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O ministro da Justiça, Flávio Dino.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, deve apresentar propostas do “pacote da democracia” a Lula até a semana que vem.| Foto: Isaac Amorim/MJSP

O ministro da Justiça, Flávio Dino, deve apresentar até a semana que vem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) um conjunto de medidas com o alegado objetivo de coibir novos atos de vandalismo contra as instituições – como o ocorrido no último dia 8, que resultou na invasão e depredação das sedes dos três poderes em Brasília. As propostas já vêm sendo chamadas pelos governistas de "pacote da democracia".

Dentre as medidas que tendem a ser propostas pelo governo Lula, está um projeto de lei para criminalizar de forma mais dura a disseminação de conteúdos na internet que representem ameaças ou incitação a violência contra o poder público. O pacote também deve propor penas mais altas e específicas para quem organiza e financia “atos antidemocráticos” – servidores públicos perderiam o cargo e militares perderiam a patente. O "pacote da democracia" também prevê a criação de uma força policial exclusiva para a proteção da Praça dos Três Poderes e adjacências, incluindo embaixadas.

A legislação de hoje não contempla esses pontos, diz Elias Vaz (PSB-GO), deputado federal licenciado e atual secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. Encarregado de fechar as propostas junto com uma equipe técnica, ele deverá entregá-las a Dino – que então as submeterá a Lula, a quem caberá a decisão final de enviar os projetos ao Congresso.

Algumas medidas já podem ser aprovadas pelo Congresso na votação de vetos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a dois dispositivos da lei de 2021 que inseriu no Código Penal um capítulo dedicado aos crimes contra o Estado Democrático de Direito. Ainda que as propostas não estejam fechadas, alguns pontos já levantam preocupação entre especialistas.

Entenda melhor, abaixo, o que pode ser proposto no "pacote da democracia".

"Pacote da democracia" prevê criminalização de “fake news” contra democracia

Numa entrevista concedida na última terça (17), Flávio Dino adiantou as bases do projeto de lei para tipificar crimes contra o Estado Democrático de Direito cometidos na internet. Disse que será um texto “pequeno e enxuto” que deve contemplar o direito de resposta, a remoção de conteúdos das redes sociais e a obrigação das plataformas digitais de seguir “um determinado leque de valores” democráticos.

Exemplos seriam postagens com incitação à destruição do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e STF, e também a pedofilia e racismo. “Isso claramente são crimes e não há nenhuma disputa possível quanto ao fato de isso constituir crime. Então é por aí que a gente deve caminhar”, disse o ministro da Justiça.

Uma ideia mais concreta, já cogitada, mas ainda não consensual, é derrubar o veto de Bolsonaro a um artigo da Lei do Estado Democrático de Direito que tipificava o crime de “comunicação enganosa em massa”. Ele levaria a punições de “fake news” relacionadas ao processo eleitoral.

O crime previsto no trecho da lei vetado por Bolsonaro consistiria em “promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”. Teria pena de 1 a 5 anos de prisão, além de multa.

Na sanção da lei, em setembro de 2021, Bolsonaro vetou a aprovação desse novo tipo penal sob a justificativa de que ele não deixava claro se seria punido quem gerou a notícia ou quem a compartilhou, mesmo sem intenção de massificá-la. Ainda haveria dúvida se o crime seria continuado ou permanente. Por fim, Bolsonaro questionou se haveria um “tribunal da verdade” para definir o que viria a ser entendido por inverídico e crime punível pelo Código Penal, o que provocaria “enorme insegurança jurídica”.

A mensagem do veto presidencial ainda diz: “O ambiente digital é favorável à propagação de informações verdadeiras ou falsas, cujo verbo ‘promover’ tende a dar discricionariedade ao intérprete na avaliação da natureza dolosa da conduta criminosa em razão da amplitude do termo. A redação genérica tem o efeito de afastar o eleitor do debate político, o que reduziria a sua capacidade de definir as suas escolhas eleitorais, inibindo o debate de ideias, limitando a concorrência de opiniões, indo de encontro ao contexto do Estado Democrático de Direito, o que enfraqueceria o processo democrático e, em última análise, a própria atuação parlamentar”.

Elias Vaz diz que está em elaboração um texto que puna mais que as “fake news” relacionadas ao processo eleitoral, para incluir sobretudo chamados na internet para ações golpistas. Ele garante que não serão criminalizadas críticas ou opiniões desfavoráveis ao governo. “Não dá para negar que tem má utilização da internet, das redes sociais, no sentido de fomentar mobilizações de pessoas para ir ao quartel e pedir golpe militar. A tendência é fazer coisa mais restrita a essa questão”, diz o secretário do Ministério da Justiça.

Especialista no tema liberdade de expressão, o advogado André Marsiglia diz que há razões para temer o teor da proposta. “O PT, durante a campanha, com respaldo de um TSE [Tribunal Superior Eleitoral] assustado com os bolsonaristas, pôde agir de forma agressiva com os críticos praticando censura abertamente. Agora, no governo, com a população assustada pelos atos do dia 8, quer fazer o mesmo percurso agressivo, por meio de decretos e leis ambíguas que, na prática, servirão para inibir a crítica”, diz.

