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Senadores do grupo parlamentar Brasil-Ucrânia liderados por Flávio Arns (PSB-PR) estão levando o Senado a se posicionar a favor da Ucrânia e contra a invasão russa, apesar da política externa dúbia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o assunto. O grupo já havia conseguido a aprovação por unanimidade em plenário de um voto de solidariedade à Ucrânia e o apresentou oficialmente nesta terça-feira (11) na presença de diplomatas estrangeiros. Os senadores também realizaram uma reunião e iniciaram a articulação para uma reprovação coletiva à política de Lula em relação à guerra na Ucrânia.
"O Senado é solidário à Ucrânia. Uma frase do senador Flávio Arns resume tudo: 'nada sobra a Ucrânia sem a Ucrânia'. Terceiros querem resolver sem ela participar do processo? O que o povo da Ucrânia quiser e desejar nós estaremos com eles", disse a senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
Nesta terça-feira, em uma reunião na Arábia Saudita, o governo ucraniano concordou com um acordo de cessar-fogo de 30 dias costurado pelos Estados Unidos. A trégua não entra em vigor automaticamente porque a Rússia tem que se posicionar sobre a proposta. O governo brasileiro sinalizou que só vai se manifestar após Moscou se posicionar. Em paralelo, Washington retomou a ajuda militar a Kyiv.
A maior vitória política do grupo de senadores ocorreu com a aprovação em 19 de fevereiro de um voto de solidariedade à Ucrânia no Senado. O voto apoia a posição ucraniana e condena a invasão provocada pela Rússia. Ele foi lido oficialmente em plenário por Arns nesta terça-feira (11) enquanto era acompanhado pelo diplomata ucraniano Andrii Borodenkov.
"O voto de solidariedade aponta para a invasão da Ucrânia pela federação russa. Também aponta para a integridade do território e para a diplomacia que tem que acontecer por autodeterminação da Ucrânia. Não apoiamos em hipótese alguma a diplomacia da força", disse Arns.
O posicionamento do Senado diverge da postura do governo do presidente Lula, que vem apoiando um cessar-fogo que não prevê a devolução à Ucrânia de território invadido nem garantias de que novas invasão não sejam promovidas por Moscou. Mas logo após o presidente americano Donald Trump começar a intermediar o cessar-fogo, Lula passou a se posicionar contra o americano e a defender que a Ucrância seja ouvida no processo, como ocorreu na Arábia Saudita, apesar das ameaças de Trump.
A política externa é atribuição do poder Executivo, mas o Senado está investindo em diplomacia parlamentar por discordar de uma série de posições de Lula. "O parlamento representa o povo brasileiro e o povo brasileiro ama a Ucrânia. Lamentamos que o governo atual não ame a Ucrânia como o povo brasileiro", disse a senadora Damares.
Além dela e de Arns, entre as vozes mais atuantes do grupo estão os senadores Sergio Moro (União-PR), Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Oriovisto Guimarães (PSDB-PR) e Magno Malta (PL-ES). Na Câmara, a posição pró-Ucrânia é apoiada pelo deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP), que é descendente de ucranianos.
O próximo passo do grupo será realizar uma sessão em plenário para pressionar Lula. Ela terá a presença de diplomatas e embaixadores, especialmente da Europa. Os senadores querem criticar publicamente um voto de abstenção do Brasil em uma resolução da Assembleia da ONU, em 24 de fevereiro, que condenou de forma veemente a invasão da Ucrânia promovida pela Rússia.
A aprovação do texto foi liderada por países europeus. Na mesma data, os Estados Unidos apresentaram uma outra proposta de resolução mais favorável à Rússia, que não foi adotada.
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União Europeia e Reino Unido apoiam voto do Senado contra a Rússia
As embaixadoras no Brasil da União Europeia, Marian Schuegraf, e do Reino Unido, Stephanie Al-Qaq, apoiaram o voto de solidariedade e incentivaram o Senado a elevar o tom da diplomacia parlamentar. As declarações ocorreram em uma reunião do grupo Brasil-Ucrânia na tarde desta terça-feira (11).
