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Entrevista: Sanderson

Segurança é o maior problema do governo e o grande desafio de Lewandowski na Justiça

"Governo está perdido na segurança pública", diz Sanderson (PL-RS), que preside a Comissão de Combate ao Crime Organizado na Câmara (Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

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Em pouco mais de um ano de mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem na segurança pública o maior problema de seu governo, que se vê perdido no enfrentamento da criminalidade. Para o deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS), que preside a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputado, as causas estão no Ministério da Justiça e Segurança Pública, loteado politicamente, com parte dos integrantes sem qualificação e experiência na área, e sem um programa federal para enfrentar o tráfico internacional de drogas e armas. A pasta também não dá suporte financeiro suficiente para os estados equiparem suas polícias. Ainda segundo o parlamentar, para piorar, o ministério está permeado pela velha visão da esquerda que "vê o policial como bandido e o criminoso como vítima da sociedade".

À frente da comissão desde o ano passado, Sanderson fiscalizou de perto a atuação de Flávio Dino no Ministério da Justiça, que, para ele, além de não entender nada do assunto, colocou aliados políticos derrotados nas eleições em postos-chave da pasta, tradicionalmente ocupados por policiais de elite e especialistas, mesmo em gestões petistas anteriores. Sanderson diz que Dino, em vez de visitar e apoiar as polícias estaduais, preferiu se encontrar com ONGs na Comunidade da Maré, e ainda quis culpar falsamente os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores de armas) pelo aumento da violência no país.

Nessa entrevista à Gazeta do Povo, concedida na terça-feira (9), quando Ricardo Lewandowski já despontava como favorito para ocupar o Ministério da Justiça e Segurança Pública, Sanderson diz que a situação continuará ruim se o governo não mudar a rota. O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, segundo ele, também não entende de segurança, mas poderia se sair melhor se, como outros ex-ocupantes do cargo, colocasse pessoal da área para cuidar da segurança, e não políticos, ideólogos e ativistas sociais.

Lewandowski deve assumir a pasta em fevereiro e já sinalizou que vai dispensar os principais auxiliares de Dino, a começar pelo secretário-executivo, Ricardo Capelli, jornalista sem experiência em segurança; Tadeu Alencar, atual secretário de Segurança Pública; Augusto de Arruda Botelho, atual secretário de Justiça; e Elias Vaz, secretário de Assuntos Legislativos. Os três últimos concorreram a deputado federal em 2022 pelo PSB de Dino, mas não se elegeram.

Policial federal por 25 anos e deputado federal nos últimos 5, Sanderson atuou no Sul e no Norte do país, áreas de alta criminalidade pela fronteira com países produtores e exportadores de drogas. Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), ele diz que tentará, a partir de fevereiro, derrubar o decreto de Lula que dificultou o acesso às armas para os CACs, e requisitar do Ministério da Justiça e Segurança Pública dados atualizados sobre as apreensões de drogas.

Abaixo, a entrevista completa com o deputado.

Qual o maior problema a ser enfrentado pelo futuro ministro da Justiça?

Sanderson: Nada é tão ruim quanto a segurança pública nesse governo, pior que a saúde e a educação. E isso acontece porque historicamente o Ministério da Justiça e Segurança Pública sempre foi ocupado por técnicos, desde o governo FHC, e mesmo nos primeiros governos de Lula e depois de Dilma, mantendo-se assim com Michel Temer e Bolsonaro. O ministro poderia até ser um agente político, mas os secretários e cargos nos demais escalões eram quadros qualificados da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícias Militares e Civis. O ministério tinha know-how, estrutura e capacidade para enfrentar as mais diversas nuances da criminalidade, num país continental como o Brasil, com mais de 15 mil quilômetros de fronteira terrestre e 7 mil de fronteira marítima.

E com Dino, o que ocorreu?

Sanderson: Lula resolveu colocar um ideólogo à frente da pasta, com Flávio Dino. Apesar de ter sido juiz, ele não tem o menor conhecimento de segurança pública, e ainda aparelhou o ministério, colocando um jornalista na Secretaria Executiva. Nada contra jornalistas, mas seria o mesmo que colocar eu, policial, para chefiar a Comunicação ou um ministério da infraestrutura. E pior: colocou um secretário-executivo cheio de preconceitos, além de secretários setoriais partidários, sendo que nenhum deles é da segurança, e que estão ali porque não se elegeram. Diretores e policiais foram substituídos por filósofos, sociólogos, professores, que não conhecem a matéria. O ministério olha os policiais, antecipadamente, com maus olhos e preconceito, e o vê como bandido; e olha os bandidos como vítimas da sociedade. Tinha tudo para dar errado. Tenho 25 anos de Polícia Federal, estudei muito o Direito Penal e o sistema da Justiça criminal do Brasil e outros países e vi logo no início que ia afundar, como afundou.

