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485 anos de Montaigne: a educação e o pedantismo dos pedagogos
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Hoje o nascimento de Michel de Montaigne completa 485 anos. Montaigne foi um nobre francês que basicamente criou o estilo dos ensaios introspectivos e pessoais que ainda usamos. Foi um ícone da honestidade intelectual, da prudência, da humildade, sempre buscando compreender melhor a si e o mundo em sua volta. Flertou com o estoicismo também, e viveu até o último segundo de acordo com o que acreditava. Abaixo, alguns trechos dos seus Ensaios sobre educação e pedantismo, em homenagem a esse gigante:

Eu diria que, assim como as plantas se afogam por excesso de humores e as lâmpadas por excesso de óleo, assim também a ação do espírito por excesso de estudo e de matéria, o qual, tomado e embaraçado por uma grande diversidade de coisas, talvez perca a maneira de se desenredar, e essa carga o mantenha encurvado e encarquilhado. Mas o que acontece é diferente: pois nossa alma se amplia quanto mais se enche; e nos exemplos dos tempos antigos vê-se, ao contrário, que homens competentes no manejo das coisas públicas, grandes comandantes e grandes conselheiros nos assuntos de Estado, foram ao mesmo tempo muito sábios.

Na verdade, os cuidados e a despesa de nossos pais visam apenas a nos encher a cabeça de ciência; sobre o discernimento e a virtude pouco se fala. Proclamai a nosso povo, sobre um passante: “Oh, que homem sábio!” E sobre um outro: “Oh, que homem bom!” Eles não deixarão de voltar os olhos e o respeito para o primeiro. Seria preciso um terceiro pregoeiro: “Oh, que cabeças estúpidas!” Facilmente perguntamos: “Ele sabe grego ou latim? escreve em verso ou em prosa?” Mas se ele se tornou melhor ou mais ponderado, isso era o principal e é o que fica por último. Seria preciso perguntar quem sabe melhor, e não quem sabe mais. […] Assim como às vezes as aves vão em busca do grão e o trazem no bico sem o experimentar, para dar o bocado a seus filhotes, assim nossos pedagogos vão catando a ciência nos livros e mal a acomodam na beira dos lábios, para simplesmente vomitá-la e lançá-la ao vento. […] Não será fazer a mesma coisa, isso que faço na maior parte desta obra que componho?

Conheço alguém que, quando lhe pergunto o que sabe, pede-me um livro para mostrar-mo; e não ousaria dizer-me que está com coceira no traseiro sem ir na mesma hora examinar em seu dicionário o que é coceira e o que é traseiro. […] De que nos servirá ter a pança cheia de comida, se ela não for digerida? se não se transformar dentro de nós? se não nos fizer crescer e fortalecer?

Mesmo que pudéssemos ser eruditos com o saber de outrem, pelo menos sábios só podemos ser com nossa própria sabedoria.

Estes mestres, como diz Platão dos sofistas, seus irmãos, são entre todos os homens os que prometem ser mais úteis aos homens, e entre todos os homens os únicos que não somente não melhoram o que lhes é confiado, como faz um carpinteiro e um pedreiro, mas o pioram e se fazem pagar por tê-lo piorado.

Na verdade, quase sempre eles parecem ter caído abaixo até mesmo do senso comum. Pois o camponês e o sapateiro, vedes que vão levando sua vida de forma simples e autêntica, falando do que sabem; estes, por quererem avultar-se e capitanear com esse saber que boia na superfície de seu cérebro, vão se enredando e se entravando sem cessar.

Qualquer outra ciência é prejudicial para quem não tem a ciência da bondade.

A ciência é uma droga boa; mas nenhuma droga é bastante forte para conservar-se sem alterar-se nem degenerar, dependendo do vício do vaso que a contém. Alguns que têm a vista boa não a têm reta; e consequentemente veem o bem e não o seguem, e veem a ciência e não fazem uso dela.

Montaigne fecha esse capítulo sobre o pedantismo lembrando que, em Esparta, os filhos não aprendiam retórica ou dialética, e sim a “mais bela ciência que existe”, ou seja, “a ciência de obedecer e de comandar”. Ele se mostrava preocupado com o estudo demasiado que ignorasse o outro lado, físico, e que amolecesse ou efeminasse os ânimos, em vez de torná-los firmes e aguerridos.

Quando vemos tantos “intelectuais” do mundo pós-moderno, a preocupação de Montaigne se mostra bastante acurada. A “sabedoria” substituiu virtudes como a coragem e a valentia. Montaigne fecha com um exemplo histórico curioso:

Quando os godos devastaram a Grécia, o que salvou todas as bibliotecas de serem lançadas ao fogo foi que um deles espalhou a ideia de que deviam deixar para os inimigos todos aqueles bens móveis, próprios para desviá-los do exercício militar e distraí-los em ocupações sedentárias e ociosas. Quando nosso rei Carlos VIII, sem tirar a espada da bainha, se viu dono do reino de Nápoles e de boa parte da Toscana, os senhores de seu séquito atribuíram aquela inesperada facilidade de conquista ao fato de que os príncipes e a nobreza da Itália cuidavam mais de se tornarem engenhosos e sábios do que vigorosos e guerreiros.

Tentar imaginar a turma das Humanas enfrentando os bárbaros com turbantes chega a ser hilário. O resultado é uma passeata com homens alemães usando saias em protesto contra o estupro coletivo de suas mulheres por imigrantes muçulmanos, ou escandinavos cada vez mais “progressistas” no afã de serem vistos como “tolerantes”. Alemães e vikings! Seria por isso que os japoneses resolveram abolir a área de Humanas?

Rodrigo Constantino

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