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Potássio no Amazonas
Exploração de Potássio está mais perto de se tornar realidade no Amazonas. Empresa ainda pode ter que enfrentar entraves na questão indígena e em outras fases do processo.| Foto: Diego Peres/Secom-AM

Após quase 10 anos de batalhas judiciais e entraves ambientais, a empresa Potássio do Brasil conseguiu a liberação para instalar a mina subterrânea que possibilitará a exploração de potássio em Autazes, no Amazonas. O anúncio, feito em cerimônia na sede do governo do estado na última segunda-feira (8/4), no entanto, foi seguido por notas de repúdio de ONGs indigenistas e deve enfrentar insegurança jurídica no andamento do processo.

A liberação da chamada licença de instalação foi concedida pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). No entanto, essa licença não garante a exploração de potássio pela empresa. Essa etapa apenas abre caminho para que a empresa Potássio do Brasil possa implantar a mina subterrânea para a extração do minério a cerca de 800 metros de profundidade.

Na sequência, precisarão ser licenciadas outras dez atividades que compõem o Projeto Potássio Autazes. Essas atividades compreendem a planta de beneficiamento, a estrada, o porto e as demais infraestruturas do projeto. Em cada uma das etapas, a empresa terá que enfrentar novos processos de fiscalização e licenciamento, que podem ser questionados e judicializados.

O potencial da região para a exploração de potássio foi descoberto entre os anos de 2009 e 2010, e poderá diminuir a dependência do Brasil na importação do mineral, que é indispensável para a agricultura brasileira.

Depois disso, a empresa Potássio do Brasil realizou estudos que levaram à solicitação de uma licença prévia em 2014. Em julho de 2015, a licença para realização de estudos de viabilidade ambiental foi concedida, com uma série de restrições e condições.

Quatro anos depois, no entanto, a Justiça Federal solicitou a primeira suspensão da licença prévia. Entre idas e vindas, o projeto foi destravado novamente somente em fevereiro de 2024.

Nesse contexto, diversos entraves se impuseram no andamento do projeto. A competência sobre o licenciamento do empreendimento foi um dos principais pontos questionados, oscilando entre o órgão ambiental estadual, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) e o federal, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama).

Além disso, a questão indígena também pesou no processo, já que indígenas da etnia mura, que vivem na região, passaram a requerer a demarcação de uma área nos limites do empreendimento.

MPF considera liberação do empreendimento da Potássio do Brasil irregular 

Após a liberação concedida pelo governo do Amazonas, por meio do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), o Ministério Público Federal (MPF) se manifestou informando que considera “irregular a licença” e que “irá adotar as medidas cabíveis”. “Para o MPF, a licença viola direitos constitucionais, normas internacionais e também direitos dos povos indígenas”, diz a nota enviada à Gazeta do Povo.

Há pelos menos 10 anos, o MPF no Amazonas acompanha o caso envolvendo a possibilidade de exploração de potássio em Autazes. As manifestações do MPF ao longo do processo apontam irregularidades a partir de violações, falsas promessas, até supostas ameaças e cooptações aos indígenas por parte da empresa Potássio do Brasil. Todas essas questões deram origem a uma ação civil pública, em 2016. A ação segue em tramitação.

De acordo com informações publicadas no site do MPF, antes de ajuizar uma ação, o órgão expediu recomendação ao Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), para que cancelasse a licença já expedida, e à empresa Potássio do Brasil, para que suspendesse as atividades de pesquisa na região até a realização das consultas nos moldes previstos na legislação. O MPF alega que nenhum dos pedidos foi atendido, levando o órgão a acionar a Justiça, para tentar garantir o respeito aos direitos dos povos indígenas.

Representante de Conselho indígena diz que maioria é favorável à exploração de potássio 

O povo mura, que vive em Autazes, é formado por 37 aldeias. Elas possuem uma organização e um representante que coordena o chamado Conselho Indígena Mura (CIM), mas cada aldeia fala por si. Sendo assim, uma assembleia-geral foi convocada, em setembro de 2023, para tratar da aprovação do Projeto Potássio Autazes. De acordo com a empresa, o projeto foi aprovado por mais de 90% do povo mura. A Gazeta do Povo conversou com o advogado do Conselho Indígena Mura (CIM), Ivan Queiroz, que destacou que das 37 aldeias da região, apenas seis são contra a exploração de potássio.

Apesar das alegações do Ministério Público Federal (MPF) sobre cooptação e irregularidades relacionadas à questão indígena, a empresa Potássio do Brasil afirma que o povo mura cumpriu o protocolo de consulta e consentimento sobre o empreendimento. Segundo a empresa, o protocolo obedeceu aos termos da Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT-169), que prevê a consulta livre, prévia, informada e de boa-fé às populações indígenas em caso de empreendimentos do porte do Projeto Potássio Autazes.

Sendo assim, o entrave relacionado à questão indígena pode se estender. Em agosto de 2023, durante um período de suspensão do processo, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) constituiu um grupo técnico para realização dos estudos para identificação e delimitação da Terra Indígena Lago do Soares e Urucurituba, reivindicada por indígenas pertencentes à etnia Mura, em Autazes.

Em contato feito pela Gazeta do Povo, a Funai informou que o próximo passo do grupo técnico será a elaboração de um plano de estudos. “O instrumento que tem por objetivo reunir informações sobre o histórico do procedimento, a indicação das ações que serão realizadas, bem como de metodologias e prazos”, explicou o órgão em nota. Somente após a consolidação do Plano de Estudos é que o procedimento demarcatório poderá, de fato, ser iniciado. A Funai, no entanto, não informou a data e que essas etapas serão cumpridas.

ONGs indígenas repudiam liberação da licença

A liberação da licença de instalação do empreendimento da Potássio do Brasil em Autazes também motivou a manifestação de ONGs indígenas. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Articulação das Organizações e dos Povos Indígenas do Amazonas (Apiam) emitiram nota de repúdio.

De acordo com a nota, “as comunidades do povo Mura não foram consultadas, nem foi realizado o Estudo do Componente Indígena no processo de licenciamento ambiental”.

A alegação é contestada pelo órgão ambiental do Amazonas. De acordo com o Ipaam, o Estudo do Componente Indígena, que identifica e analisa os impactos do empreendimento sobre as terras e povos indígenas, foi protocolado pela empresa e consta no processo. Porém, a análise e aprovação do documento é competência da Funai.

As ONGs sinalizaram ainda que devem buscar apoio para impedir o andamento da decisão “por meio do diálogo com as autoridades competentes, para que medidas sejam tomadas a respeito de tal situação”. “Apelamos ao Ministério dos Povos Indígenas, à Fundação Nacional dos Povos Indígenas e ao Ministério Público Federal para, no exercício de suas funções, atuarem em defesa dos direitos territoriais, socioambientais e culturais do povo Mura”, dizem as ONGs na nota de repúdio.

A Organização de Lideranças Indígenas Mura do Careiro da Várzea também publicou uma carta de repúdio em que questiona a legitimidade da diretoria do Conselho Indígena Mura e repudia a liberação do empreendimento da Potássio do Brasil pelo governo do Amazonas.

"Ressaltamos que não houve consulta ao povo indígena Mura, e o Estudo do Licenciamento Ambiental contém vários erros que vão contra as leis ambientais de nosso país e vai contra os direitos dos povos indígenas, uma vez que não tem o ECI [Estudo do Componente Indígena], e assim colocando em risco a existência do povo indígena Mura naquela região. Não temos um estudo sério dos reais impactos ambientais que podem ocorrer, uma vez que o Ipaam está se posicionando como um órgão político e não como órgão licenciador", afirma a organização.

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