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Dilma
Crise econômica durante segundo mandato de Dilma Rousseff (PT) retirou Brasil do chamado grau de investimento| Foto: André Coelho/EFE

A decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) que arquivou uma ação de improbidade administrativa contra a ex-presidente Dilma Rousseff fez o PT reacender a narrativa de que o impeachment contra a ex-mandatária teria sido um "golpe". Na sexta-feira (25), o órgão julgou um processo pela acusação de uso de "pedaladas fiscais" por Dilma. Apesar da narrativa, a decisão do tribunal não julgou o mérito e não invalidou a decisão do Legislativo.

O que o TRF-1 decidiu é que Dilma e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega não poderiam responder nos termos da Lei 8.429/92 – que dispõe sobre casos de improbidade administrativa –, porque já foram responsabilizados por meio da Lei 1.079/50 – a qual define quais são os crimes de responsabilidade. Com isso, eles não poderiam ser julgados duas vezes pelo mesmo fato.

Mesmo assim, o PT tenta reabilitar Dilma e pediu ao Congresso a anulação do impeachment e, consequentemente, a devolução simbólica do mandato dela. A proposta foi defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que pediu a “reparação” para a correligionária. Em Luanda, capital de Angola, neste sábado (26), ele chegou a alegar que as pedaladas não existiram.

Nesta segunda-feira (28), líderes do PT protocolaram um projeto de resolução que pretende anular simbolicamente o processo de impeachment. No documento, eles pedem que sejam consideradas nulas as decisões aplicadas à ex-presidente sobre o crime de responsabilidade. O texto é assinado pelo senador Randolfe Rodrigues, e pelos deputados federais Lindbergh Farias (PT-RJ), Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do PT, e Zeca Dirceu (PT-PR), líder do PT na Câmara.

“Como se verifica no Acórdão da 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nos autos do Processo n° 1026416-75.2018.4.01.3400, em julgamento de 21 de agosto de 2023, houve a análise daquilo que a acusação chamava levianamente de “pedaladas fiscais” ou “contabilidade criativa”. Em decisão proferida por órgão colegiado do TRF-1, referendou-se a inexistência de qualquer ato ímprobo, ou mesmo a individualização dos supostos atos de improbidade. E mais: não restou comprovado qualquer ato doloso ou culposo da Senhora Presidenta Dilma Vana Rousseff ou dos senhores membros de sua equipe econômica”, argumentam os petistas no projeto.

Mas a advogada Angela Gandra, professora de Filosofia do Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, explicou que a decisão do TRF-1 não invalidou o que foi decidido pelo Congresso. “De fato, as pedaladas ocorreram e foram condenadas pelo Congresso, bem como pelo TCU. O Judiciário simplesmente arquivou por já estar condenada anteriormente a partir dos representantes do povo. O impeachment teve, portanto, claro embasamento, já que as pedaladas visaram também enganar o povo sobre a situação do Brasil", disse a jurista.

O Impeachment

Conforme a legislação, o impeachment é um processo político-jurídico, cabendo aos parlamentares julgarem o chefe do Executivo por eventual crime cometido durante o mandato.

No caso de Dilma, o pedido de impeachment foi protocolado pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal em 2015, na Câmara dos Deputados. Após ser aceito pelo então presidente Eduardo Cunha, o processo tramitou na Casa e teve seu prosseguimento autorizado para o Senado no dia 15 de abril do mesmo ano. A proposta recebeu 367 votos a favor, 137 contra e 7 abstenções. Depois de ser avaliado pelo senadores, o impeachment foi aprovado com 61 votos a favor e 20 contra em 31 de agosto de 2016.

O documento apontava três acusações contra o governo Dilma: os prejuízos com a corrupção na Petrobras (o que incluía a compra da refinaria de Pasadena e os escândalos desnudados pela Lava Jato), a abertura de créditos suplementares para o Orçamento sem passar pelo Congresso, e manobras contábeis para maquiar gastos federais excedendo os limites da lei, as chamadas “pedaladas fiscais”. O processo de impeachment foi aberto com base nos dois últimos pontos.

Pedaladas fiscais

A ex-presidente perdeu seu mandato depois de atrasar propositalmente repasses a bancos, como forma de maquiar as contas do governo, as chamadas “pedaladas fiscais”. O objetivo das manobras contábeis era criar um cenário artificial em que o governo gastava menos do que a arrecadação, o que não ocorria.

