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Mesmo os avanços na legislação não têm contido violência contra mulheres
Mesmo os avanços na legislação não têm contido violência contra mulheres| Foto: Tumisu / Pixabay

O recente caso de violência doméstica contra a apresentadora Ana Hickmann reacendeu o debate sobre violência doméstica e de gênero no país. Mesmo sendo uma das bandeiras do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante as eleições, as medidas do governo para defesa dos direitos das mulheres e a garantia de sua segurança ainda não apresentaram resultados concretos.

Prova disso é que o número de feminicídios no Brasil continua em tendência de crescimento, registrando alta de 2,6% em relação ao primeiro semestre do ano passado. Ao todo, 722 mulheres foram assassinadas em todo o país entre janeiro e junho deste ano. Os dados são do levantamento “Violência contra meninas e mulheres no 1º semestre de 2023”, realizado pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

No Distrito Federal, houve aumento de 250% nos casos de feminicídio, o maior crescimento em todo país, passando de seis feminicídios no primeiro semestre de 2022, para 21 no mesmo período deste ano.

“O grande problema do governo nesse tema é justamente a hipocrisia e a grande distância entre discurso e prática”, afirma a deputada Júlia Zanatta (PL-SC).

Sobre esse salto de casos na capital federal, Zanatta lembrou que, mesmo diante desses números, cogitou-se anexar no arcabouço fiscal um projeto para congelar o Fundo Constitucional do DF que, entre outras pastas, financia a Segurança Pública da região. “Então, você vê que a segurança não é prioridade para o governo Lula”, disse a deputada.

Apresentadora denunciou o marido por lesão corporal

Em 11 de novembro, Ana Hickmann denunciou o marido Alexandre Correa por violência doméstica e lesão corporal. No último domingo (26) ela deu uma entrevista à TV Record e contou detalhes da agressão.

À polícia, a apresentadora e modelo contou que o esposo fechou a porta de correr da cozinha contra seu braço durante uma discussão. Uma contusão no cotovelo foi constatada durante atendimento médico. Correa nega a agressão.

Em entrevista ao programa Domingo Espetacular, da TV Record, Ana Hickmann chamou o marido de “covarde” e “canalha” e relatou que, além da agressão, sofria abusos psicológicos em casa. “Ele controlava minha agenda pra qualquer coisa, não só meus trabalhos, determinava dia da academia, do médico. Me azucrinava pra parte de cirurgia plástica depois que tive meu filho, que eu tinha que fazer isso”, disse.

Número recorde de estupros no primeiro semestre de 2023

O primeiro semestre de 2023 ainda teve um registro recorde de casos de estupro, 34 mil, 14,9% acima do mesmo período no ano passado. Esse é o maior patamar nos últimos quatro anos, quando a série histórica foi iniciada, em 2019. Desde então, o número de estupros cresce ano a ano, à exceção de 2020, quando os registros apresentaram queda de 20%.

De acordo com Clicie Carvalho, gestora do Projeto Justiceiras, que foi criado pela advogada Gabriela Manssur como alternativa para o enfrentamento da violência doméstica durante a pandemia do Coronavírus, a redução desses índices, em geral, se deve a subnotificações, o que pode ter ocorrido durante a pandemia em razão do menor acesso a canais de denúncia e de acolhimento.

Além disso, Clicie explica que os crimes de conotação sexual são sempre os mais difíceis para a mulher entender que aconteceram de fato e, portanto, para criar coragem de denunciar.

“Geralmente as vítimas de violência sexual paralisam, querem esquecer, se sentem sujas, culpadas. E a mulher enfrenta uma rota crítica de revitimização e culpabilização que inclui amigos, familiares, delegacia, Ministério Público, Judiciário, o que as faz desistirem no meio do caminho ou demorarem ainda mais a denunciar”, afirma.

Brasil tem baixo índice de denúncias de violência sexual e bancos de dados frágeis

Há uma grande falta de dados confiáveis sobre segurança pública no Brasil. Os dados utilizados no levantamento pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) são coletados a partir dos registros de boletins de ocorrência nas Polícias Civis dos estados e do Distrito Federal. Por serem preliminares, podem ser alterados no curso das investigações ou quando se tornarem processuais. Como as estatísticas criminais são responsabilidade dos governos estaduais (que muitas vezes não adotam parâmetros de transparência) e a União não compila os dados, na prática, apenas o FBSP faz a comparação das estatísticas nacionalmente.

Segundo Clicie, o número de denúncias é sempre inferior ao número de casos reais. Nos Estados Unidos, na última edição da pesquisa de vitimização criminal do Departamento de Justiça, divulgada em setembro deste ano, a porcentagem de violência sexual reportada para as instituições policiais foi de apenas 21,4%.

No Brasil, estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) tendo como referência o ano de 2019, estimou que apenas 8,5% dos estupros que ocorrem no país são registrados pelas polícias e 4,2% pelos sistemas de informação de saúde.

“A sociedade precisa entender que, muitas vezes, nós fazemos lendas com histórias que são poetizadas, mas que precisam ser revistas. Nunca foi o boto, as meninas nunca começam cedo, elas são estupradas mesmo”, afirma a deputada federal Silvia Waiãpi (PL-AP), citando as crenças que ocultam e perpetram práticas de violência sexual na região Norte do Brasil.

Revitimização como perpetuação das práticas de violência sexual

A lei Marina Ferrer (Lei n° 14.245, em novembro de 2021) sancionada no governo do presidente Jair Bolsonaro assegura a integridade física e psicológica das vítimas de violência sexual, assim como das testemunhas, durante as audiências e todo o processo judicial.

