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Bolsonaro apela ao populismo para elogiar manifestação: “respeito instituições, mas povo está acima delas”
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Todo poder emana do povo. Os “pais fundadores” da América sabiam que, por trás de qualquer legitimidade institucional, deveria haver apoio popular. Mas e quanto ao risco da “tirania da maioria”, alertado por Tocqueville? Ou pior: o perigo de uma ditadura de uma minoria que fala em nome da maioria, do povo?

Os liberais e conservadores que criaram a nação mais livre do planeta nunca ignoraram esse dilema. Por isso tentaram construir uma República, não uma democracia popular. As regras do jogo seriam moldadas para que um poder não tivesse condições de subverter o outro, para que as minorias gozassem de garantias independentemente do desejo da maioria do momento. Pesos e contrapesos, camadas institucionais, governo de leis (Constituição), não de homens.

Os populistas não gostam de nada disso. Preferem imaginar que incorporam a “vontade geral” contra as tais instituições, que estariam carcomidas, seriam instrumentos capturados pelas “elites” corruptas. Um populista autoritário é aquele que investe contra as instituições republicanas em nome do povo.

O presidente Bolsonaro flerta perigosamente com essa mentalidade. Não que nossas instituições sejam mesmo republicanas ou estejam funcionando bem. Elas estão fragilizadas após quase duas décadas de petismo. Mas é preciso tomar muito cuidado com o que se coloca em seu lugar. Venho escrevendo bastante sobre isso, pois percebo em ala do bolsonarismo um anseio claramente autoritário, antirrepublicano, que pretende avançar sobre as instituições em nome do povo.

E ao elogiar as manifestações a favor de Sergio Moro neste domingo, o presidente escancarou essa visão: “Parabéns a todos que foram às ruas nesse 30/06. A mensagem de vocês é p/ TODAS as autoridades: ‘não parem o Brasil, combatam a corrupção, apoiem quem foi legitimamente eleito em 2018.’ Respeito todas as Instituições, mas acima delas está o povo, meu patrão, a quem devo lealdade”.

O “povo” está acima das instituições? O que exatamente isso quer dizer? Algumas dezenas ou mesmo centenas de milhares de pessoas nas ruas falam em nome de todos os 200 milhões de brasileiros e esse recado dispensa a necessidade do filtro institucional? Essa é uma ideia muito perigosa. Não custa lembrar que o PT também falava em nome do povo e queria, com isso, atropelar as instituições.

Pedro Menezes, colunista da Gazeta, comentou: “O povo não está acima das instituições. Se um presidente precisar escolher entre a Constituição e a opinião pública, a Constituição deve prevalever sempre. Mais uma vez, Bolsonaro passou recibo de populista. Quando é que a turma do ‘ele é só um tiozão’ vai cair na real?”

Impossível não acompanhar a indignação popular com certas figuras do mundo político, com certos ministros do nosso Supremo, que deveria ser o guardião da Constituição. Inegável que há muitos problemas em nossas instituições. Mas a solução não está num líder messiânico que se transforma numa espécie de ventríloquo do “povo”, absorvendo não só sua fala como seus desejos.

O povo expressa sua vontade por meio das urnas, das manifestações, das redes sociais, e há muito mais cacofonia do que uníssono, ainda que algumas pautas consigam, de fato, atrair uma grande maioria. Ninguém representa a “vontade popular”. Temos uma democracia representativa, ainda que capenga, que pouco representa de fato.

As mudanças necessárias devem vir por meio das próprias instituições, mesmo que sob pressão popular. Mas jamais por canetadas ou decretos de cima para baixo de alguém que se veja como símbolo desse tal povo. Quem não votou em Bolsonaro também é povo. Quem não estava nas ruas neste domingo certamente é povo. E é para proteger dissidentes da maioria – se mesmo maioria – que existem as tais instituições. Elas precisam ser fortalecidas, não demolidas. Muito menos em nome da vontade do povo.

Rodrigo Constantino

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