora do governo

O ministro Sergio Moro mantém popularidade alta, mas encontra dificuldades para implantar sua agenda e é alvo de acusações. (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)

Sergio Moro já atingiu uma marca considerável no Ministério da Justiça. Caminhando para completar oito meses no cargo, ele já superou a longevidade de 11 dos 30 antecessores que estiveram no cargo desde 1985, no período chamado de 6.ª República. A média de permanência é de 14 meses – abaixo do registrado nas pastas de áreas fundamentais como Educação (18) e Saúde (15,7), o que mostra a alta volatilidade do chefe do Palácio da Justiça na história recente do Brasil.

É consenso que Moro não é um ministro qualquer. Ele foi nomeado com a intenção de reformular o combate à corrupção e os sistemas de segurança pública no Brasil, tarefas que precisam de anos para serem concluídas. Mas a resiliência dele no cargo é destaque à medida em que a base aliada falha em blindá-lo ao mesmo tempo em que é execrado pela oposição – em um movimento constante desde o início do mandato, mas com carga máxima a partir da divulgação pelo site The Intercept Brasil de diálogos atribuídos a membros da Lava Jato.

Além disso, nos últimos meses, o ministro e o presidente Jair Bolsonaro travaram alguns embates velados e até explícitos – situações que no passado motivaram trocas ministeriais.

Lei do abuso de autoridade pode ser divisor de águas

A votação do projeto de abuso de autoridade pela Câmara dos Deputados na quarta-feira (14) tem potencial para desencadear um desgaste na relação de Moro com Bolsonaro. O texto, que havia sido aprovado no Senado em 2017, enquadra como crime vários métodos usados pela força-tarefa da Lava Jato – como a condução coercitiva, divulgação de gravações e uso de algemas quando não há resistência à prisão.

Desde a época em que era juiz, Moro se posiciona contra o projeto. Na quinta-feira (15), ele divulgou uma nota em que afirma que o projeto precisa ser bem analisado pelo governo “para verificar se não pode prejudicar a atuação regular de juízes, procuradores e policiais”.

O texto seguiu para análise do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que tem até o próximo dia 27 para sancioná-lo ou vetá-lo, no todo ou em parte. Bolsonaro já sofre pressão para vetá-la – embora isso possa azedar a relação do governo com o Congresso. Se sancionar, contudo, vai contrariar o ministro num tema sensível a Moro.

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Ao menos na semana passada, depois de idas e vindas, Bolsonaro teria ficado ao lado de seu ministro no desfecho da crise com a Polícia Federal (PF). O episódio da demissão do superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, ameaçou deflagrar uma rebelião dentro da instituição contra o governo.

Policiais viram risco de ingerência na autonomia da instituição, pois Bolsonaro insistia em nomear o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, para a vaga no Rio. O diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, teria ameaçado deixar o cargo. Moro foi avisado que perderia o controle da PF se cedesse à pressão do presidente. O ministro então conseguiu convencer Bolsonaro a aceitar outro nome que não desagradasse a PF: o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, que hoje é superintendente em Pernambuco.

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Imagem de Moro ainda é positiva...

O fato é que Sergio Moro ainda é a personalidade política com imagem mais positiva perante a opinião pública, segundo pesquisas conduzidas pela empresa Atlas Político, especializada em monitorar a atuação dos parlamentares.

Levantamento divulgado em 1.º de agosto mostra que 51,4% da população adulta tem uma imagem positiva de Moro, cinco pontos percentuais acima de Bolsonaro e dez acima do ministro da Economia, Paulo Guedes. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, que capitaneou a aprovação da reforma da Previdência na Casa, foi bem avaliado por apenas 15,3% dos brasileiros.

Entretanto, o ministro da Justiça já gozou de mais popularidade. A imagem dele sofreu um abalo após 9 de junho, quando o Intercept iniciou a publicação de reportagens questionando as ações da Operação Lava Jato. No levantamento do Atlas Político, a popularidade de Moro, que era de 60% em maio, caiu para 50,4% em pesquisa realizada entre 10 e 12 de junho.

...mas o caso Intercept causa desgaste ao ministro

Segundo o Intercept, as conversas que obteve mostram “discussões internas e atitudes altamente controversas, politizadas e legalmente duvidosas da força-tarefa da Lava Jato”.

Desde o início, Moro rechaçou as acusações, ora questionando a veracidade e autenticidade do material, ora defendendo o que considerou ser uma atuação legal de sua parte.

“Agi dentro da legalidade. Não vou pedir desculpas por ter cumprido o meu dever e ter aplicado a lei contra a corrupção e o crime organizado”, afirmou, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo publicada em 13 de junho. Também acusou o Intercept de estar aliado a hackers que invadiram celulares de várias autoridades. Em 23 de julho, na Operação Spoofing, a Polícia Federal prendeu um grupo suspeito de envolvimento no crime, que teria atingido cerca de mil números diferentes. O caso segue em investigação, com acompanhamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Apesar disso, a divulgação de mensagens atribuídas a membros da Lava Jato continuou, e num ritmo ainda mais acelerado, com o compartilhamento de informações entre Intercept e outros veículos da mídia.

