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carmen lucia bolsonaro
Ministra Cármen Lúcia é a próxima a votar no julgamento de Jair Bolsonaro no TSE| Foto: Divulgação/SECOM TSE

Falta um voto contra o ex-presidente Jair Bolsonaro para que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o torne inelegível até 2030. A decisão cada vez mais provável de interferência dos juízes sobre o pleito abre um precedente perigoso na Justiça Eleitoral brasileira: um controle maior do Judiciário sobre a vontade popular.

O julgamento contra o ex-presidente foi suspenso novamente e será retomado nesta sexta-feira (30). Até agora, três dos sete ministros votaram para tornar Bolsonaro inelegível por oito anos, sob a acusação de abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação por uma reunião com embaixadores realizada em julho de 2022. Apenas o ministro Raul Araújo votou pela absolvição do ex-presidente. Os quatro, porém, votaram para liberar o vice da chapa, Walter Braga Netto, das acusações.

A próxima sessão será retomada com o voto da ministra Cármen Lúcia, que poderá formar maioria pela condenação de Bolsonaro. Também votarão nesta sexta os ministros Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes, presidente da Corte Eleitoral.

O jurista Adriano Soares da Costa, autor do livro Instituições de Direito Eleitoral (2006), classifica como "anomalia" o pedido de inelegibilidade. Para ele, a Corte está inaugurando o império da subjetividade dos ministros sobre as eleições e esvaziando a soberania popular.

Ele explica um problema de raciocínio presente na petição do PDT, no parecer do Ministério Público Eleitoral e nos votos dos ministros a favor da inelegibilidade de Bolsonaro: considera-se que houve abuso de poder por parte de Bolsonaro sem se demonstrar, em tese e de forma objetiva, o impacto desse abuso nas eleições.

Sem isso, a própria aplicação do conceito pela Justiça Eleitoral não faz sentido, já que a imputação de abuso de poder a alguém exige a comprovação da gravidade das circunstâncias de maneira objetiva.

"Se não houver a demonstração da gravidade das circunstâncias para interferir no resultado, não há abuso de poder. Esse ponto é fundamental. Você é obrigado a demonstrar que aquele ato teve uma repercussão elevada no pleito", diz. "Se você não tem repercussão no pleito, se os fatos aconteceram antes do processo eleitoral, como diabos isso vai ter consequência grave?"

Por um lado, essa demonstração não precisa ser matemática – não é necessário comprovar que um número determinado de votantes foi impacto pelo abuso de poder. Por outro, é imprescindível demonstrar que a conduta caracterizada como abuso de poder tem, em tese, a capacidade de impactar o resultado eleitoral.

E essa demonstração não foi feita por nenhum dos ministros. O relator Benedito Gonçalves e os ministros que seguiram seu voto insistiram em análises subjetivas calcadas em slogans como "desordem informacional", sem demonstrar objetivamente o efeito da reunião com os embaixadores sobre o pleito.

A ideia de que a gravidade das circunstâncias possa ser determinada independentemente do efeito provocado é absurda, destaca Soares da Costa. "É transformar o abuso de poder em algo subjetivo", afirma.

Essa, aliás, foi parte da linha argumentativa do ministro Raul Araújo, único que divergiu do relator. Para ele, a Justiça Eleitoral deve se limitar a julgar as consequências reais do fato e interferir apenas quando estritamente necessário para garantir a soberania do sufrágio.

"A gravidade das circunstâncias deve ser vista exclusivamente como um parâmetro para a avaliação dos impactos dos ilícitos sobre a legitimidade e a normalidade da competição eleitoral, não estando o intérprete autorizado a extrair a gravosidade de maneira completamente descolada do resultado da disputa", disse Araújo.

Nos votos do relator e dos ministros que o seguiram, contudo, houve interpretação elástica dos efeitos da reunião com embaixadores sobre as eleições. Benedito chegou a citar, por exemplo, teorias meramente especulativas que combinam aspectos da neurociência com estudos comunicacionais para referendar a tese de que o discurso de Bolsonaro teria um impacto objetivo nas eleições.

"A neurociência é capaz de demonstrar que nosso cérebro, no novo paradigma comunicacional, já não é mais o mesmo", afirmou no começo de uma longa digressão que misturou caoticamente elementos de pesquisas empíricas do campo da neurociência com teorias especulativas do campo da comunicação.

Julgamento também é marcado por teor político

Em reportagens da Gazeta do Povo, juristas consultados já criticaram as teses defendidas pelo relator e disseram que o processo de Bolsonaro está marcado por politização e critérios subjetivos dos magistrados.

Para Richard Campanari, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o processo contra Bolsonaro é "reminiscente do estilo kafkiano". "A juridicidade, com todo respeito, é apenas aparente", afirmou. "Eventual condenação do [ex-]presidente Bolsonaro será apenas a confirmação de que o processo político se instalou no Judiciário."

Na visão do advogado constitucionalista André Marsiglia, tratar declarações consideradas como "desinformação" como um tipo de abuso de poder é fazer uma interpretação subjetiva, e não técnica.

“A concepção de que esse abuso pode ser utilizado para punir propagação de desinformação está sendo levada em conta, mas vejo isso como um erro. O artigo forma assim uma jurisprudência agressiva e pouco técnica. A inelegibilidade é algo muito sério e deve ser punição para casos graves de comprovada fraude”, disse Marsiglia.

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