Waiãpi cita o ocorrido com a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) como um exemplo dessas práticas. Antes de ser integrada ao cargo de ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro, Damares foi alvo de críticas e memes relacionados a detalhes de experiências de abuso sexual durante sua infância.

A deputada afirma que todas as vezes que se discrimina ou se faz “vista grossa” à violência sofrida por uma mulher, como ocorreu com a ex-ministra, todas as mulheres, meninas e adolescentes sofrem, pois a tendência é que também sejam alvo de tais práticas.

Dos casos de estupro registrados na compilação de dados da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 74,5% foram de vulneráveis. Isso significa que as vítimas tinham menos de 14 anos ou eram incapazes de consentir (por enfermidade, deficiência mental ou qualquer outra causa que não pode oferecer resistência).

Leniência com o crime contribui para o aumento da violência contra as mulheres

Outro ponto destacado pelas parlamentares entrevistadas pela Gazeta do Povo é a forma como o atual governo trata o crime e os criminosos. “O governo tem justificado e humanizado o bandido, o agressor e ele tem desqualificado as forças de segurança”, afirma Waiãpi.

Pautas amplamente defendidas pelo governo como o desencarceramento, a manutenção da proibição de ações policiais em morros no Rio de Janeiro, o uso de câmeras pelas polícias militares e a própria campanha antiarmas (enquanto os criminosos têm acesso a armamentos por meio do tráfico ilícito) são consideradas por elas como condescendentes com a criminalidade.

A deputada lembra a recente visita da “dama do tráfico amazonense” ao Ministério da Justiça e Segurança Pública como um sinal dessa leniência. “Quando eu fui secretária nacional de saúde eu verificava cada pessoa com quem me reunia, minha secretária pesquisava se cada visitante tinha processos. Aqueles que estão ao redor de um ministro devem proteger a integridade dele e da instituição, e isso não aconteceu”, afirma Waiãpi.

Zanatta também avalia que, sem o trabalho ativo do governo federal contra o crime, é inevitável que o número de ocorrências cresça. “Os bandidos respeitam apenas o que temem, e infelizmente eles estão bastante confortáveis com esse governo. A comemoração em diversos presídios após o anúncio do resultado das eleições diz muito”, opina a parlamentar.

Deputada defende acesso de mulheres a armas de fogo para defesa

Segundo ela, o aumento na violência no país demonstra o descaso do governo com a Segurança Pública, mas também traz à luz um tema amplamente defendido pela esquerda: a campanha de desarmamento da população. “Demonizar as armas e os clubes de tiro têm reflexo direto no aumento da violência”, opina.

Zanatta afirma que, em Santa Catarina, 43% das vítimas de feminicídio foram mortas com armas brancas. “Se elas tivessem como se defender, se estivessem armadas, se o governo federal não dificultasse tanto a possibilidade da autodefesa, elas poderiam ter evitado suas mortes”.

Ações de amparo e de prevenção

No dia 8 de março deste ano, durante comemorações do Dia Internacional da Mulher, o governo federal anunciou uma série de medidas para o combate a violência de gênero, dentre os quais a "recauchutagem" de um programa lançado em 2013, o “Mulher, Viver Sem Violência”, por meio do qual são implementadas as unidades da “Casa da Mulher Brasileira”, além da Central de Atendimento à Mulher, o disque 180.

Clicie avalia as iniciativas como positivas. “O governo atual está utilizando uma frente multidisciplinar aplicando a Lei Maria da Penha de modo transversal – a mulher sofre violência e recebe apoio jurídico, psicológico, rede de apoio e acolhimento”.

Contudo, apesar de positiva, a iniciativa ainda tem muitas falhas, como falta de profissionais para lidar com a grande quantidade de processos e baixa disponibilidade de forças policiais para garantir que as medidas protetivas sejam cumpridas.

Outro ponto destacado por Clicie é uma tentativa de mapeamento de projetos sociais que o Ministério das Mulheres está realizando em todo o Brasil para nutrir um grande banco de dados. “As políticas para as mulheres são como quaisquer outras políticas públicas. Temos que ter planejamento, execução, verba e muita vontade de integrar os vários cenários e problemáticas”, afirma.

Procurado por essa reportagem sobre os resultados das ações implementadas nos 11 meses do governo Lula, o Ministério das Mulheres não havia se pronunciado até o fechamento desta reportagem.

Uso de tornozeleira, defendido por ministra, é questionado em estudo

Em audiência na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, realizada na terça-feira (21), a ministra da Mulher, Cida Gonçalves, afirmou que não é preciso haver aumento da pena para a prática de violência contra a mulher, mas que haja julgamento e punição, conforme reportado pela Agência Senado. Para tanto, ela defende o uso de tornozeleira eletrônica por homens que praticam violência contra as mulheres.

O próprio levantamento da FBSP, porém, questiona essa medida e afirma que, diante dos resultados apresentados no documento, há ressalvas quanto à utilização cada vez mais frequente do “orçamento voltado ao enfrentamento à violência contra a mulher para ampliação de projetos de monitoramento de agressores por meio de tornozeleiras eletrônicas".

De acordo com a deputada Zanatta, a pauta da igualdade de gênero acaba sendo  alardeada para ganhar voto nas eleições, mas que, na verdade, excetuando a primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja, "mulheres nunca tiveram força no governo Lula". "Três mulheres foram demitidas para acomodar homens do Centrão (Ana Moser, Daniela Carneiro, Rita Serrano) e tivemos um silêncio ensurdecedor por parte das feministas, que são instrumentalizadas e não possuem a coerência de criticar Lula”.

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