Um exemplo concreto dessa tendência, já em vigor, é a nova portaria da Advocacia-Geral da União (AGU) que permite ao órgão processar quem divulgar “desinformação” sobre políticas públicas. “Dizer que Dilma [Rousseff, ex-presidente] sofreu golpe ou não, dizer que Lula mentiu sobre isentar imposto ou não, tudo isso pode ser entendido como motivo para que o governo, com o dinheiro do contribuinte, persiga seus críticos”, afirma Marsiglia.

“Chama ainda a atenção que o pacote, aparentemente, tem preferência pela esfera criminal, pelo desejo de prisão dos seus alvos – o que é lamentável, pois muito desse pacote tem relação com condutas que podem ser confundidas com liberdade de expressão. É bastante curiosa a ânsia punitivista de um governo que tem na base advogados de grupos que defendiam prerrogativas e medidas brandas até pouco tempo atrás”, completa o advogado.

Governo quer penas mais altas para quem financiar e organizar atos contra instituições

Elias Vaz, do Ministério da Justiça, também defende a estipulação de punições mais altas para financiadores e organizadores de atos contra as instituições. É algo que a Justiça já pode fazer, no momento de fixar a dosimetria da pena para os diversos crimes que podem ser imputados a quem instiga ou comanda protestos violentos como os que ocorreram no dia 8.

Nas denúncias já apresentadas contra os vândalos do 8 de janeiro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apontou, por exemplo, o cometimento dos crimes de associação criminosa armada (cuja pena varia de 1 ano e 6 meses até 4 anos e 6 meses de prisão); abolição violenta do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos de reclusão); golpe de Estado (4 a 12 anos); dano qualificado contra o patrimônio da União (6 meses a 3 anos), furto qualificado pelo rompimento de obstáculo (2 a 8 anos), deterioração de patrimônio tombado (1 a 3 anos). Essas penas podem ser individualizadas conforme o grau de culpa da pessoa e a quantidade de delitos cometidos por ela.

Além de fixar penas específicas no campo criminal, a proposta do governo Lula também pode contemplar medidas administrativas contra servidores e militares envolvidos. Uma ideia é determinar, na lei, a demissão e a perda da patente, no caso de integrantes das Forças Armadas.

Neste último caso, já existe uma solução pronta para ser votada no Congresso, que é o veto de Bolsonaro a outro dispositivo da Lei do Estado Democrático de Direito que previa aumento até a metade da pena de militares envolvidos nesses crimes, cumulada com a perda do posto e da patente ou da graduação.

Ao vetar esse trecho, o ex-presidente afirmou que violava o princípio da proporcionalidade, “colocando o militar em situação mais gravosa que a de outros agentes estatais, além de representar uma tentativa de impedir as manifestações de pensamento emanadas de grupos mais conservadores”. Além disso, Bolsonaro lembrou que a perda de patente, segundo a Constituição, só pode ser determinada por um tribunal militar, e não fixada automaticamente em lei.

Essa mesma argumentação é usada pelo advogado e professor de direito constitucional Fábio Tavares Sobreira para questionar a proposta em estudo no governo. “Quem determina se o militar irá perder a patente é um tribunal militar, caso julgue que houve indignidade”, diz.

"Pacote da democracia" prevê criação de guarda federal para os 3 poderes

Outra proposta em estudo pelo governo Lula é a criação de uma guarda federal, formada por policiais exclusivos, para proteger a área de Brasília onde se concentram os três poderes – Congresso Nacional, Palácio do Planalto, Supremo Tribunal Federal, Esplanada dos Ministérios, tribunais superiores e embaixadas. A ideia é tirar do governo do Distrito Federal essa atribuição.

Dentro do atual governo, existe a percepção de que na invasão do dia 8 houve omissão, por questões políticas, das autoridades do Distrito Federal na proteção dessa região. O objetivo é evitar essa situação de forma permanente, sem necessidade de uma intervenção federal, como ocorreu após a depredação das sedes dos três poderes.

“O que não pode é o governo federal ter necessidade da boa vontade do governo distrital. O que houve ali ocorreu por divergência política. Se o Lula decretasse a intervenção de manhã [no dia 8 de janeiro], poderia ser criticado por interferir politicamente no Distrito Federal. A medida só foi aceita depois da tragédia [os atos de vandalismo ocorreram à tarde]. A intervenção federal não é solução para isso”, diz Elias Vaz.

Ele ainda argumenta que todos os anos a União repassa uma quantia bilionária para o Distrito Federal cuidar da segurança da capital – neste ano serão R$ 10,2 bilhões. Mas o repasse não dá qualquer poder à administração federal na “governança” dessa função, algo já cobrado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2019.

Observadores atentos notam, no entanto, que tal iniciativa pode decorrer da desconfiança do atual governo com as Forças Armadas, que se aproximaram bastante de Bolsonaro.

“A criação de uma nova força policial, nos moldes que estão propondo, é uma tentativa de preterir as Forças Armadas, que são instituições permanentes que têm como dever de garantir os poderes constitucionais. Para acioná-las, Executivo, Legislativo e Judiciário não dependem do governo local”, afirma o advogado e professor de direito constitucional Fábio Tavares Sobreira.

No entorno de Lula, há quem considere que o Exército e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI, formado em grande parte por militares) falharam em garantir a proteção do Palácio do Planalto no dia 8. Internamente no governo, também há a avaliação de que, se Forças Armadas fossem acionadas por Lula para uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para conter o vandalismo em Brasília, seria aberta uma brecha para uma tomada do poder pelos militares. A GLO é conduzida por militares.

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