De acordo relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), em 2015, o governo petista não estava ressarcindo no prazo os bancos que pagavam os benefícios sociais, como o Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida - o que caracteriza uma operação de empréstimo. Somente no primeiro semestre de 2015, foram R$ 40 bilhões em repasses atrasados.

O atraso acabou ferindo a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe concessão de empréstimo pelos bancos públicos à União.

Ainda de acordo com o TCU, a manobra levou a uma avaliação enganosa do resultado primário das contas públicas superior a R$ 10 bilhões e R$ 7 bilhões, respectivamente, entre 2013 e 2014.

Corrupção na Petrobras

Apesar de ter sido descartada por Cunha, os juristas que protocolaram o pedido de impeachment argumentaram que Dilma agiu com leniência em relação aos escândalos de corrupção envolvendo a Petrobras. Na época, em 2014, ela negou os desvios ocorridos na estatal – apesar de ter presidido a empresa na gestão de Lula.

O documento entregue ao então presidente da Câmara relembrava que a ex-ministra Erenice Guerra, envolvida na Operação Zelotes; Graça Foster, ex-presidente da Petrobras; e os ex-diretores da estatal Nestor Cerveró e Jorge Zelada estiveram envolvidos em escândalos de corrupção.

A presidente agiu como se nada soubesse, como se nada tivesse ocorrido, mantendo seus assistentes intocáveis e operantes na máquina de poder instituída, à revelia da lei e da Constituição Federal", disseram os juristas.

Imagem Internacional

Os requerentes do impeachment também argumentaram que houve uma "maquiagem deliberadamente orientada a passar para a nação (e também aos investidores internacionais) a sensação de que o Brasil estaria economicamente saudável”. O intuito seria projetar que o país possuía condições de arcar com os programas sociais.

"Durante todo o processo eleitoral, Dilma negou que a situação da Petrobras, seja sob o ponto de vista moral, seja sob o ponto de vista econômico, era muito grave", afirmaram os advogados.

Impeachment de Dilma foi legal

O advogado Adriano Soares da Costa, especialista em Direito Público, observou que o julgamento do TCU, em 2015, foi claro em avaliar que a conduta da ex-presidente violou a Lei de Responsabilidade Fiscal.

"O Tribunal de Contas avaliou um dado fundamental e concreto: houve uma violação da Lei de Responsabilidade fiscal por uma contabilidade criativa. A Pedalada Fiscal criativa para justificar determinadas despesas não poderia ser realizada. Isso gerou um verdadeiro desajuste nas contas públicas de tal magnitude que o segundo mandato dela teve um rombo econômico que gerou a necessidade da política de tetos feitas pelo Temer. Então falar em golpe é uma aberração jurídica e uma aberração política”, disse o advogado.

Ele acrescentou que a teoria de “golpe”, levantada pelo PT, segundo a lógica do partido, então seria aplicada a todas as instituições que participaram do processo de impeachment.

“Ninguém é cassado só por violar normas jurídicas, é cassado porque existe tudo: ambiente político e social que exigem esse resultado. Então, falar em golpe de Estado significaria admitir que o Supremo Tribunal Federal, o Poder Judiciário brasileiro; participou do golpe; o Congresso Nacional, portanto, a Casa da Democracia, participou de um golpe, que a sociedade desejou o golpe”, disse.

Sobre a tentativa de “devolver” o mandato à ex-presidente, o advogado afirmou que o PT visa reescrever a história. “Isso na verdade é uma tentativa reescrever a história. Porque não cabe, não tem cabimento. O presidente Lula falou muito bem que, na verdade, é uma questão de narrativa. Isso é uma fake news extremada [por parte do PT]”, pontuou.

Angela Gandra também salientou que não há como se falar em golpe. "Nesse sentido, falar em golpe é um absurdo já que a condenação foi avalizada [pelo Congresso e pelo STF]. Já não era preciso [o TRF-1] julgar o mérito da ação. Parece que temos aqui um profundo caso de fake news, no regime, como diria Hannah Arendt, da mentira instaurada. Pena que o critério para acusação de Fake News é seletivo", afirmou a jurista.

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