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Policiais no Rio de Janeiro
Rio de Janeiro teve tarde de caos com deenas de ônibus queimados que causaram o fechamento de diversas vias na Zona Oeste.| Foto: Divulgção/Polícia Militar do Rio de Janeiro.

A onda de ataques criminosos na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro na segunda-feira (23), desencadeada pela morte de um chefe da milícia (facção do crime organizado) em confronto com a polícia, que deixou 35 ônibus destruídos e um clima de medo na cidade, trouxe à tona o debate sobre a prática de terrorismo no Brasil. Na opinião de parlamentares de direita, as cenas reproduzem na vida brasileira situações semelhantes às do conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas, com disputa por território, guerra de narrativas e ataques contra civis inocentes de todas as idades e origens.

Segundo analistas ouvidos pela reportagem, as facções do crime organizado, além de adotarem estratégias de terror como faz o Hamas, também atuam em uma guerra de narrativas similar ao que ocorre em Israel, com o objetivo de diminuir a liberdade de ação da polícia.

Durante entrevista após os atos violentos, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), prometeu retaliar duramente qualquer nova ocorrência. “Qualquer coisa nesse sentido, a partir de agora, será encarada como terrorismo”, disse.

Para a deputada Bia Kicis (PL-DF), as ações criminosas desta semana mostram a escalada da violência desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Já temos o nosso próprio terrorismo no Brasil, com dezenas de ônibus incendiados no Rio de Janeiro nesta segunda-feira. Passamos quatro anos da gestão anterior sem a rotina de invasões do Movimento Sem-Terra (MST), de greves e de atos terroristas como esses”, afirmou.

No Rio, os homicídios dolosos caíram 6% entre 2021 (3.253 casos) e 2022 (3.059), época que coincidiu com o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas nos oito primeiros meses de 2023 a queda se transformou em alta de quase 10% (2.190 casos) em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio. Nesse período não houve mudança no governo estadual.

“Se aquilo que ocorreu com o Rio de Janeiro não era terrorismo, não sei mesmo o que possa ser. Ônibus sendo incendiados com pessoas dentro que nada têm a ver com a guerra diária entre forças de segurança, traficantes de drogas e milícias, é uma típica cena terrorista”, disse o deputado Delegado Palumbo (MDB-SP).

Não há uma definição específica, aditada internacionalmente, para definir atos de terrorismo. Em geral, o terrorismo é entendido como atos que visam causar um clima de medo em uma sociedade para se atingir um objetivo político. As ações dos criminosos no Rio causam o clima de medo, mas não necessariamente têm um objetivo político formal.

A lei brasileira tem um entendimento diferente sobre o que é terrorismo. No Brasil só são considerados atos de terrorismo aqueles praticados por "razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião".

Para Palumbo, o conflito envolvendo facções criminosas e a polícia perdura há muitos anos no contexto fluminense, mas tem sido agravado pela postura invasiva do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os demais poderes e pela leniência do ministro da Justiça, Flávio Dino.

Ele afirmou que a insegurança nas ruas também é alimentada pela insegurança jurídica, na qual o Judiciário teima em legislar sobre temas da exclusiva alçada do Congresso Nacional, como abordo, marco temporal de terras indígenas e principalmente porte e consumo de drogas e a proibição da realização de operações policiais em favelas determinada pelo STF e comprida parcialmente pela polícia do Rio.

“Para completar, se percebe um descontrole total do aparato estatal, com o ministro Dino mais preocupado em perseguir rivais políticos e cidadãos que buscam se defender do crime, sem se dedicar ao que interessa: o combate ao crime organizado, a começar pelas maiores organizações: PCC, Amigo dos Amigos, Comando Vermelho e Terceiro Comando", ilustrou o deputado, que é policial.

Palumbo reclamou da ausência, mais uma vez, de Dino em uma audiência na Câmara, marcada para esta terça-feira (24). “Gostaria de perguntar de novo a ele como conseguiu subir o morro de uma comunidade carioca dominada pelo crime sem escolta policial e troca de tiros. Mas ele não se dá ao direito de ser ao menos questionado”, disse. Dino afirmou à época que entrou no complexo de favelas da Maré para participar de um evento em uma ONG e negou ter feito negociação com o crime organizado para isso.

