
Ouça este conteúdo
Responsável por produzir relatórios que embasaram decisões do ministro Alexandre de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o perito em crimes cibernéticos Eduardo Tagliaferro ganhou notoriedade após ser indiciado pela Polícia Federal por alegado envolvimento no vazamento de mensagens que revelam bastidores da atuação da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED), o órgão que produziu evidências que levaram a processos contra influenciadores e políticos por publicações nas redes sociais.
A AEED foi criada em 2022 pelo ministro Edson Fachin, então presidente do TSE, com objetivo de combater a interferência de campanhas difamatórias nas eleições gerais e melhorar a imagem do Tribunal perante a sociedade. Com a chegada do ministro Alexandre de Moraes ao comando da Corte, no mesmo ano, Tagliaferro foi nomeado assessor-chefe do órgão no lugar de Frederico Alvim.
A assessoria era vista por críticos do STF como um dos organismos criados pelo Judiciário para censurar a liberdade de expressão nas redes sociais. Isso porque opiniões políticas, argumentações e até reportagens teriam sido tachadas como informações falsas.
As mensagens de WhatsApp trocadas por Tagliaferro e outros assessores que acabaram vazadas deram ideia de como era a rotina dele e de seus colegas na Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação. O perito não conversava com ministros da Corte, mas com juízes auxiliares, como Airton Vieira, que assessorava Moraes, segundo afirmou em entrevista à revista Oeste, em agosto do ano passado.
Segundo o ex-servidor, o trabalho era feito de forma ágil, e os relatórios que elaborava eram oficiais. Quando havia supostas mensagens de ódio nas redes sociais, ele as incluía em seus relatórios. As denúncias, conforme relatou, podiam ser anônimas, mas algumas partiam do próprio Moraes.
Tagliaferro enfatizou que sempre se comunicava com Airton Vieira e que nunca tratou diretamente com o ministro. Disse que, pessoalmente, conversou com Moraes apenas três ou quatro vezes ao longo da vida.
Os relatórios foram posteriormente usados para fundamentar ações que correram no STF. Ao ser questionado sobre o impacto do trabalho da AEED sobre os alvos das investigações do STF, afirmou que não teve escolha: era apenas um funcionário. Ele comparou sua função à de um cozinheiro que precisa seguir ordens, ainda que discorde da receita.
As conversas entre Tagliaferro e Veira foram publicadas inicialmente pela Folha de S.Paulo. Elas indicam que o gabinete de Moraes orientava informalmente a produção de relatórios sobre alvos específicos — geralmente críticos do Supremo Tribunal Federal (STF) e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Entre os nomes citados estão os comentaristas Rodrigo Constantino e Paulo Figueiredo, a revista Oeste e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Na época da revelação das mensagens, o ministro afirmou que eram pessoas já investigadas por ele no inquérito das fake news, no STF. Moraes também disse que, como presidente do TSE, ele também tinha poder de polícia para coletar provas contra os investigados.
No último dia 2 de abril, Tagliaferro foi indiciado pela Polícia Federal sob a acusação de ter repassado as mensagens a um jornalista, violando o sigilo funcional. Ele nega as acusações e afirma que apenas cumpria ordens.
Tagliaferro e sua defesa negam que ele tenha sido o responsável pela divulgação dessas mensagens. No depoimento à PF, o ex-assessor foi questionado se teria procurado algum jornalista para divulgar o material que estava em seu celular e negou que tivesse feito isso.
Por outro lado, após seu indiciamento, a Polícia Federal afirmou que o vazamento por parte dele teria sido comprovado a partir de depoimentos e quebra de sigilo de comunicação do ex-assessor.
VEJA TAMBÉM:
Assessor teria mandado Tagliaferro usar “criatividade” em seus relatórios
Mensagens trocadas entre Airton Vieira, Marco Antônio Vargas e Carlos Tagliaferro revelam a dinâmica de pedidos extraoficiais feitos a partir do gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Em 6 de dezembro de 2022, conforme reportagem da Folha de S.Paulo, Vieira — juiz instrutor de Moraes — pediu a Tagliaferro que levantasse informações sobre "revistas golpistas para desmonetizar nas redes", incluindo um link para o perfil da revista Oeste na plataforma X (antigo Twitter).
No dia seguinte, Tagliaferro informou ter encontrado apenas “publicações jornalísticas” na página da Oeste e perguntou ao assessor o que deveria constar no relatório. Vieira respondeu com ironia: “Use a sua criatividade… rsrsrs”, orientando que fossem incluídas “opiniões mais ácidas”. Ele justificou: “O Ministro [Alexandre de Moraes] entendeu que está extrapolando com base naquilo que enviou”.
Ainda segundo as mensagens vazadas, o deputado federal Eduardo Bolsonaro também teria sido alvo de pedidos do gabinete de Moraes. Em conversas entre Vargas e Tagliaferro, há registros de uma solicitação para que o parlamentar fosse vinculado ao argentino Fernando Cerimedo — investigado por Moraes após alegações de fraude nas eleições. Tagliaferro teria respondido que Cerimedo e o deputado eram “amigos já faz 10 anos” e alertado: “Se prendesse o deputado, o Brasil entra em colapso”.
Em outra conversa divulgada pela Folha, no dia 4 de dezembro de 2022, Marco Antônio Vargas pergunta a Tagliaferro se o "Dr. Airton está te passando coisas no privado". Quando o chefe do órgão de combate à desinformação responde “sim”, Vargas brinca sobre o método pouco ortodoxo utilizado, afirmando “falha na prova. Vou impugnar”. Tagliaferro admite sua apreensão: "Temos que tomar cuidado com essas coisas saindo pelo TSE. É seu nome", sugerindo criar um e-mail para enviar uma denúncia.
VEJA TAMBÉM:
Órgão de combate às fake news foi criado por Fachin e turbinado por Moraes
A AEED foi criada oficialmente em março de 2022, durante a gestão do ministro Edson Fachin como presidente TSE. Ela integra o Programa de Enfrentamento à Desinformação, instituído em 2019, na época sob a presidência do ministro Luís Roberto Barroso no TSE.
Inicialmente, o trabalho da assessoria era voltado ao combate à desinformação entre candidatos. Com o tempo, o foco se voltou também para a defesa da própria Justiça Eleitoral. Ainda sob a gestão de Fachin, o órgão passou a priorizar a capacitação de servidores e representantes das plataformas digitais para atuarem diante da desinformação nas redes.
A chegada de Alexandre de Moraes à presidência do TSE, no entanto, marcou uma mudança significativa: a AEED ganhou um perfil mais voltado à investigação de conteúdos classificados como falsos.
Em março de 2024, o TSE lançou o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia (Ciedde), com o objetivo de ampliar o trabalho da AEED nas eleições municipais. O centro atua em cooperação com órgãos como a Polícia Federal, a Anatel e o Ministério Público Federal, buscando agilizar a remoção de conteúdos falsos nas redes sociais.
No entanto, a atuação da AEED também tem sido alvo de críticas internacionais. Em abril do ano passado, a Comissão de Assuntos Judiciários da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos questionou as atividades do órgão, alegando haver censura contra opositores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Um relatório assinado pelo deputado republicano Jim Jordan apontou que, desde 2022, o STF e o TSE — ambos com atuação de Moraes — ordenaram a suspensão ou remoção de quase 150 contas na plataforma X, sendo a maioria de críticos do atual governo brasileiro.









