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Direita dividida entre defesa institucional e “governo pelas ruas”: qual será a escolha de Bolsonaro?
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Para o deputado Kim Kataguiri, o conflito entre manifestantes bolsonaristas e integrantes do MBL nas manifestações do último domingo foi responsabilidade de radicais que não toleram divergências. Kataguiri é um dos principais líderes do MBL e ficou conhecido pela atuação favorável ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

“Eles (bolsonaristas) não querem um Congresso, querem bois de terno e gravata que atendam ao berrante do presidente”, disse ao GLOBO. Kim explicou os ataques sofridos: “Não é pelo fato de eu ter virado parlamentar. É pelo fato de eu criticar quando o presidente erra e elogiar quando acerta. Criticam o MBL por ter uma postura política, por a gente ser liberal politicamente, por defender a existência da imprensa. Essa ala do governo, que tem certa representação popular, não acredita nisso”.

De fato, parece haver cada vez mais uma divisão entre uma direita mais liberal e defensora das instituições republicanas e outra mais populista e autoritária, que gostaria de ver o Congresso se dobrando diante da “vontade geral” incorporada supostamente na figura do presidente. Nessa ala há um desprezo muito grande em relação ao papel parlamentar, e a desculpa é que “esse Congresso” não presta. Mas algum presta, já prestou ou é perfeito?

Kamala Harris, uma das várias pré-candidatas democratas de 2020, disse que quando (não se) ela for eleita presidente, vai dar ao Congresso cem dias para colocar um projeto banindo armas em sua mesa para assinatura, e que se não fizer isso ela vai usar uma ordem executiva (decreto). O conservador Ben Shapiro rebateu: “Então se você for eleita presidente será uma ditadora. Ok, entendi”.

Conservadores e liberais entendem a importância das instituições, da divisão de poderes, do mecanismo de pesos e contrapesos, dos riscos da centralização de poder no Executivo. A esquerda americana, cada vez mais radical e populista, quer até acabar com o Colégio Eleitoral e partir para uma “democracia direta”, ou seja, a tirania da maioria simples que os “pais fundadores” sempre tentaram evitar.

É triste ver no Brasil uma ala da dita direita defendendo coisas tão parecidas. Não parecem se dar conta de que amanhã todo esse poder poderá ser usado pelo lado de lá. Imaginem um Boulos da vida com todo esse poder concentrado atropelando o Congresso: Deus nos livre!

A pressão popular das ruas pode ter seu papel numa democracia, mas como “tática de governabilidade” parece fadada ao fracasso. Foi o tema da coluna de Joel Pinheiro na Folha hoje. O evento pode estar se tornando numa banalidade:

A ideia era que Bolsonaro não precisava negociar com o Congresso porque a força da pressão popular sobre os parlamentares os obrigaria a seguir as ordens do Executivo. Na prática, contudo, o Congresso vê os manifestantes entoando cantigas de amor ao presidente e seus ministros e não sente medo nenhum. Não vemos nas ruas as multidões a perder de vista. E como elas não apresentam grandes riscos de partir para a violência, invadir o Congresso, parar a cidade (até o dia dos atos é escolhido para não interferir no trânsito) ou algo do tipo, perdem o potencial intimidatório. O domingo de manifestação virou o dia do lazer bolsonarista.

Assim, deputados e senadores sentem-se à vontade para inviabilizar o decreto que liberava o porte de armas, propõem mudanças várias à reforma da Previdência sem se pautar pelo número mágico do R$ 1 trilhão em dez anos e já se preparam para tocar uma agenda econômica própria assim que a página da Previdência tenha sido virada. E ao fazê-lo criarão uma situação difícil para a militância bolsonarista: se o Congresso toma a dianteira nas reformas econômicas do Brasil, o governo não poderá acusá-lo de sabotar seu trabalho.

A pressão popular, para ter algum efeito, precisa ser rara e impactante. E ela o será tanto mais quanto mais parecer que o Congresso —para defender interesses próprios— se coloca contra mudanças importantes do país. Se ele for o motor dessa mudança, a grande crítica do bolsonarismo à “velha política” estará desarmada.