Essa falta de expertise já resultou em agravamento da criminalidade? Como isso acontece?

Sanderson: Sem dúvida, o aumento dela não demora muito para aparecer. Seis meses são suficientes para os criminosos se reorganizarem e, percebendo que o Estado será benevolente, não vai enfrentar com firmeza, os criminosos vão ter outro tipo de atuação. Tem uma relação direta.

A percepção de leniência com crime faz toda diferença para que sejam mais ousados?

Sanderson: Toda. Em meus anos de Polícia Federal, fui em dezenas de presídios. Quando você chega e o diretor é linha-dura, firme, aquele presídio não tem rebelião, não tem indisciplina e não tem fuga. Quando o diretor foi colocado ali politicamente, não tecnicamente, e às vezes com preconceitos ideológicos, tem rebelião, tem fuga e tem indisciplina. A criminalidade responde de acordo com a disposição do Estado. É assim em todos os países do mundo.

Os Estados Unidos tinham dificuldade com o crime, endureceu e melhorou. Os países da Europa todos têm tratamento sério com criminalidade. Num país como Alemanha ou na Inglaterra, o sujeito condenado por homicídio vai cumprir toda a pena em regime fechado, não tem visita íntima, cumprir um sexto da pena e sair. Quando o Estado é omisso e dá mensagem de que o criminoso é vítima da sociedade, não teve oportunidade e foi empurrado pela própria sociedade para a delinquência, o criminoso percebe e reage e se porta de maneira diferente.

Era diferente no governo Bolsonaro?

Sanderson: Na época do Bolsonaro, só por mensagens de que o governo não ia permitir a criminalidade, que as facções seriam tratadas com toda a dureza possível, junto com ações, como operações nas fronteiras e uma transferência inédita de centenas de líderes de quadrilha, pelo então ministro Sergio Moro, o crime organizado recuou. Saímos de 60 mil homicídios por ano para 40 mil.

O que está acontecendo no Brasil hoje, então, é produto da leniência, da omissão governamental. Passado um ano de governo, o ministro da Justiça não levou adiante um único programa de enfrentamento de combate ao crime organizado. Foi só postagens nas redes sociais, entrevistas e piadinhas, até porque ele não sabia o que fazer. Ele esteve ali durante um ano cumprindo um papel de animador de torcida.

Em vez de visitar batalhões da PM, delegacias de polícia civil, o ministro foi ao Complexo da Maré visitar representantes de ONGs. E tudo bem ele visitar a comunidade, desde que fosse ali para dizer que haveria um enfrentamento da criminalidade que torna refém 99% da população de bem, que trabalha e vive ali. Ele não apresentou um programa de enfrentamento do 1% de líderes da traficância que toca o terror ali e em todo o Brasil. Passou a dizer que o problema do país na criminalidade eram os CACs [Caçadores, Atiradores e Colecionadores de armas].

Há uma falácia do governo ao culpar os CACs pelo aumento da violência?

Sanderson: Há uma narrativa mentirosa para justificar o ataque do governo contra os CACs, dita em diversas entrevistas, de que eles seriam responsáveis pelas armas manejadas pelo narcotráfico e pelas milícias. Isso caiu por terra quando a Polícia Federal, que é um órgão de Estado, fez uma operação que prendeu um sujeito que, só ele, contrabandeou 43 mil armas. Imagine outros. Essa operação deve ter causado um abalo dentro do Ministério da Justiça, porque a partir disso pararam de falar que os CACs forneciam armas para as facções, um discurso mentiroso que perdeu força. É mais um preconceito ideológico, de se manifestar antes de conhecer a matéria.

Há outros exemplos desse tipo de preconceito?

Sanderson: A história de botar câmera nos uniformes dos policiais porque eles saem para a rua para cometer banditismo. Com base em que dizem isso? Temos 1 milhão de policiais no Brasil e quantos abusos têm registrados? Dá 0,01%. Polícias do mundo inteiro trabalham com esses índices e quando as corregedorias identificam esses abusos, os policiais são demitidos.

Colocar câmeras de segurança nos uniformes vai inibir os policiais. Temos outras prioridades. Muitos policiais não têm colete balístico, muitos nem pistola tem, usam revólver, não têm munição nem treinamento. Eles precisam de outras estruturas antes da câmera no uniforme. Os salários são baixos em vários estados, com policial militar ganhando dois salários mínimos, uma indignidade.