A Polônia, que está na presidência rotativa do Conselho da União Europeia, também ofereceu apoio formal aos senadores. Diplomatas de cerca de 30 países compareceram à reunião, segundo Arns.
"O voto de solidariedade confirma que não podemos nos acomodar com esse cenário desastroso. É uma importante voz de repúdio. Eu gostaria de chamar atenção de que o que está em jogo não é somente a sobrevivência da Ucrânia, o que está em jogo são normas da ordem internacional que têm permitido manter relativa paz no mundo por décadas", disse Schuegraf, da União Europeia.
A embaixadora britânica disse que um acordo frágil e sem garantias como o de Minsk (de 2015, quando Rússia e Ucrânia assinaram uma trégua) não é aceitável. O Reino Unido é favorável ao envio de tropas europeias para manter um cessar-fogo na Ucrânia. "Gostaríamos de encorajar o Brasil a trazer sua voz para a mesa da razão e da Justiça", disse Al-Qaq, em mensagem gravada enviada aos senadores.
A maioria dos senadores e diplomatas presentes no encontro defenderam que a imposição de um cessar-fogo na Ucrânia que favoreça a Rússia não é uma derrota apenas para Kyiv, mas para as democracias liberais e a ordem mundial baseada em leis e na carta da ONU. Essas normas repudiam a anexação forçada de território e estimulam a resolução de controvérsias por meio da diplomacia.
Segundo Mourão, esses são também os preceitos do artigo quarto da Constituição do Brasil. Ele ressaltou que, ao recompensar a Rússia e ignorar a ordem mundial baseada em leis, o mundo retroage para um passado onde prevalecia a lei do mais forte, que levou ao maior conflito de todos os tempos, a Segunda Guerra.
"Hordas de Putin fizeram que dezenas de milhares de inocentes ucranianos morressem", disse o diplomata polonês Maciej Brodowski. "A Ucrânia protege o que qualquer país protegeria, a sua liberdade e sua soberania. Ela é a vitima de uma agressão não provocada. É motivo de grande orgulho saber que um pais que fica tão longe reconhece o sofrimento e a coragem dos ucranianos, que não devem ser esquecidos", disse Brodowski em sua fala na reunião.
Chanceler Mauro Vieira ignora pedido de audiência de senadores, diz Damares
A senadora Damares Alves afirmou em sessão do Senado que o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, vem se recusando sistematicamente a receber em audiência membros do grupo parlamentar Brasil-Ucrânia. Ela disse não ter esperança de que Lula fale com os senadores, mas mostrou indignação com o fato de o ministro ignorar um pedido legítimo de senadores da República.
"O Congresso Nacional não vai se omitir. Queremos ajudar nesse processo de paz. Estou pedindo desde janeiro que o ministro das Relações Exteriores nos receba. Já falamos na tribuna e queremos falar com o governo", disse Damares. A reportagem tentou entrar em contato com o Ministério das Relações Exteriores, mas não recebu resposta até a publicação desta matéria.
O governo Lula já negou pedidos de audiência do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e do embaixador Andrii Melnik, mas já recebeu por duas vezes o chanceler russo Sergei Lavrov.
O senador Magno Malta criticou o governo Lula pela aproximação com regimes ditatoriais. "O governante maior do país esteve preso por peculato e lavagem de dinheiro e a Suprema Corte que faz parte desse consórcio perverso. Eles odeiam liberdade, eles são amantes de ditadores", disse o senador. As condenações de Lula na Operação Lava Jato foram todas anuladas por decisão do Supremo Tribunal Federal.
Ainda não há data prevista para a sessão do Senado com embaixadores e diplomatas. O grupo Brasil-Ucrânia deve monitorar agora o posicionamento do governo Lula sobre os termos da proposta de cessar-fogo.






