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Lula disse em Maceió que convenceu FHC a soltar sequestradores do empresário Abílio Diniz em 1998| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Dois episódios históricos que causaram desgastes para o PT no passado, e que novamente podem impactar negativamente a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Palácio do Planalto, voltaram à tona no debate público desde a semana passada.

Na sexta-feira (17), ele mesmo relembrou que, em 1998, intercedeu junto ao então presidente Fernando Henrique Cardoso a favor da soltura dos sequestradores do empresário Abílio Diniz, presos em 1989 – todos eram ligados a movimentos de guerrilha armada na América Latina.

Nesta quarta-feira (22), outro caso incômodo ressurgiu: Cesare Battisti, ex-ativista da esquerda radical italiana, condenado por atos terroristas, criticou, em entrevista à Folha de S.Paulo, o “cinismo político” de Lula, pelo fato de o ex-presidente ter pedido desculpas, no ano passado, por ter negado sua extradição para a Itália, em 2010.

Rapidamente, a declaração sobre o caso Abílio Diniz virou munição para o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores acusarem Lula e o PT de proteger criminosos. Ideia reforçada com a lembrança sobre o abrigo dado a Battisti, só revertido em 2018, após a eleição de Bolsonaro.

Para ouvir o que o PT tem a dizer sobre essas críticas, a Gazeta do Povo entrou em contato com sua assessoria, procurou quadros históricos do partido, parlamentares próximos de Lula e membros da campanha. Nenhum deles, no entanto, se dispôs a falar publicamente sobre o assunto. Nos bastidores, muitos petistas consideram que, ao falar sobre o caso Abílio Diniz, Lula quis demonstrar capacidade de conciliação, mas que sua fala foi mal interpretada.

No discurso na última sexta, em Maceió, Lula falava sobre sua amizade com Renan Calheiros, que era ministro da Justiça em 1998, no governo FHC. Contou que teve uma longa conversa com ele sobre os sequestradores de Abílio Diniz que, presos, haviam entrado em greve de fome e depois em greve seca, “que é ficar sem comer e sem beber, e aí é morte certa”. Calheiros teria recomendado que ele falasse com Fernando Henrique.

“Eu falei: ‘Fernando, você tem a chance de passar para história como um democrata ou como um presidente que permitiu que dez jovens que cometeram um erro morram na cadeia, e isso não vai apagar nunca’”. Lula teria então convencido os sequestradores a acabar com a greve de fome, o que possibilitou que nove deles fossem extraditados para cumprir pena em seus países de origem, Argentina, Chile e Canadá. Apenas um, brasileiro, permaneceu no Brasil.

Recado para criminosos, disse Bolsonaro

Na segunda, Bolsonaro comentou: “Por que o Lula tocou nesse assunto? Ele deu um recado para todos os narcotraficantes e bandidos do Brasil que ‘estamos juntos’”.

Na Câmara e no Senado, onde deputados e senadores costumam subir à tribuna para comentar os temas mais quentes do noticiário e nas redes sociais, os parlamentares do PT silenciaram, mesmo diante das críticas de Bolsonaro e de seus aliados.

A deputada Bia Kicis (PL-DF) alertou, por exemplo, para o novo avanço da esquerda na América do Sul. Lembrou que, no domingo (19), após vencer a eleição presidencial da Colômbia, o ex-guerrilheiro Gustavo Petro defendeu a libertação de jovens presos. Ela ainda apontou a contradição de Lula quando, em 2010, ignorou a greve de fome de dissidentes cubanos presos sob o regime de Fidel Castro.

“O dissidente de Cuba morreu depois de fazer greve de fome, e o Lula pediu que ele continuasse preso. No caso dos bandidos criminosos que prenderam, sequestraram, torturaram um empresário, o Lula os via com bons olhos, como meninos”, afirmou, durante sessão do plenário, na segunda-feira (20).

Na terça-feira (21), Carlos Jordy (PL-RJ) disse que, por sua fala, Lula “se assume como cúmplice de um sequestro”. “Ele disse que foi o intermediador para a soltura daqueles criminosos hediondos que sequestraram Abilio Diniz.”

Sequestradores de Abílio Diniz foram presos com camisetas do PT

Lula não tocou mais no assunto desde sexta, apenas lembrou, no próprio discurso, que, em 1989, assim que foram presos, os sequestradores teriam sido obrigados a vestir camisetas com a logomarca do PT, para que o partido fosse relacionado ao caso.