Em gestões passadas do PT, quando a criminalidade explodiu, o governo dizia que sua responsabilidade era limitada, porque cabe aos governadores comandar as polícias militar e civil. O que o governo federal deve fazer para apoiar os estados?

Sanderson: Em primeiro lugar, liberar recursos para os estados, porque dinheiro tem. Se querem colocar R$ 40 milhões para fazer um museu da democracia, pelo 8 de Janeiro, é porque há recurso, que pode ser usado para pagar salário de policiais, viaturas e combustível nas fronteiras. Mas Lula cortou isso: existia o programa Vigia, para destinar recursos federais para as PMs fecharem as fronteiras, mas acabou.

Em segundo lugar, é preciso um programa nacional, que não existe. O que tem são pessoas do governo defendendo a liberação do consumo de drogas, o que seria um desastre, pois aumentaria a traficância no país. E se isso acontecer, não sabemos o que de pior virá depois. Basta dizer que 60% dos homicídios no país têm relação direta com o narcotráfico.

Então, uma diretriz nacional cabe ao governo federal. Os governos estaduais agem de forma delegada no combate ao narcotráfico, cujo enfrentamento é responsabilidade do governo federal. O combate cabe à Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal. Cabe às PMs o policiamento de rua, mas a macrocriminalidade vem do narcotráfico, que alimenta tráfico de armas, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.

Flávio Dino já citou algumas vezes números grandiosos de apreensão de drogas e recuperação de ativos comprados com dinheiro do crime. Isso não é mérito de sua gestão?

Sanderson: A PF e a PRF têm divisões específicas, com profissionais de carreira, que fazem isso independentemente do governo. Mas até o meio do ano, os números de apreensões de cocaína e maconha tinham diminuído. No governo anterior, a polícia terrestre bateu recorde em toneladas apreendidas. Quando o Congresso voltar, vou requisitar dados oficiais da PF e da PRF. O ministro da Justiça fala o que bem entende e não está preocupado com a correção dos números.

Flávio Dino, aliás, foi convocado três vezes na Comissão de Segurança Pública, e uma das vezes era para falar sobre o desempenho do combate ao narcotráfico, e ele não foi. Protocolei representação na Procuradoria-Geral da República para instaurar processo por crime de responsabilidade, porque ele não foi e não justificou. Isso deixa mais clara a inoperância do Ministério da Justiça e do governo Lula no combate à criminalidade.

O Congresso, cada vez mais forte na relação entre os Poderes, pode fazer algo a mais pela segurança?

Sanderson: Na legislatura passada, aprovamos na Câmara o fim das ‘saidinhas’ [cinco saídas semanais por ano para cada preso em datas comemorativas], com a esquerda contra. Foram 310 votos a 98. O projeto agora está parado no Senado há mais de 500 dias.

Boa parte de quem vai para a saidinha não volta e muitos vão para cometer crimes e matar mais pessoas, como o caso que ocorreu agora, do sargento em Belo Horizonte, assassinado covardemente por um cara que estava de saidinha, com uma ficha corrida gigante.

Se o Senado votar e modificar, para não tornar tão duro, a Câmara vai mudar, para por fim às saidinhas, que não existe em nenhum outro lugar. Nos Estados Unidos não tem, nem na Europa, nem na América do Sul. O que existe é progressão de regime, que não estamos mudando. Se o preso tiver bom comportamento, vai para o regime semiaberto e aberto. Nisso, não vamos mexer. E se o Lula vetar o fim das saidinhas, não tem problema, temos o poder de derrubar o veto.

O que mais o Congresso deve fazer para se contrapor a Lula na segurança?

Sanderson: Botamos em votação em dezembro o regime de urgência para o Projeto de Decreto Legislativo 03/2023, de minha autoria, que derruba os decretos de Lula contra os CACs. Perdemos por três votos apenas, mas o presidente Arthur Lira prometeu retornar essa matéria à pauta da Câmara em fevereiro. Se essa matéria passar na Câmara, vai ao Senado e não precisa de sanção. Estamos trabalhando forte nisso, estou confiante e otimista para voltar à regra anterior. Até porque 99% dos CACs foram recadastrados, caiu por terra a narrativa de que eles alimentariam o tráfico com armas com a operação da PF contra os contrabandistas, e ainda pelo fato de que, mesmo com a restrição dos CACs, o crime aumentou, enquanto no governo anterior o crime diminuiu com a flexibilização do acesso às armas no país.

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