Artilharia mais pesada veio do Congresso, quando o ministro foi convidado a dar esclarecimentos sobre as notícias relacionadas à Lava Jato. Em 19 de junho, o ex-juiz foi à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde ficou por oito horas e meia respondendo a questionamentos. Em 2 de julho, compareceu a uma sessão na Câmara dos Deputados com a mesma finalidade, que durou cerca de sete horas, e que foi interrompida após um deputado da oposição chamá-lo de “juiz ladrão” – o que causou tumulto.

Nessa última audiência, Moro foi mais incisivo e sarcástico na defesa de seu trabalho e nas críticas aos oposicionistas. Ele sentia-se fortalecido após ter recebido o apoio de manifestações de rua realizadas em 30 de junho, em cerca de 70 cidades. Nessa ocasião, deputados do PSL se organizaram para evitar a repetição do que consideraram uma espécie de “inquisição” na sessão da CCJ do Senado, onde oposicionistas se inscreveram em sequência para fazer perguntas ao ministro.

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Na tribuna da Câmara, Moro perde de lavada

Mas a Câmara dos Deputados tem sido palco de centenas de questionamentos a Moro, em discursos feitos na tribuna ou no plenário. Mesmo em uma situação equilibrada, em que as bancadas do PT e PSL tinham até o começo do mês 54 deputados cada uma – no dia 13 os petistas assumiram a liderança numérica, com a expulsão do deputado federal Alexandre Frota do PSL –, os discursos contra Moro predominavam.

O sistema da Casa registrou cerca de 560 discursos citando o ministro da Justiça entre 5 de fevereiro (início da atual legislatura) e 8 de agosto. Desses, 221 foram de petistas, sempre questionando a conduta do ex-juiz e quase que invariavelmente defendendo liberdade para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Siglas como PSol e integrantes do PSB, Podemos e PDT também fizeram coro nas críticas.

Os discursos de parlamentares do PSL citando Moro somaram apenas 96 no período. Integrantes de outros partidos também discursaram a favor do ministro, mas em muitos casos foram feitas apenas citações do nome dele, sem juízo de valor.

Moro também colhe derrotas concretas no Congresso e no governo

As derrotas de Moro no Congresso, porém, não ficaram apenas nos discursos. O ministro fez um intenso lobby no Congresso para tentar manter o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça, conforme previa a primeira medida provisória de Bolsonaro. Mas não deu certo. Os deputados, ao votar projeto que reestruturava toda a Esplanada, mandaram o Coaf de volta para o Ministério da Economia – onde ficava até o governo do ex-presidente Michel Temer. Moro considera o Coaf fundamental na sua estratégia de combate à lavagem do dinheiro do crime e da corrupção.

No último dia 15, um novo revés para Moro. Bolsonaro afirmou que vai tirar o Coaf da Economia. Mas não irá devolvê-lo à Justiça. O destino será o Banco Central.

E logo o ministro poderá ter uma nova derrota. O atual presidente do Coaf, Roberto Leonel, que é aliado de Moro, corre risco de perder o cargo. Bolsonaro passou a pressionar o ministro da Economia, Paulo Guedes, para trocar o comando do Coaf. O presidente não gostou que das declarações de Leonel criticando a decisão do STF que paralisou as investigações contra seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL).

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Relação de Moro com Bolsonaro tem desencontros

A relação de Moro com Bolsonaro também já não é das melhores. O primeiro sinal de que o ministro não teria vida fácil em Brasília foi a assinatura do primeiro decreto de armas, ainda em janeiro. Todas as sugestões do ministro para o texto foram desconsideradas pelo presidente. Mesmo assim, o ministro compareceu à cerimônia de assinatura da medida – visivelmente desconfortável.

O segundo decreto, assinado em maio, também passou por cima do ministro. A consultoria do Ministério da Justiça e Segurança Pública teve menos de 24 horas para analisar o texto. Na ocasião, Moro afirmou que o decreto que flexibilizou regras para posse e porte de armas não é uma política de segurança pública, mostrando uma clara divergência com o chefe.

Recentemente, Bolsonaro também afirmou a jornalistas que o pacote anticrime de Moro não é prioridade para o governo. O presidente disse que Moro precisava “dar uma segurada” no pacote para não atrapalhar reformas econômicas. O Congresso tem se mostrado refratário a uma série de medidas propostas pelo ministro.

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Bolsonaro já havia indicado descontentamento com Moro em outro episódio, envolvendo a Operação Spoofing, que prendeu quatro suspeitos de hackear celulares de autoridades. Moro havia dito a alguns alvos do ataque que as conversas – consideradas provas, pela Polícia Federal – seriam destruídas. O ministro foi desmentido pela PF e advertido por Bolsonaro, que disse que essa decisão não cabe ao ministro. O Supremo também se posicionou sobre o tema, proibindo a destruição e determinando que uma cópia do inquérito fosse entregue ao STF. Depois de tudo isso, o ministro afirmou que nunca havia dito que haveria destruição de provas; que tudo não passou de um mal-entendido.

Na relação de Moro com Bolsonaro, porém, há um ingrediente a mais: Moro conta com forte apoio popular. Por isso, Bolsonaro sabe que não pode simplesmente “fritar” o ministro, como fez com outros auxiliares que o desagradaram. No mesmo dia em que pediu para Moro “dar uma segurada” no projeto anticrime, por exemplo, Bolsonaro convidou o ministro para uma transmissão ao vivo na sua página no Facebook para defender o pacote.

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