[…]

A cada nova intriga que vaza para a mídia, a cada nova humilhação pública e demissão sumária imposta a um ministro ou funcionário do alto escalão (como no caso de Joaquim Levy e do general Santos Cruz), o governo perde a confiança e a boa fé de todos aqueles que poderiam colaborar com ele, tornando mais difícil fazer um trabalho sério. Os domingueiros de verde-amarelo gostam, festejam cada novo ato intempestivo do “Mito”. Mas a ideia de que eles possam carregar o governo nas costas nunca pareceu tão distante.

O músico Lobão também criticou “esse afã de ir para as ruas toda hora”, que estaria “ficando bobo” segundo ele. Para o compositor, que apoiou o presidente em sua campanha, as manifestações estão ficando repetitivas e se esvaziando. “Há um turbilhão de propostas, e não conseguimos definir muito bem do que está se falando”, afirmou.

Ele acredita que o governo incita o povo a ir às ruas para passar uma visão de que a direita está unida, quando na verdade não está. “A direita já não se comporta dentro da própria direita, já há grupos que são irreconciliáveis”, afirmou. E acrescentou:

Isso é um sinal muito sério de que estamos caminhando para uma situação irreconciliável mesmo dentro do pacto social. Acho que o governo é responsável por isso. Ao mesmo tempo, prefiro torcer para que o governo consiga pelo menos cumprir o rito da democracia, se possível respeitar as instituições democráticas, ter vitórias na economia, já que áreas como educação e cultura estão completamente ou abandonadas ou retaliadas.

Talvez o pessimismo de Lobão seja prematuro, talvez seja profético. Como ele lembra, a vitória de Bolsonaro teve muito de antipetismo, ou seja, ocorreu uma espécie de plebiscito sobre o PT e isso o ajudou muito. Mas bolsonaristas apenas jamais seriam capazes de leva-lo à vitória, e falta essa percepção por parte do presidente e seu núcleo duro. O sucesso pode ter subido à cabeça, alimentado pelo barulho das redes sociais.

Enquanto os bolsonaristas demonizam o Congresso e o MBL, é o próprio PSL que ameaça desidratar a reforma previdenciária, prioridade do governo, em defesa de corporativismo. O mesmo Kim Kataguiri, citado acima, tem feito mais sozinho pelas reformas do que todos os olavistas juntos. Mas a militância engajada do bolsonarismo, com o apoio dos filhos do presidente, investe pesado contra esses liberais. Faz sentido?

O Congresso prevê uma temporada de atritos com o Planalto após a esperada aprovação da reforma da Previdência, no segundo semestre, se o presidente Jair Bolsonaro não mudar o jogo com os parlamentares. Alvo de ataques em redes sociais bolsonaristas e em manifestações de rua, como as de domingo, políticos de vários partidos avaliam que o governo não terá votos suficientes para tirar do papel os seus projetos e só não enfrentará um “apagão legislativo” porque há uma agenda pós-Previdência construída pela cúpula da Câmara e do Senado.

Os primeiros seis meses do governo Jair Bolsonaro foram marcados, na avaliação do ex-deputado federal e escritor Fernando Gabeira, por um erro de avaliação na relação do Executivo com o Congresso Nacional. Está em jogo nesse modelo presidencialista sem base majoritária formal no Parlamento a própria eficácia da atual gestão, afirma Gabeira. “Não houve inexperiência, houve erro de avaliação. Do jeito que está se comportando, perde todas (as votações) e acaba virando um governo ineficaz”.

Entre o confronto direto com a “velha política”, rotulando quase todo o Congresso de corrupto e contando com o apoio das ruas, e o antigo toma-lá-dá-cá imoral, precisa haver algum meio-termo, algum ponto de convergência, de articulação propositiva e dentro da lei.

O resumo da ópera é que o presidente precisa se afastar da ala mais radical e buscar agir mais como um estadista agregador do que um candidato em eterna campanha e palanque, atirando em inimigos o tempo todo. Contar somente com o peso das ruas parece uma péssima estratégia.

Rodrigo Constantino

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