Segundo Palumbo, fica cada vez mais evidente os efeitos da falta de uma política nacional de segurança, com sinais mais fores na Bahia, no Rio e em São Paulo. Para ele, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), precisa de agir com bom senso e abrir a discussão sobre o impeachment do ministro da Justiça. “Se Dino se diz coagido, então peça para sair”, provocou.

O deputado Delegado Ramagem (PL-RJ), pré-candidato a prefeito do Rio, avaliou que o “caos na cidade” é “resultado de sucessivas ações de benefício e proteção a criminosos”. “Tais ações fortalecem o crime, subjugando a população ao domínio de facções”, completou, cobrando coerência de autoridades federais, que relativizam o terrorismo.

Dilma tirou a violência urbana do crime da lei antiterrorismo

Segundo especialistas entrevistados pela Gazeta do Povo, a controvérsia em torno da classificação de atos criminosos como terroristas ou não é, em grande parte, consequência de deficiências na legislação brasileira. Embora o sistema jurídico do país estabeleça punições para atos terroristas e identifique as práticas que podem caracterizar um grupo como terrorista, há lacunas que deliberadamente confundem a definição.

Em 2016, a presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou a Lei Antiterrorismo (Lei 13.260) com a exclusão de oito pontos, incluindo dois relacionados à própria definição de terrorismo. Esses pontos diziam respeito a ações como "incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado" e, também, “interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática ou bancos de dados”.

Na prática, a decisão da presidente foi tomada por uma convicção pessoal e como resposta às apreensões de partidos de esquerda e de organizações internacionais, como o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que percebiam no conceito tido como amplo demais o risco de ser utilizado para autoridades “criminalizarem” as manifestações públicas e protestos populares, semelhantes às ações dos black blocs, como sinal adverso ao convívio democrático.

Parlamentares e especialistas contrários a essa restrição lembram que as ações terroristas de vândalos e grupos políticos não promovem só perdas materiais para entes públicos e privados. Elas também geram pânico social e violação de direitos individuais, com o de ir e vir, além de poderem servir ao propósito de desestabilizar a normalidade democrática. Sem considerar isso, haveria, na opinião deles, uma anistia a atos criminosos violentos sob o frágil argumento de não querer atrelar protesto a vandalismo.

Controle da violência no Rio exige retomada de territórios e controle da narrativa

Para o coronel Fernando Montenegro, analista militar e ex-comandante da ocupação das Forças Armadas no Complexo do Alemão, a violência armada e organizada na cidade do Rio de Janeiro se caracteriza por grupos criminosos que controlam territórios, utilizando o domínio da força para atingir objetivos ilícitos. “Essa violência, contudo, não se limita a ações diretas, mas também envolve uma complexa cadeia econômica e de relações sociais, com coerção e cooptação de cidadãos, muitas vezes com os membros dos grupos criminosos camuflados na população”, disse.

O militar explica que o controle territorial é uma característica importante dessa dinâmica, afetando não apenas a segurança pública, mas também o acesso a políticas públicas urbanas, como transporte, habitação, educação e cultura. As reações violentas, como a verificada na zona oeste do Rio, são um fenômeno com precedentes desde o começo do século, nos quais organizações criminosas usam da violência armada para controlar várias atividades, com táticas e estratégias, bem como implicações para a segurança e governança local.

“Por essa mesma razão, o seu enfrentamento também é complexo e precisa atuar não apenas na repressão e na retomada de territórios. Ele também envolve o aspecto cultural, da guerra de narrativas e do campo acadêmico e político, que muitas vezes distorce a realidade em favor de criminosos e contra as forças policiais”, observou.

Ou seja, segundo ele ocorre no Rio um cenário de "guerra híbrida", similarmente ao que acontece em Israel. No Oriente Médio, o Hamas tenta acusar as Forças de Defesa de Israel de crimes de guerra contra palestinos civis. O objetivo é gerar críticas da sociedade e da comunidade internacional e assim fazer com que Israel não use todo o seu poder militar.

No Rio, ONGs, ativistas e parte da mídia criam uma narrativa falsa de que a polícia estaria abusando de direitos humanos dos moradores de favelas ao fazer operações. Isso aumenta as restrições às ações da polícia e permite que o crime organizado atue mais livremente.

“As gangues territoriais do Rio de Janeiro usam essas técnicas, táticas e procedimentos intencionalmente. Na Era da Informação, atuam com manipulação da informação, propaganda e versões construídas de fatos para obter vantagem estratégica”.

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