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O ministro Benedito Gonçalves, do TSE, votou para tornar Bolsonaro inelegível.| Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

O corregedor-geral da Justiça Eleitoral e ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Benedito Gonçalves, relator do julgamento de uma ação do Partido Democrático Trabalhista (PDT) contra Jair Bolsonaro (PL-RJ), votou nesta terça-feira (27) pela inelegibilidade do ex-presidente por um período de oito anos, por suposto abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

Esse foi o segundo dia do julgamento, que terminou apenas com o voto do relator. O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, aceitou um pedido do ministro Raul Araújo, que seria o próximo a votar, para retomar o julgamento somente na quinta-feira (29), às 9 horas.

Para Gonçalves, Bolsonaro praticou "difusão deliberada e massificada", por meio da TV Brasil e das redes sociais, de "severa desordem informacional" sobre o sistema eleitoral brasileiro.

Na visão dele, o ex-presidente quis obter "dividendos eleitorais" que eram "facilmente estimáveis ante a popularidade desse tipo de conteúdo na internet e o conhecido êxito" de suas lives. O objetivo do ex-presidente, disse o ministro, era "gerar e manter mobilização política de caráter altamente passional e impermeável a contestações factuais vindas de fora da bolha".

Quanto ao abuso de poder político, Gonçalves disse que Bolsonaro, "valendo-se do seu cargo" e "em manifesto de desvio de finalidade", atuou "para obter vantagens desproporcionais no processo eleitoral que se avizinhava".

Segundo o magistrado, com o evento promovido com embaixadores em julho de 2022, o ex-presidente usou "sua posição de presidente da República, de chefe de Estado e de comandante supremo das Forças Armadas" para organizar "em tempo recorde" um evento "estratégico para sua pré-campanha".

Em seu voto, Gonçalves votou pela condenação somente de Bolsonaro, "em razão de sua responsabilidade direta e pessoal pela conduta ilícita praticada em benefício de sua candidatura à reeleição para o cargo". Ele poupou o vice da chapa eleitoral de 2022 do ex-presidente, o general Braga Netto, que não participou da organização da reunião com embaixadores.

Relator acusa Bolsonaro de "conspiracionismo"

Benedito Gonçalves montou seu voto em três blocos, indicando que Bolsonaro:

  • Teria preparado o evento com os embaixadores como manobra eleitoral para se contrapor ao TSE;
  • Teria feito um discurso que promoveu "desordem informacional" ao sugerir que as eleições poderiam ser fraudadas em favor de Luiz Inácio Lula da Silva (PT);
  • Teria se aproveitado da cobertura do TV Brasil e das redes sociais para difundir um "conspiracionismo" contra o sistema eleitoral não só na reunião com embaixadores, mas em outras ocasiões antes e depois do evento.

Quanto ao primeiro desses pontos, Gonçalves disse que já "está demonstrado nos autos" do processo que a reunião com embaixadores "foi planejada como resposta à sessão informativa para embaixadores realizada no TSE" pelo então presidente do tribunal, Edson Fachin, em 31 de maio de 2022.

Além disso, o relator afirmou que o TSE já tinha reconhecido o teor eleitoral da preparação do evento ao multar Bolsonaro pela reunião e ordenar a remoção dos vídeos do evento.

Quanto ao segundo ponto, sobre o discurso de Bolsonaro, ele afirmou que "as circunstâncias denotam que o primeiro investigado se sentiu pessoalmente confrontado pelo alerta do ministro Edson Fachin" e que sua reação "escalou em tensão e hostilidade, sendo marcada por uma antagonização com o ministro do TSE.

Também afirmou que o discurso de Bolsonaro "insinua uma perturbadora interpretação das ideias de autoridade suprema do presidente da República, da defesa da pátria, da defesa da lei e da ordem" e que, durante sua fala na reunião, Bolsonaro "enxerga-se como militar em exercício à frente das tropas".

Em relação ao terceiro ponto, Gonçalves disse que as lives de Bolsonaro de 2021 sobre o sistema eleitoral "foram exitosas em sua proposta pragmática de cultivar o sentimento de que uma ameaça grave rondava as eleições de 2022 e que essa ameaça partia do TSE". Segundo ele, o "conspiracionismo" de 2021 "se conservou latente e foi acionado com facilidade no ano eleitoral".

O que dizem juristas sobre as teses defendidas pelo relator

Em reportagens da Gazeta do Povo, juristas consultados criticaram as teses defendidas pelo relator e disseram que o processo de Bolsonaro está marcado por politização e critérios subjetivos dos magistrados.

Para Richard Campanari, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o processo contra Bolsonaro é "reminiscente do estilo kafkiano". "A juridicidade, com todo respeito, é apenas aparente", afirmou. "Eventual condenação do [ex-]presidente Bolsonaro será apenas a confirmação de que o processo político se instalou no Judiciário".

Na visão do advogado constitucionalista André Marsiglia, tratar declarações consideradas como "desinformação" como um tipo de abuso de poder é fazer uma interpretação subjetiva, e não técnica.

“A concepção de que esse abuso pode ser utilizado para punir propagação de desinformação está sendo levada em conta, mas vejo isso como um erro. O artigo forma assim uma jurisprudência agressiva e pouco técnica. A inelegibilidade é algo muito sério e deve ser punição para casos graves de comprovada fraude”, disse Marsiglia.

Adriano Soares da Costa, ex-juiz de Direito e autor do livro "Instituições de Direito Eleitoral (2006)", diz que uma eventual condenação de Bolsonaro "abre um perigoso precedente para relativizar as eleições presidenciais".

Segundo ele, "a atribuição de gravidade 'em si mesma' em uma reunião do presidente da República com diplomatas, como desvio de poder que causaria inelegibilidade, é absurda e destrói por dentro o conceito de abuso de poder e toda a tradição jurídica do próprio TSE". "Em que, objetivamente, uma reunião presidencial com diplomatas afetou as eleições, a sua integridade e beneficiou o candidato à reeleição? Em que proporção?", questionou Soares da Costa. "Não afetou absolutamente nada, salvo a sensibilidade dos membros da Justiça Eleitoral, que se sentiram ofendidos", complementou.

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