

Lendo a coluna de Clóvis Rossi na Folha hoje, descubro que se trata de um gênio. Ou quase isso. Ele retorna ao tema do pessimismo exagerado dos “nervosinhos”, chocado com a reação de muitos a seu último texto, que comentei aqui.
É que muitos compararam os rumos do Brasil com a Argentina ou a Venezuela. Rossi acha tal comparação ridícula. E, para provar isso, ele compara… os dados atuais dos três países para mostrar como somos diferentes!
Sério: tem idiotices que são visíveis sem auxílio de lupa. Mas tem certas coisas que somente um gênio seria capaz de escrever! Por isso eu concluí, sem pestanejar: o homem é um gênio. É de uma sabedoria incrível.
Podemos utilizar sua sapiência em vários casos. Pegue o Neymar, garoto ainda, e compare a quantidade de gol que fez com Zico ou Pelé. Vai concluir que é absurdo afirmar que o trio tem nível parecido de habilidade!
Não pensem que estou brincando. Foi isso que o membro do Conselho Editorial da Folha fez. Vejam só:
Vamos, então, a uns poucos dados que desmontam a comparação.
1 – Inflação. Tanto a Venezuela (56%) como a Argentina (20 e poucos por cento) perderam o controle sobre ela. O Brasil perdeu só o centro da meta. Não é para festejar, mas tampouco é para entrar em pânico.
Pior, no caso argentino: as estatísticas foram desmoralizadas por instituições internacionais, a ponto de o FMI ter adotado o passo inédito de cobrar que elas fossem, digamos, normalizadas. No Brasil, até a revista “The Economist”, que acha que a economia está moribunda, acredita nos dados oficiais.
Sim, alguém precisa explicar ao gênio que foto e filme não são a mesma coisa. Uma é estática, captura o presente, o outro é dinâmico, segue em andamento. Na fotografia, o Brasil ainda está em situação bem mais confortável do que Argentina ou Venezuela.
É por isso que os “nervosinhos” falam que nosso país corre o risco de ficar como os outros, que seguiram a mesma receita. Ou o gênio Rossi acha que a Venezuela e a Argentina nasceram assim, sem passar por um processo de deterioração?
Nossa inflação não perdeu apenas o centro da meta, como alega o jornalista. Ela está no topo da elevadíssima meta há uma década! No mais, há vários preços congelados pelo governo. A inflação real está maior do que a oficial. Ou seja, nosso governo já vem perdendo credibilidade também perante investidores e órgãos internacionais. O destino parece ser similar ao argentino. Por isso dizem que a Argentina é o Brasil amanhã, e não hoje.
2 – Câmbio – Nos dois países, vigoram um câmbio oficial e um paralelo, que é, na Argentina, quase o dobro do oficial, e, na Venezuela, umas dez vezes maior.
O Brasil já teve um duplo câmbio, mas faz tanto tempo que pouca gente ainda lembra. Não está no horizonte no Brasil uma distorção como essa, que sempre acaba mal, como aprendemos até que o Plano Real estabilizasse a economia.
Nosso câmbio não é mais flutuante há um bom tempo. É um câmbio controlado, sob forte intervenção do Banco Central. Novamente: o Brasil ainda não vive o caos dos vizinhos bolivarianos. Mas é por isso que os analistas mais sérios e independentes fazem um importante alerta: para impedir tal tragédia por aqui.
Não vale nem a pena entrar a falar dos aspectos políticos e institucionais, tão diferentes são o chavismo, o kirchnerismo e o lulismo/dilmismo. Basta lembrar que os dois primeiros buscam permanentemente o confronto, como forma de afirmação, ao passo que o lulismo e o dilmismo buscam a acomodação (para o meu gosto, até excessiva).
Detesto ser leviano, mas um trecho desses desperta em mim as piores desconfianças. É que parece coisa chapa-branca demais. Não consigo imaginar um petista escrevendo algo mais falso e distorcido para favorecer os raivosos do PT.
Acomodação? Clóvis Rossi não acompanhou as brigas no Congresso, o PMDB que se sente traído e diminuído na coligação, o tratamento dado a Eduardo Campos e Marina Silva porque saíram da aliança? Será que acomodação é compra de votos por mensalão?
O PT é o partido que mais adota a velha máxima de dividir para conquistar. A tática do confronto é constante. Nós contra eles. Ricos contra pobres. Patrões contra empregados. Homens contra mulheres. Héteros contra gays. Brancos contra negros. Assim é o PT, exatamente como fizeram os demais bolivarianos populistas.
Enfim, o otimismo de Clóvis Rossi é tão mal calibrado, tão infundado, tão desprovido de lógica, que até parece coisa de alguém sob forte efeito de Prozac, ou algo pior. Quem está fornecendo esse entorpecente para o colunista da Folha? Seria bom ele regressar para a realidade e se dar conta de que, sim, existe o risco de o Brasil, seguindo na toada petista, desembocar em um trágico destino como o da Argentina.
Caracas pode até passar longe daqui. Mas Buenos Aires é bem pertinho…