O sequestro de Abílio Diniz ocorreu entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial de 1989, na qual Lula foi derrotado por Fernando Collor de Mello. Na casa usada como cativeiro do empresário, a polícia encontrou material de campanha de Lula. Mas, desde então, o PT diz que as camisetas foram uma armação da polícia para prejudicar o petista na disputa.

Essa alegação passou a ser repetida em vários outros momentos da história recente, alimentando o discurso de que Lula sempre foi perseguido. Em 2018, por exemplo, quando ele passou a ser investigado na Lava Jato, o partido passou a dizer que, novamente, a mídia estaria em conluio com as autoridades para prejudicá-lo na disputa eleitoral.

Abílio Diniz foi sequestrado por guerrilheiros – quatro chilenos, três argentinos, dois canadenses e um brasileiro – ligados ao Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), do Chile. Eles foram condenados a penas que variavam de 26 a 28 anos de prisão.

PT tenta apagar apoio dado a Cesare Battisti

Além de evitar comentar o caso Abílio Diniz, o PT também tem tentado apagar o apoio que deu para Cesare Battisti. Condenado na Itália pelo assassinato de quatro pessoas no final dos anos 1970, quando integrava o Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), ele fugiu para o Brasil no início dos anos 2000, após um tempo foragido no México e na França, onde corria risco de ser extraditado. Em 2007, foi preso no Rio de Janeiro e, depois, transferido para Brasília. Em 2009, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu a ele refúgio político.

Assim como vários intelectuais de esquerda na França, o PT endossava a defesa de Battisti de que seu processo na Justiça italiana foi viciado por irregularidades, de que era inocente e de que sofreria violações de direitos humanos se fosse extraditado para cumprir pena perpétua na Itália. Considerava-se um perseguido político pelo governo do então presidente Silvio Berlusconi. Lula passou a dizer que abrigar o terrorista era “questão de soberania nacional”.

Ainda em 2009, porém, o Supremo Tribunal Federal anulou o refúgio político concedido a Battisti, por entender que seus crimes eram comuns e não políticos. A Corte decidiu, porém, que o presidente da República poderia negar a extradição pedida pela Itália. No último dia de seu governo, em 31 de dezembro de 2010, Lula rejeitou a extradição.

Em junho de 2011, o STF soltou Battisti, que passou a viver em Embu das Artes, interior de São Paulo. Em 2018, o então presidente Michel Temer decidiu aceitar o pedido de extradição, que correspondia a uma intenção de Bolsonaro expressa durante a campanha eleitoral. Em dezembro, o ministro Luiz Fux autorizou a prisão, mas só em janeiro de 2019 Battisti foi encontrado na Bolívia, de onde foi enviado para a Itália, onde permanece preso.

Em março de 2019, ele confessou ter participados dos quatro homicídios. Em agosto de 2020, em entrevista à TV Democracia, canal de esquerda no YouTube, Lula admitiu o erro de ter negado sua extradição.

“O Tarso Genro acreditava que ele fosse inocente. Me disse o seguinte: ‘olha, não dá para a gente mandar ele embora porque ele pode ser detonado na Itália e é inocente. Toda a esquerda brasileira, companheiros como Eduardo Suplicy, muitos partidos de esquerda e personalidades de esquerda defendiam que ele ficasse aqui”, justificou.

“Quando ele foi preso e ele confessa, foi uma frustração para mim, porque ele comprometeu um governo que tinha relação extraordinária, ainda tenho, com toda a esquerda italiana, com toda a esquerda europeia. E ele não precisaria ter mentido, pelo menos para quem estava querendo acreditar nele. Porque a base da verdade na política é você não prejudicar os amigos. Você cometeu o crime, o advogado vai defender, mas você [confessa que] cometeu o crime. O que não dá é para mentir para os amigos”, afirmou depois.

Em abril de 2021, ele pediu desculpas na RAI, tevê pública italiana. “Desde o momento que ele confessou, é óbvio que devo admitir que errei”.

Nesta terça, veio à tona uma entrevista em que Battisti, ao comentar o pedido de desculpas, afirmou: “Todos sabemos que Lula é capaz de tudo para colocar de novo a faixa de presidente. O animal político que nunca se contradiz. Aconteceu também comigo de admirar seu cinismo político (no sentido vulgar do termo) e o extraordinário jogo de cintura”.

Procurados pela reportagem, lideranças e fundadores do PT não quiseram comentar a crítica.

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